19/04/2024 - Edição 540

Poder

Para atingir o jornalista Glenn Greenwald, Moro expede portaria que facilita extradição de estrangeiros

Publicado em 02/08/2019 12:00 -

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Toda "pessoa perigosa para a segurança do Brasil" poderá agora ser deportada sumariamente ou até ter impedido seu ingresso no país – é o que prevê a Portaria nº 666, expedida pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, no último dia 25.

As críticas vieram imediatamente. "Não aconteceu nada no Brasil que justifique uma portaria dessa", surpreendeu-se a advogada Tania Maria de Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Para todos que se ocupam do tema migração no Brasil, a decisão administrativa veio do nada, confirma o defensor público João Chaves: a tradição histórica nacional não é de deportar imigrantes, mas sim legalizar os ilegais.

No momento, há 11 mil refugiados legais no país, e 160 mil requerimentos ainda estão em andamento. Em comparação com a Europa, não existe nem um problema migratório, nem uma discussão séria sobre o assunto, frisa a advogada Oliveira. "Nós não temos problemas de estrangeiros com situação irregular, os números são irrisórios. Não tem justificativa nenhuma para isso."

Também para o especialista em direitos humanos e relações internacionais Thiago Amparo, da Fundação Getúlio Vargas, os motivos de Moro são inescrutáveis, e sua portaria infringe a Lei da Migração de 2017, que garante os direitos humanos dos refugiados. A redução do prazo para apresentar defesa, de 60 dias para 48 horas, "contrariando o prazo previsto na lei, na verdade impede que a pessoa tenha acesso a uma ampla defesa contraditória às razões pelas quais está sendo deportada".

O defensor público Chaves acrescenta que a nova portaria ignora os processos em andamento. Além disso, a abreviação do prazo de defesa para 48 horas, mais 24 horas para apresentação de recurso, priva os estrangeiros de seu direito a um processo judicial igual ao de todo brasileiro: "Mesmo na Alemanha, que tem um padrão rígido de tratamento com imigração, isso não seria admitido num tribunal."

A nova portaria permite, ainda, deportação em casos de apenas suspeita, inclusive com base em informações de serviços de inteligência estrangeiros, enquanto a Lei da Migração de 2017, por sua vez, exigia uma sentença válida como pré-condição para uma deportação. Fica também reinstituída a prisão preventiva para os que aguardam a deportação, algo que a lei de 2017 eliminara.

Já é inconstitucional o fato de a portaria corrigir uma lei, aponta João Chaves: normalmente esse é o procedimento de ditaduras, não de democracias. O caminho correto seria uma emenda da Lei de Migração vigente, aprovada pelo Congresso.

Para Thiago Amparo, o Brasil segue o exemplo dos Estados Unidos, Polônia e Hungria, com sua "retórica anti-imigratória muito forte", e o presidente Jair Bolsonaro se alinha ideologicamente a esses países. "O grande problema é a visão que o governo Bolsonaro tem da migração", observa Chaves. "A lógica que está nessa portaria é de ver o imigrante como ameaça à segurança nacional."

Isso se choca com a tradição da América do Sul, que "sempre foi reconhecida por boas práticas com relação a migrantes". "Mas a ideia de estabelecer uma política rígida, de permitir a saída ou inadmissão de pessoas por mera suspeita, pode ter uma semelhança muito grande com a política americana. Mas isso não quer dizer que seja boa", ressalva Chaves.

"O Brasil deveria se espelhar nas boas práticas, que ele próprio já consolidou", propõe o defensor público. Em muitos campos, na verdade, o país estaria mais avançado do que, por exemplo, a Alemanha atual, onde o solicitante tem que esperar inativo pela decisão de seu caso: "Nós já temos um sistema muito mais eficiente que o da Alemanha. Enquanto a pessoa aguarda a decisão sobre ser ou não refugiada, ela pode trabalhar, pode estudar, pode fazer sua vida."

Nos EUA e na Europa, os imigrantes, em geral, são encarados como perigo, mas "não devemos encarar isso como exemplo. O grande exemplo que a gente tem que dar é a tradição sul-americana que é facilitar residência e regularização", apela Chaves. Há muito o Brasil também deixou de ser uma clássica nação de imigrantes: é de três para um a proporção entre os brasileiros que vão para o exterior e os estrangeiros que chegam ao país.

Alvo verdadeiro

A quem se dirige realmente a portaria, perguntam-se os especialistas? No momento, Bolsonaro parece ter um inimigo de estimação: o americano Glenn Greenwald. Com suas divulgações recentes no portal The Intercept, o jornalista investigativo provocou clamor público: uma série de mensagens compromete seriamente Moro e os investigadores da operação anticorrupção Lava Jato.

Greenwald sempre afirmou ter recebido os chats de fonte anônima. O presidente e alguns ministros exigiram sua prisão, alegando estarem certos que o jornalista estaria por trás dos ciberataques que deram acesso às mensagens. Como é casado com um brasileiro e tem dois filhos adotados, porém, ele está a salvo da deportação.

Bolsonaro lamentou o fato, chamando "Glenn" de "malandro", por ter se casado com brasileiro, e ameaçando: "Talvez ele pegue uma cana aqui no Brasil." Na segunda-feira, representantes do governo reforçaram a ofensiva, acusando Greenwald de práticas ilegais para aquisição das gravações dos chats.

"Acaba sendo um padrão Bolsonaro a notícias que o desagradam, de alguma forma", comenta Marina Iemini Atoji, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), "ele tenta ameaçar e intimidar jornalistas". Ela considera um mau sinal o fato de que ele o faça a partir de sua posição de chefe de Estado: "Isso representa um ataque muito grande à liberdade de expressão."

Glenn diz que não vai deixar o país de seu marido e filhos 

O jornalista Glenn Greenwald disse, em ato a favor do criador do site The Intercept Brasil, que não vai deixar o país de seu marido, o deputado David Miranda (PSOL-RJ), e de seus filhos. O evento ocorre na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) na noite do último dia 30.

Em seu discurso, Glenn também condenou a fala do presidente da República.  “Ele não se encaixa na portaria. Até porque ele é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro, para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil. Esse é o problema que nós temos. Ele não vai embora, pode ficar tranquilo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não”, disse Bolsonaro.

Glenn disse que estava feliz pela declaração do presidente da República. “Estou feliz que Bolsonaro tenha dito isto, assim podemos mostrar para juventude LGBT no Brasil que eles não serão infelizes. Olhem para minha família”, afirmou. Ele e David Miranda se beijaram no palco.

O criador do The Intercept Brasil, que, desde o dia 9 de junho tem revelado diálogos entre procuradores do Ministério Público Federal envolvidos na Operação Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, disse que “máscara” do atual ministro da Justiça e Segurança Pública “caiu”. “Máscara de Moro caiu por conta do jornalismo”, disse. “Não me importo com ameaças se Moro, não vou fugir deste país”, acrescentou.

Ele disse ainda que, quando recebeu o acervo com os diálogos, sabia do risco, mas que tinha que mostrar que o grande herói, se referindo a Sergio Moro, é “totalmente corrupto e fez tudo para ganhar eleição”.

No ato da ABI, havia cerca de 3.000 pessoas, entre os presentes no local dos discursos e os que se espalhavam pela calçada. Ouviu-se gritos de “nenhum passo atrás, ditadura nunca mais”. Também houve manifestação na rua a favor da liberdade de expressão e de Glenn Greenwald. Pouco antes do evento, também houve uma pequena concentração de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro protestando contra o jornalista.

Entre os presentes no apoio a Glenn e ao site The Intercept Brasil, estavam celebridades como o músico Chico Buarque, o ator Wagner Moura, a atriz Camila Pitanga, o rapper Marcelo D2, o cineasta Silvio Tendler e políticos de partidos como PT, PSOL e PDT. Um deles, o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) foi saudado aos gritos de “juiz ladrão”, referência ao que ele disse ao ministro Sergio Moro durante uma audiência na Câmara.

Medida é inconstitucional na visão de especialistas

A Portaria 666 comete uma série de ilegalidades e inconstitucionalidades ao estabelecer condições para a deportação de estrangeiros do Brasil. Essa é avaliação de seis especialistas no tema.

De acordo com os novos critérios, fica impedido de ingressar no país, sujeito a repatriação, deportação sumária ou redução de prazo de permanência qualquer estrangeiro que seja considerado "pessoa perigosa para a segurança do Brasil".

Segundo o texto, se for considerada "suspeito" e receber uma notificação de deportação, o imigrante tem 48 horas para se defender antes de ser efetivamente expulso.

"Essa portaria viola valores da lei de imigração e constitucionais importantes", afirma Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional e coordenador do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP).

"A avaliação dessa portaria é indissociável do contexto em que o ministro está, contrariando as limitações legais em relação a investigações sigilosas da Polícia Federal", continua Glezer, referindo-se ao fato de que Moro teve acesso a dados e provas colhidos pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Spoofing, deflagrada para apurar o hackeamento das mensagens de Moro e que está sob segredo de Justiça.

"O Ministério da Justiça não pode, a fim de atingir uma pessoa, editar uma medida dessa que tem repercussão geral, vai afetar milhões de pessoas", afirma Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP).

O Ministério da Justiça qualifica a publicação da portaria como um ato de rotina, desconectado da Operação Spoofing.

"Essa ação estava prevista, é rotina dentro do Ministério. Precisamos de instrumentos que deem agilidade para o Estado retirar pessoas perigosas que nem deveriam ter entrado no Brasil", afirmou André Furquim, diretor do Departamento de Migrações, segundo nota da pasta.

Por ser ministro da Justiça, cabe a Moro estabelecer como deve ser cumprida a Lei de Imigração, promulgada em 2017, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, de 1980.

No entanto, a portaria excederia sua pregorrativa de regulamentação e ressuscitaria elementos autoritários do período da ditadura, apontam especialistas ouvidos para esta reportagem.

"A Lei de Imigração não prevê a classificação de pessoas como 'perigosas' para a segurança nacional, como na portaria. Esse termo era usado no Estatuto do Estrangeiro, que já está ultrapassado e em desuso. Então, é chocante ver esse termo. E portarias não podem criar nova hipótese de punição, por isso considero inconstitucional", diz Marina Faraco, professora de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

De acordo com o documento de Moro, são consideradas pessoas perigosas aquelas que possam ser enquadradas nas legislações referentes a terrorismo, organização criminosa, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração sexual e violência em estádios de futebol.

"Há um amplo grau de subjetividade nos crimes listados, especialmente em organização criminosa ou na lei de terrorismo", diz Glezer.

Além disso, na avaliação de especialistas, a portaria desconsidera a presunção de inocência ao determinar que são passíveis de deportação estrangeiros que sejam meramente suspeitos de crimes, que estejam sob investigação criminal e não tenham ainda sido julgados.

"Certamente, essa parte da portaria vai acabar sendo questionada no Supremo, porque pode afrontar princípios constitucionais", diz a advogada constitucionalista Vera Chemim, que afirma esperar uma longa batalha sobre o assunto nos tribunais.

Para Faraco, até mesmo um simples boletim de ocorrência poderia servir para abrir um processo de retirada de uma pessoa do Brasil, o que gera insegurança jurídica.

Além disso, o tempo para a defesa após a notificação de deportação ou extradição foi reduzido para 48 horas, considerado inviável para que um imigrante consiga reverter a situação de deportação. Em uma deportação ordinária, há um prazo mínimo de 60 dias.

"As pessoas vão poder ser retiradas do país em 48 horas em uma condição de grande insegurança jurídica. Fere a presunção de inocência, o devido processo legal, o direito à ampla defesa, o princípio de igualdade entre estrangeiros e nacionais", diz Glezer.

Para Basso, como o Congresso não aprovou deportações sumárias, Moro estaria legislando em seu lugar. "É um abuso de poder do Ministro da Justiça", completa.

Decisões no escuro

A portaria prevê ainda que, por motivos de segurança, o Estado pode fazer deportações sumárias sem dar publicidade aos motivos. Na prática, as razões para a expulsão do estrangeiro do país não estariam disponíveis ao público nem mesmo por pedidos feitos com base na Lei de Acesso à Informação.

"Medidas arbitrárias tendem a ser sigilosas, porque assim fica mais difícil garantir a defesa das pessoas e a fiscalização da ação das autoridades pela sociedade civil", diz Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas, entidade que defende os direitos de imigrantes.

O texto deve ser questionado judicialmente, segundo Glezer. "A portaria aponta para um processo de desinstitucionalização, em que as autoridades políticas demonstram não se importar com os limites institucionais e jurídicos da suas funções. Elas perseguem o poder, sua agenda independente das limitações legais."

Bolsonaro age como Hugo Chávez e fere liberdade de imprensa, diz relator especial da OEA

As declarações do presidente Jair Bolsonaro chamaram a atenção da principal autoridade da Organização dos Estados Americanos (OEA) ligada a liberdade de expressão.

Para o advogado uruguaio Edison Lanza, relator especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, "o presidente do Brasil lamentavelmente parece ter se esquecido da Constituição e de tratados internacionais sobre liberdade de expressão dos quais o Brasil é signatário".

"Vejo com absoluta preocupação", disse Lanza, de Washington (EUA), em entrevista à BBC News Brasil por telefone. "Ele adota uma lógica que lamentavelmente antes seguiam os presidentes como (Hugo) Chávez (Venezuela) e (Rafael) Correa. Bolsonaro foi eleito com um discurso de liberdade de expressão e imprensa, mas o abandona rapidamente quando algo o incomoda. Não vejo diferença em relação ao comportamento de Chávez e Correa na América Latina."

Tanto Chavez quanto Correa eram expoentes da onda de governos de esquerda na América do Sul que chegou a seu apogeu na primeira década dos anos 2000.

Segundo Lanza, ao fazer referências irônicas à orientação sexual do jornalista responsável pela série de reportagens sobre supostos diálogos entre o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e procuradores da República, Bolsonaro faz "um ataque discriminatório" e incita "um comportamento de perseguição" ao jornalista e à imprensa.

"O trabalho do presidente é prevenir riscos, e não aumentá-los", diz Lanza. "Este é um discurso realmente perigoso, que desagrada e gera novas expressões de ódio. O direito à liberdade de expressão não permite que se desobedeça a direitos fundamentais para se extremar a polarização, especialmente às custas de um grupo que historicamente é discriminado (os homossexuais)", avalia.

Bolsonaro desobedeceria pelo menos dois tratados internacionais

Segundo o relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Bolsonaro desobedece pelo menos dois tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O artigo 19 do Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU, que entro em vigor em 23 de Março de 1976, diz que "toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão; este direito compreende a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de toda a índole sem consideração de fronteiras, seja oralmente, por escrito, de forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo que escolher".

Como ressalva, o artigo aponta que, para tal, é preciso "assegurar o respeito pelos direitos e a reputação de outrem e a proteção da segurança nacional, a ordem pública ou a saúde ou a moral públicas".

A reportagem lembra que boa parte dos apoiadores do presidente tem classificado a atuação de Greenwald justamente como ameaça a segurança nacional, uma vez que os dados divulgados na reportagem teriam sido obtidos de forma ilegal pela fonte anônima do site jornalístico The Intercept Brasil.

O relator lembra que a proteção de fontes jornalísticas é um princípio que faz parte do direito à liberdade de expressão, já que sem essa proteção, informações de interesse público envolvendo poderosos "dificilmente se tornariam públicas".

O tema também é regulado pelo Princípio 8 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH, que estabelece que "todos os comunicadores sociais têm o direito de reservar suas fontes de informação, anotações e arquivos pessoais e profissionais".

"Há uma ignorância aí sobre como funciona justamente a liberdade de expressão. Isso não é novo. Imagine se os papéis do Pentágono da década de 1970 sobre a guerra de Vietnam não tivessem se tornado conhecidos, se os jornalistas que os divulgaram não tivessem recebido a proteção da suprema corte dos EUA. Isso é protegido por leis e acordos internacionais. Um jornalista publicar algo obtido ilegalmente, mas que tenha interesse público, como este é o caso, não pode ser criminalizado e não ameaça a segurança nacional", avalia o relator.

Ele se refere aos "Pentagon Papers", um extenso documento secreto páginas do departamento de Defesa americano que mostrava que os EUA não cumpriram acordos na Guerra do Vietnã e expandiram seus ataques, enquanto informavam à opinião pública justamente o contrário. Os papéis haviam sido furtados por um ex-funcionário do Pentágono e o então presidente Richard Nixon tentou impor censura prévia aos jornais New York Times e Washington Post, que receberam os documentos. Por 6 votos a 3, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em 1971, que a restrição era inconstitucional. "Somente uma imprensa livre e sem restrições pode efetivamente expor enganos no governo", disse então o juíz da suprema corte Hugo Black.

Lanza continua: "No caso Wikileaks, dezenas de jornais em todo o mundo publicaram informações conseguidas por informantes. O público tinha direito de saber. Deve se proteger o direito de que, se a fonte obteve ilegalmente, isso não se estende ao jornalista. Isso está estabelecido há mais de 50 anos", diz.

"Me parece que a imprensa deve pedir esclarecimentos sobre os conteúdos divulgados, e não apenas sobre quem trouxe as mensagens", continua. "Ao que parece, houve abuso de poder pelo juiz Moro, que ultrapassou suas funções. Esse é o ponto-chave, já que ninguém desmentiu as mensagens."

"Bolsonaro sempre usa esse tipo de discurso"

Já o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos aponta que "não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa", nem por "quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões".

O texto diz ainda que a lei deve proibir "toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência".

A referência ao casamento de Greenwald com o deputado David Miranda (PSOL-RJ) e aos filhos adotados pelo casal feriria o último ponto.

Segundo o relator especial, os últimos comentários de Bolsonaro não representam "uma coisa isolada".

"O presidente Bolsonaro sempre usa esse tipo de discurso", diz a autoridade à BBC News Brasil.

"Há uma série de declarações estigmatizantes e totalmente contrárias à ordem jornalística vindo dele, de deputados do partido do governo, do filho do presidente. E obviamente há ameaças de morte contra o jornalista vindo de supostos fanáticos. A situação de risco e vulnerabilidade contra o jornalista é muito grande e, ao mesmo tempo, o presidente o chama de malandro, algo que soa como 'bandido'. Também há, como dito, uma forma de discurso discriminatório, que obviamente o expõe ainda mais."

Lanza lembra que suas posições não representam apenas a comissão da OEA, mas são compartilhadas pela ONU.

Em 1o de julho, Lanza e o Relator Especial das Nações Unidas para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão, David Kaye, lançaram comunicado conjunto expressando "preocupação com as ameaças, desqualificações por parte das autoridades e as intimidações recebidas pelo jornalista Glenn Greenwald da agência de notícias The Intercept Brazil, bem como com seus parentes, após a divulgação de informações e denúncias de interesse público."

No texto, os dois relatores pedem que o Brasil "conduza uma investigação completa, efetiva e imparcial das ameaças recebidas pelo jornalista e sua família".

"Também lembra as autoridades brasileiras de suas obrigações de prevenir e proteger os jornalistas em risco e garantir a confidencialidade das fontes de informação" e que "os jornalistas que investigam casos de corrupção ou ações impróprias por autoridades públicas não devem estar sujeitos a assédio judicial ou outro tipo de assédio em retaliação por seu trabalho".

"O jornalismo deve ser exercido livre de ameaças, abuso físico ou psicológico ou outro assédio", diz o texto.


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