20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Fatos sobre o trabalho escravo no Brasil

Publicado em 08/08/2019 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro disse, no último dia 30, ter planos de "adaptar" as normas brasileiras sobre trabalho escravo. Segundo ele, "tem juristas que entendem que o trabalho análogo à escravidão também é trabalho escravo". Condições análogas, no entanto, nada mais são do que características da escravidão contemporânea.

Uma das principais críticas de Bolsonaro foi à possibilidade de expropriação de terra de empresários ou fazendeiros condenados por trabalho escravo, pena prevista na Constituição Federal. No dia 31, o presidente chegou a dizer que a punição deveria ficar restrita apenas à pessoa que cometeu o crime. Porém, fato é que nunca houve uma condenação do tipo no Brasil, por ausência de regulamentação desse dispositivo pelo Congresso.

Aos Fatos explica, e desenha, esses e outros fatos relacionados ao trabalho escravo no Brasil:

Definição

A escravidão foi abolida no Brasil em 1888 pela Lei Áurea, mas, até hoje, o país tem situações de trabalho escravo. Ao contrário do que sugere o presidente Jair Bolsonaro, "trabalho análogo à escravidão" é o nome dado às formas contemporâneas de trabalho escravo, não uma prática mais suave, como ele dá a entender.

Assim como explica o Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, publicado pelo então Ministério do Trabalho em 2011 (hoje Secretaria do Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia), a escravidão hoje não é mais ilustrada por um trabalhador acorrentado sendo açoitado: "o trabalho em condição análoga à de escravo não se caracteriza apenas pela restrição da liberdade de ir e vir, pelo trabalho forçado ou pelo endividamento ilegal, mas também pelas más condições de trabalho impostas ao trabalhador".

Segundo o artigo 149 do Código Penal, o trabalho análogo à escravidão pode ser definido como os “trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregado”.

Segundo a ONU, outras formas contemporâneas de escravidão no mundo incluem a servidão doméstica, formas servis de casamento e a escravidão sexual, ou seja, situações das quais as vítimas não são capazes de se desvencilhar de forma voluntária, digna e segura.

Punições

O Código Penal prevê como pena para o empresário condenado por trabalho escravo a reclusão de dois a oito anos, multa, e pena correspondente à violência cometida. A punição é aumentada caso o crime seja cometido contra crianças ou adolescentes ou por motivação de preconceito racial, étnico ou religioso.

A Emenda Constitucional nº 81/2014 também determinou que propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas exploração de trabalho escravo serão expropriadas (quando a posse da terra é retirada sem nenhum tipo de indenização) e destinadas à reforma agrária. Vale ressaltar que a emenda foi apoiada por Jair Bolsonaro enquanto era deputado. Ele votou favoravelmente no primeiro turno e estava ausente na votação no segundo turno da emenda.

Aos Fatos entrou em contato com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), com o STJ, com o STF e com o Ministério Público dos três estados que registraram mais ocorrências de trabalho escravo — Minas Gerais, Pará e Mato Grosso — para saber se já houve, desde a aprovação da emenda, uma expropriação de terra por esse motivo. Todos os órgãos informaram que não há registros.

Segundo a assessoria do MP-PA, inclusive, essa pena ainda necessita que uma regulamentação seja aprovada no Congresso para que a Emenda 81 passe a ter validade prática.

Em entrevista à EBC, em maio de 2017, Maurício Ferreira, o então vice-coordenador nacional da Conaete (Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo) disse que "a ausência da regulamentação deixa muito a desejar porque ela não traz a efetividade desejada pela PEC. Ou seja, embora a Constituição tenha modificado os critérios para que haja a expropriação [das terras], na prática ela ainda não vem ocorrendo. A grande questão de fundo nisso aí é a modificação do conceito de trabalho escravo, que eles querem fazer um retrocesso na nossa legislação”.

Lista suja

Em 2003, foi criada a chamada "lista suja" do trabalho escravo. Ela tem o intuito de divulgar os nomes dos empregadores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, autuados pela prática de trabalho análogo à escravidão e que tiveram estas autuações confirmadas após um processo administrativo.

A partir da lista suja, empresas e bancos públicos que assinaram o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo podem negar crédito, empréstimos e contratos aos nomes que constam na lista.

A lista, mesmo tendo sido reconhecida internacionalmente como modelo no combate à escravidão moderna, chegou a ser suspensa em 2014 por decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski, que respondeu a uma ação da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). A suspensão, no entanto, foi revogada em 2016 pelo próprio STF.

A última atualização da lista suja foi publicada no dia 29 de julho deste ano e trouxe 166 nomes, uma queda desde a penúltima publicação, em abril. Naquele mês, 187 empregadores estavam listados. Segundo a Secretaria do Trabalho, em nota enviada ao Aos Fatos, as exclusões ocorreram ou por liminares judiciais ou em razão do decurso de prazo de permanência. Segundo a lei, "o nome do empregador permanecerá divulgado no cadastro por um período de dois anos, durante o qual a inspeção do trabalho realizará monitoramento a fim de verificar a regularidade das condições de trabalho".

Panorama

A Secretaria do Trabalho tem um observatório que publica dados do trabalho forçado no Brasil. Segundo a plataforma, de 2003 a 2018, 45.028 trabalhadores foram resgatados em situação de trabalho forçado, uma média de 2.814 pessoas por ano.

Os trabalhadores resgatados estavam, em sua maioria (10.234 pessoas), na faixa dos 18 ao 24 anos. Houve casos, no entanto, de crianças e adolescentes resgatados (959) e até maiores de 60 anos (561). Já em termos raciais, 60% dos resgatados eram negros, 22% brancos e 18% amarelos.

Setores

As atividades econômicas mais envolvidas, segundo o Observatório, são a criação de bovinos para corte (32%), as atividades ligadas ao setor sucroalcoleiro (24%), que incluem a fabricação de álcool (11%), o cultivo de cana-de-açúcar (8%) e a fabricação de açúcar em bruto (5%), e o cultivo de arroz (20%). Isso ajuda a explicar porque 73% dos resgatados eram trabalhadores agropecuários.

Como denunciar

Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho, qualquer pessoa pode denunciar o trabalho escravo. As denúncias podem ser feitas pelo telefone "100" ou por meio de formulários disponibilizados por órgãos locais da Secretaria do Trabalho.

Para que a denúncia seja efetiva, o órgão recomenda que a pessoa esteja munida da razão social ou nome do empregador, endereço completo e cite os fatos e irregularidades ocorridos.


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