28/03/2024 - Edição 540

Especial

Desmoronando

Publicado em 18/06/2019 12:00 -

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No último domingo, o Brasil foi surpreendido por três reportagens explosivas publicadas pelo The Intercept Brasil. Nelas, o site mostrou as entranhas da Lava Jato e mergulhou fundo em poderes quase nunca cobertos pela imprensa. Quase todos os jornalistas preferem se manter afastados disso: apontar o dedo para procuradores e juízes é, antes de tudo, perigoso em muitos níveis – eles têm razão.

As primeiras reações dos envolvidos no escândalo foram essas: O MPF preferiu focar em hackers, e não negou a autenticidade das mensagens. Sergio Moro disse que não viu nada de mais, ou seja: não negou a autenticidade das mensagens.

Moro, na verdade, se emparedou: em entrevista ao Estadão, ele inicialmente não reconhece como autêntica uma frase que ele mesmo disse. Mas depois diz que pode ter dito. E depois ainda diz que não lembra se disse. Moro está em estado confusional.

Horas depois, à Folha, Moro confirmou um dos chats publicados: em uma coletiva, ele chamou de “descuido” o episódio no qual, em 7 de dezembro de 2015, passa uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP investigue. Confessou que ajudou a acusação informalmente, o que é contra a lei. Como dizem as piores línguas: tirem suas próprias conclusões.

Deltan Dallagnol não negou tampouco. Ele está bastante preocupado com o que diz ser um “hacker”, mas sequer entregou seu celular para a perícia.

É evidente que nem Moro, nem Deltan e nem ninguém podem negar o que disseram e fizeram. O Graciliano Rocha, do BuzzFeed news, mostrou que atos da Lava Jato coincidiram com orientações de Moro a Deltan no Telegram. Moro mandou, o MPF obedeceu. Isso não é Justiça, é parceria. O Intercept mostrou a mesma coisa: Moro sugeriu que o MPF atacasse a defesa de Lula usando a imprensa, e o MPF obedeceu. Quem chefiava os procuradores? Só não vê quem não quer.

A imprensa séria virou contra Sergio Moro e Deltan Dallagnol em uma semana graças às revelações do TIB. O Estadão, mesmo que ainda fortemente aliado de Curitiba, pediu a renúncia de Moro e o afastamento dos procuradores. A Veja escreveu um editorial contundente (“Moro ultrapassou de forma inequívoca a linha da decência e da legalidade no papel de magistrado.”) e publicou uma capa demolidora. A Folha está fazendo um trabalho importante com os diálogos, publicando reportagens de contexto absolutamente necessárias.

Durante cinco anos, a Lava Jato usou vazamentos e relacionamentos com jornalistas como uma estratégia de pressão na opinião pública. Funcionou, e a operação passou incólume, sofrendo poucas críticas enquanto abastecia a mídia com manchetes diárias. Teve pista livre para cometer ilegalidades em nome do combate a ilegalidades. Agora, a maior parte da imprensa está pondo em dúvida os procuradores e o superministro.

Mas existe uma força disposta a mudar essa narrativa. A grande preocupação dos envolvidos agora, com ajuda da Rede Globo – já que não podem negar seus malfeitos – é com o “hacker”. E também nunca vimos tantos jornalistas interessados mais em descobrir a fonte de uma informação do que com a informação em si. O Intercept jamais falou em hacker. "Nós não falamos sobre nossa fonte. Nunca", afirmou Glenn Greeenwald, editor do site.

"Já imaginou se toda a imprensa entrasse numa cruzada para tentar descobrir as fontes das reportagens de todo mundo? A quem serve esse desvio de rota? Por enquanto nós vamos chamar só de mau jornalismo, mas talvez muito em breve tudo seja esclarecido. Nós já vimos o futuro, e as respostas estão lá", completa.

"A ideia é tentar nos colar a algum tipo de crime – que não cometemos e que a Constituição do país nos protege. Moro disse que somos 'aliados de criminosos', em um ato de desespero. Isso não tem qualquer potencial para nos intimidar. Estamos apenas no começo", afirma o jornalista Leandro Demori.

"Esse trabalho todo que estamos fazendo só acontece graças ao esforço de uma equipe incrível aqui no TIB. De administrativo a redes sociais, de editorial a comunicações, todos estão sendo absolutamente fantásticos. Nós queremos agradecer imensamente por tudo, e pedir para que vocês nos ajudem a continuar reportando esse arquivo", completou.

A Lava Jato usou o Judiciário para fins políticos

Suspeitava-se que a Lava Jato era um grupo político articulado entre membros do Ministério Público e o judiciário. Os indícios apontavam um conluio entre procuradores e um juiz que atuava para influenciar o jogo político-partidário e manipular a opinião pública. Faltava o batom na cueca. Não falta mais.

Os diálogos revelados pelo Intercept mostram que a Lava Jato desfilava como uma deusa grega da ética na sociedade, mas atuava à margem da lei na alcova. Em nome do combate à corrupção, o conluio atropelou princípios jurídicos básicos e arrombou o estado de direito. As provas são tão explícitas que não há mais espaço para divergências.

A Lava Jato usou indevidamente o aparato jurídico para atender interesses políticos. O Código de Ética do Ministério Público, o estatuto da magistratura e a Constituição foram todos burlados. É um caso claro de corrupção.

Durante o processo que levou um ex-presidente para a cadeia, o juiz orientou, recomendou alterações de estratégias, antecipou uma decisão e até indicou uma testemunha para acusação. A defesa, que reiteradamente pediu a suspeição do juiz, fazia papel de trouxa enquanto ele e o procurador combinavam estratégias de acusação pelos seus celulares.

No grupo do Telegram batizado de “Incendiários ROJ”, integrado por procuradores da Lava Jato, Dallagnol demonstrava preocupação com a principal prova da acusação. A convicção demonstrada em público contrastava com a insegurança no escurinho do Telegram. As conversas mostram a obsessão de Dallagnol em manter o caso de Lula nas mãos de Moro a qualquer custo. Os “incendiários” tinham plena consciência de que estavam ultrapassando os limites da irresponsabilidade.

Moro e Dallagnol enganavam a opinião pública quando em diversas oportunidades garantiram a lisura do processo. O réu não teve direito a um julgamento justo e imparcial. Os diálogos revelam uma articulação de estratégias para condená-lo mesmo antes da apresentação da denúncia. O processo foi corrompido, comprometendo o julgamento das instâncias superiores. Qualquer interpretação diferente dessa está fadada ao ridículo e cairá na lata do lixo da história.

O juiz e os procuradores se viam como heróis com uma missão: “limpar o congresso”. Mas essa limpeza era seletiva. A Lava Jato criaria aliados na política. O então deputado Onyx Lorenzoni dos Democratas se tornou um deles. Ele foi o principal apoiador das “Dez medidas contra a corrupção” — o projeto de lei criado pelos procuradores lavajatistas disfarçado de iniciativa popular.

Quando perguntado pelo Estadão sobre a intenção de “limpar o congresso”, Sergio Moro se mostrou inseguro. Primeiro não reconheceu a autenticidade da frase. Depois a justificou. E, por fim, afirmou não lembrar se é o autor.

Estadão: Em um diálogo que lhe é atribuído, o sr. fala em limpar o Congresso. O sr. reconhece essa fala como sua?

Moro: Não, não reconheço a autenticidade desse tipo de afirmação. Vamos dizer assim, em uma conversa coloquial, pode ser até algo que se diga “olha, tem um problema”. Vamos dizer que estamos falando de um Congresso que na época tinha o Eduardo Cunha como presidente (da Câmara), uma pessoa que comprovadamente cometeu crimes, tinha contas milionárias na Suíça, então era uma situação bastante diferente. Mas eu não tenho como recordar se há dois, três anos atrás eu tenha efetuado uma afirmação dessa espécie

O uso do poder do Estado para interferir nas eleições também está explícito nas conversas entre procuradores. Faltando 12 dias para a eleição, os lavajatistas traçaram estratégias para impedir a entrevista de Lula e dificultar a vitória de Haddad.

Moro chega a chamar réus de “inimigos” em uma conversa com Dallagnol. Está tudo ali, textualmente. Meses depois, a Lava Jato emplacou um ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Onyx acabou virando colega de trabalho de Sergio Moro, que o perdoou publicamente pelos casos de caixa 2 (inclusive o da JBS, uma das empresas investigadas pela Lava Jato).

Haverá alguém capaz de continuar negando as intenções políticas da operação?

Acreditava-se que Moro trabalhava como linha auxiliar da acusação, mas ficou claro que ele era o chefe da Lava Jato. Ele dava broncas, cobrava ações e recomendou a Dallagnol que enquadrasse uma procuradora que apresentou mau desempenho nas audiências. Dallagnol prestava reverências a Moro, muitas vezes usando um tom messiânico: “A sociedade quer mudanças, quer um novo caminho, e espera líderes sérios e reconhecidos que apontem o caminho. Você é o cara”.

Em um dos trechos do vazamento, Dallagnol revela que teve uma conversa — “reservada, é claro” — com o ministro do STF Luiz Fux. Nessa época, Moro tinha sido duramente criticado pelo ministro Teori Zavascki, morto num acidente aéreo em 2017, que questionou sua imparcialidade após a divulgação ilegal do áudio da conversa entre Dilma e Lula.

Dallagnol conta para os procuradores que “Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou”. Ou seja, segundo Fux, na queda de braço entre um juiz de primeira instância que cometeu ilegalidade e um juiz da suprema corte, venceu o primeiro. Esse é o tamanho do poder que Sergio Moro tem sobre o judiciário brasileiro.

Dallagnol revelou ainda que, segundo Fux, os procuradores da Lava Jato podiam contar com ele o que fosse preciso. A força-tarefa contava com um homem de confiança no STF. As palavras de Dallagnol deixam claro que Fux não se debruçaria sobre o mérito no caso, mas atuaria de acordo com o que foi combinado com o conluio lavajatista. Ao saber da conversa, Moro comemorou “In Fux we trust” (No Fux, a gente confia).

As primeiras reações de Moro e Dallagnol com a Vaza Jato foram reveladoras. Nenhum deles negou as conversas, o que sugere uma confissão indireta da autenticidade. Preferiram minimizar o conteúdo dos diálogos e investir na imagem de vítimas de violação de privacidade.

Sergio Moro, chamado de “russo” pelos procuradores, não viu “nada demais” na reportagem, mas considerou “bastante grave” a “invasão e a divulgação”. Em entrevista a Pedro Bial em abril, o ministro da Justiça deu uma opinião diametralmente oposta sobre o vazamento ilegal da conversa entre Lula e Dilma: “o problema ali não era a captação ilegal do diálogo e sua divulgação. O problema era o conteúdo do diálogo.”

O desespero tomou conta da força-tarefa. Três notas foram emitidas após a publicação da reportagem, enfatizando a “ação criminosa de um hacker” — o que era apenas uma suposição. Sem ter como negar os fatos, a Lava Jato iniciou uma guerra de narrativas. Manchetes sobre hackers invadindo celulares de procuradores passaram a pipocar no noticiário, numa tentativa de jogar areia nos olhos da opinião pública. Relacionar essas invasões com o que foi publicado pelo Intercept não serve a outro objetivo senão embaçar a realidade.

Moro e Lava Jato mudaram a versão inicial. Passaram a dizer que os hackers poderiam ter adulterado os conteúdos, mesmo após não terem negado nem uma vírgula. Essa não vai colar. A força-tarefa teria totais condições de comprovar a adulteração. Bastaria resgatar os arquivos das conversas no Telegram e comparar com o que foi publicado. Curiosamente, a maioria dos procuradores que foram alvos de ataque cibernético, incluído Dallagnol, tem relutado em entregar seus celulares para a perícia da Polícia Federal.

A Globo, como tem sido costume da imprensa nos últimos anos, abraçou integralmente a versão lavajatista e atuou como gestora de redução de danos. Uma suposta invasão de hackers ganhou mais relevância no noticiário global que o hackeamento da ordem jurídica comandado pela Lava Jato. Minimizaram um fato e maximizaram uma suposição.

No dia seguinte à publicação da Vaza Jato, O Globo deu o mesmo peso de importância para as “conversas de Moro com procuradores” e para a “ação de hackers”. Diferentemente do que aconteceu em 2016, quando o jornal publicou a conversa entre Lula e Dilma na capa do jornal sem sequer citar a ilegalidade do vazamento. Sergio Moro e Globo estão sintonizados na mesma incoerência.

Carlos Sardenberg, um dos principais colunistas do jornal, não viu nada demais nos diálogos. Em sua última coluna, chamou o conluio entre juiz e acusador de “coordenação formal de trabalho” e os métodos da Lava Jato de “inovação na investigação”. Parece que Sardenberg combinou só com o “russo”. Faltou combinar com a Constituição. Ele termina a coluna dizendo que o “pessoal do Intercept Brasil não faz jornalismo. É pura militância”. Isso me leva a crer que o jornalista não publicaria os diálogos se os tivesse recebido. Se dependesse desse tipo de jornalismo, a população não saberia que funcionários públicos atuaram à margem da lei.

Criou-se agora um falso debate sobre a publicação dos vazamentos. Mas não existe dilema ético quando se publica fatos de interesse público que os poderosos queriam esconder. Essa é a função principal e mais nobre do jornalismo.

É importante esclarecer que as revelações da Vaza Jato não provam a inocência de todos os acusados pela operação. Prova apenas que a Lava Jato não é inocente e que os processos comandados por ela estão contaminados por interesses políticos. Essa não é uma história de mocinhos contra bandidos.

A Lava Jato ganhou poderes imensos. Com apoio da imprensa e da população, conseguiu colocar um ex-presidente na cadeia com provas frágeis, peitou o STF e emplacou um ministro da Justiça. A força-tarefa chegou até a pleitear a administração de um fundo bilionário privado, que seria financiado pelas multas pagas pela Petrobrás.

Em nome de um bem maior, boa parte do jornalismo brasileiro abdicou de fiscalizar esse que hoje é o núcleo político mais poderoso do país. Preferiu atuar como porta-voz da República de Curitiba. A história se encarregará de separar os jornalistas que cumpriram o seu papel fiscalizador do poder dos que preferiram ignorar os fatos e surfar a onda fácil do lavajatismo.

O apoio popular estava ancorado na crença de que esses heróis trabalhavam com máxima transparência e rigor ético. O povo foi enganado. Não foi à toa que Sergio Moro perdeu 10 pontos de popularidade logo após à Vaza Jato.

Mas o ministro da Justiça de Bolsonaro ainda é a figura política mais popular do país. Mesmo com os fatos escancarados, ainda vai demorar para o mito se desfazer. Divindades não são desconstruídas do dia pra noite.

Sergio Moro sonhou entrar para a história como Giovanni Falcone, o juiz que enfrentou a máfia italiana. Mas pode acabar como o justiceiro “russo”, um miliciano jurídico que hackeou a ordem constitucional para combater seus “inimigos”.

Após fala de Sergio Moro no Senado, o que acontece agora em quatro pontos

Um dos desdobramentos mais esperados em torno da divulgação das mensagens trocadas no Telegram pelo site The Intercept está ligado às acusações de suspeição de Moro feitas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Caso o colegiado acolha o pedido, todas as decisões tomadas por ele em processos contra Lula podem ser anuladas pela Corte, inclusive a condenação no caso do tríplex do Guarujá.

Veja em que pé estão as quatro linhas de investigação.

1. Supremo Tribunal Federal

Ao longo da tramitação dos processos judiciais contra o presidente Lula, sua defesa adotou a estratégia de apresentar na Justiça uma série de pedidos de suspeição de magistrados envolvidos com os casos, tendo Moro como alvo preferencial.

A ofensiva jurídica dos advogados do petista sofreu diversas derrotas na primeira instância da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região e no Superior Tribunal de Justiça, mas ganhou fôlego com o vazamento de mensagens entre Moro e Dallagnol.

O julgamento do habeas corpus de Lula que pede a suspeição de Moro foi interrompido em dezembro após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mas recentemente ele liberou seu voto e pediu que o caso fosse pautado para o dia 25 de junho.

A Segunda Turma, que julga o habeas corpus, é formada por Edson Fachin, relator dos casos da Lava Jato iniciados em Curitiba, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello.

Será a primeira vez que o pedido dos advogados de Lula será apreciado no STF após a divulgação das mensagens entre o então juiz de primeira instância da Lava Jato Moro e o procurador que comanda a força-tarefa.

Segundo conversas divulgadas em reportagens do site The Intercept, em dezembro de 2015 Moro recomendou a Dallagnol, fora dos autos, uma possível testemunha a ser ouvida em processo contra Lula. O então juiz também fez comentários sobre a atuação de procuradores e sugeriu a mudança da ordem de fases da operação.

Para a defesa petista, "houve uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro com o objetivo pré-estabelecido e com clara motivação política, de processar, condenar e retirar a liberdade" de Lula.

O Código de Ética da Magistratura determina que o magistrado deve manter "ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Já o artigo 254 do Código de Processo Penal estabelece que o juiz "dar-se-á por suspeito" se, por exemplo, "tiver aconselhado qualquer das partes". No artigo 564 do código, pode ocorrer a nulidade de um processo em três casos, entre eles "incompetência, suspeição ou suborno do juiz".

No último dia 13, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), rejeitou a abertura de um processo administrativo solicitada pelo PDT porque Moro já não tem mais vínculo com a magistratura.

2. Conselho Nacional do Ministério Público

A divulgação das conversas também originou uma investigação contra Deltan Dallagnol no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sob suspeita de falta funcional.

Assinado por quatro conselheiros do órgão, o pedido de investigação defende, sem fazer juízo de valor, a apuração de eventual "violação dos princípios do juiz e do promotor natural, da equidistância das partes e da vedação de atuação político-partidária".

O processo de reclamação disciplinar foi aberto pelo corregedor nacional do Ministério Público Orlando Rochadel Moreira no último dia 10, a fim de apurar se houve desvio dos deveres funcionais previstos na lei complementar nº 75/93.

"A ampla repercussão nacional demanda atuação da Corregedoria Nacional. A imagem social do Ministério Público deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade, mantendo a imparcialidade e relações impessoais com os demais Poderes constituídos", escreveu Moreira em sua decisão.

Ele aguarda agora a apresentação da defesa dos membros do Ministério Público Federal ligados à força-tarefa da Lava Jato, representados pelo coordenador do grupo, Deltan Dallagnol.

Em seguida, o corregedor do CNMP analisará se é o caso de arquivamento ou de abertura de processo administrativo disciplinar.

Dallagnol já responde a outro procedimento, autorizado pelo plenário do órgão, por causa de uma entrevista na qual afirmou que o Supremo Tribunal Federal passa a mensagem de leniência a favor da corrupção em algumas de suas decisões. Ainda não houve decisão de mérito sobre este caso.

3. Polícia Federal

A Polícia Federal abriu quatro inquéritos no Paraná, no Rio, em São Paulo e no Distrito Federal em torno da invasão de celulares de autoridades e ao posterior vazamento dessas informações, segundo a imprensa brasileira. Uma das investigações foi aberta antes das reportagens do site The Intercept a pedido de Moro, após identificar que a segurança de seu aparelho telefônico havia sido violada.

O portal de notícias G1 afirmou que a apuração identificou que a possível origem dos ataques virtuais foi o celular do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot – e que o hacker teria chegado aos grupos de conversa da Lava Jato após invadir o Telegram instalado no aparelho dele.

Em reportagem, o jornal Folha de S.Paulo disse que as investigações da PF identificaram por ora que o único telefone celular que teve dados capturados por hackers foi o de Deltan Dallagnol. Procurados pela BBC News Brasil, o Ministério Público Federal no Paraná e a Polícia Federal não informaram se ele entregou o celular para análise dos investigadores.

A autoria dos ataques ainda não foi identificada. Em audiência no Senado, Moro afirmou, sem apresentar provas, que a invasão virtual foi orquestrada por uma organização criminosa.

O hoje ministro também cobrou o endurecimento das penas previstas para esse tipo de crime, proposta defendida pelo PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

4. Comissão Parlamentar de Inquérito

O braço político dos desdobramentos da divulgação de conversas entre Moro e Dallagnol perdeu força por ora depois que o hoje ministro anunciou que iria espontaneamente ao Senado prestar esclarecimentos sobre as mensagens vazadas.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso, deu início à coleta de assinaturas de colegas para a apuração, mas decidiu engavetá-la enquanto aguarda a divulgação de mais conversas entre o então juiz federal e procuradores da Lava Jato.

"Continuamos na busca por esclarecimentos. Não quero e nem farei pré-julgamento, mas é importante, já que ele diz que não há nada de errado, que as partes forneçam acesso às conversas para sabermos a verdade", escreveu Angelo Coronel. Ele cobrou em audiência no Senado que Moro autorize que o Telegram conceda acesso às suas mensagens arquivadas nos servidores da empresa russa responsável pelo aplicativo.

Na ocasião, o ministro afirmou que parou de usar o Telegram em 2017, "naquela época em que se noticiaram invasões nas eleições americanas", e que não é possível ter acesso às mensagens porque elas não ficam armazenadas na nuvem. A informação foi contestada por Coronel.

Segundo o Telegram, as conversas ficam armazenadas em seus servidores, à exceção dos "chats secretos". Estes usam a chamada criptografia de ponta a ponta, em que apenas o emissor e o destinatário podem ler as mensagens.

O que dizem Moro e procuradores

Desde o início da divulgação das conversas privadas, tanto o hoje ministro Sergio Moro quanto a força-tarefa da Operação Lava Jato negam qualquer ilegalidade na condução das investigações e dos processos e colocam em xeque a veracidade das informações publicadas pelo site The Intercept.

Em nota, Moro "não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido editadas e manipuladas e que teriam sido transmitidas há dois ou três anos". De todo modo, ele afirma que "sempre se pautou pela aplicação correta da lei a casos de corrupção e lavagem de dinheiro".

Ele também cobrou "que o suposto material, obtido de maneira criminosa, seja apresentado a autoridade independente para que sua integridade seja certificada".

No Senado, Moro disse não ter apego ao cargo de ministro e que deixaria o posto caso alguma irregularidade seja encontrada em seus diálogos com Dallagnol.

Os comunicados assinados pelo Ministério Público Federal no Paraná giram em torno de pontos semelhantes. "Sem a comprovação de sua origem, autenticidade e contexto, a exposição parcelada e contínua de supostos trechos de conversas atendem a uma agenda político-partidária, em prejuízo do alegado interesse informativo e com a intenção de manipular a opinião pública."

"A atuação da força-tarefa é revestida de legalidade, técnica e impessoalidade", afirma o órgão. "Os procuradores da força-tarefa manifestaram aqui preocupação com possíveis mensagens fraudulentas ou retiradas do devido contexto."

Ainda segundo o MPF, "a exposição pública de informações obtidas por atividades cibernéticas criminosas ainda estimula ataques similares, a extorsão de vítimas, e o ambiente de internet, como a 'dark web', em que são praticados outros graves crimes".

Judiciário foi usado como vingança

O brasileiro é, antes de tudo, um autoritário. Depois de séculos escondendo-se por trás da ideia de de povo aberto, diverso, tolerante, pacífico e acolhedor —o conceito de "homem cordial", cunhado pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda em 1936, em Raízes do Brasil —, ele tirou a máscara da cordialidade e revelou-se abertamente intolerante. Essa é a tese do recém-lançado Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Companhia das Letras), livro da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. Em um exercício de ir ao passado para pensar o presente, a autora destrincha as feições do autoritarismo à brasileira, que nasce na escravidão e nas mazelas do racismo e passa pelo patrimonialismo, violência, corrupção e pela desigualdade de gênero, resultando na polarização atual.

Schwarcz observa o autoritarismo presente já no nascimento da República Brasileira. "Os dois primeiros presidentes da nossa história foram militares que governaram em estado de sítio", explica em seu escritório. A autora defende que essa cultura autoritária ganhou novos tons desde as manifestações de 2013 e do impeachment de Dilma Rousseff, que desencadearam uma grande crise sociopolítica. "Esses fatos destamparam o caldeirão da democracia. Valores que muitos brasileiros já tinham, mas se sentiam vexados de disseminar, começaram a aparecer e foram totalmente avalizados pelo atual governo", diz ela. Foi precisamente a busca de razões que explicassem a eleição de Jair Bolsonaro que levou Schwarcz a escrever o livro.

A revelação pela série de reportagens publicadas por The Intercept é, de acordo com Schwarz, o mais recente capítulo do autoritarismo à brasileira. "Esse episódio confirma a ideia de judicradura ou a ditadura do Judiciário, quer dizer, de um Judiciário que cumpre com sua liturgia, mas que cresceu de modo a não equiparar-se com os outros poderes. É um Judiciário que perde a medida do seu poder e põe em questão a prática da equanimidade".

A historiadora e antropóloga também relaciona o episódios com outros ismos muito presentes na cultura e na história brasileira. O teor das conversas vazadas evidencia a atualidade do autoritarismo e do patrimonialismo no Brasil. Juntamente com a corrupção, seriam os grandes inimigos da República no país.

A subversão da "coisa pública"

Já dizia o historiador José Murilo de Carvalho que "nossa República nunca foi republicana". Schwarcz concorda com ele, ao lembrar que a res pública —a coisa pública ou o bem comum— deveria opor-se aos interesses privados. Mas, no Brasil, observa, nunca foi assim.  "O patrimonialismo é resultado da relação viciada que se estabelece entre a sociedade e o Estado. É o entendimento, equivocado, de que o Estado é bem pessoal, 'patrimônio' de quem detém o poder. O que vimos ocorrer, com o vazamento de informações sobre Sergio Moro, se chama patrimonialismo. O uso do Judiciário para causas particulares, como forma de vingança e de impedimento à que a democracia siga seu curso", afirma Schwarz. 

A autora também vê esse uso do poder para interesses particulares no Governo Bolsonaro (apesar de não citar diretamente o presidente no livro), que, segunda ela, tem características populistas e autoritárias similares aos governos de Donald Trump, nos Estados Unidos, de Viktor Orbán, na Hungria, de Rodrigo Duterte em Filipinas, ou de Nicolás Maduro, na Venezuela. "São governos que têm uma compreensão muito restrita da democracia. Propagam a ideia de que democracia se resume a ganhar eleição".

No caso do atual Executivo brasileiro, Schwarz destaca o personalismo, a figura forte do Bolsonaro como "salvador da pátria", como traço autoritário. "É essa coisa de 'eu sou o poço da verdade'. Basta ver que a primeira manifestação de apoio ao presidente foi contra o Congresso e contra o Supremo, ou seja, a ideia é do Governo é 'eu não preciso dos outros poderes, eu sou o poder'. É um governo que não sabe governar, que continua com falas de campanha, que não consegue ser propositivo e que não pratica o que é, na minha opinião, a melhor política: a arte de construir consensos. Ao contrário, ele [Jair Bolsonaro] vai cada vez mais apostando na polarização dos afetos", diz.

Schwarcz também menciona a constante histórica que permitiu que diversas famílias se perpetuassem na vida política do país. "Isso de governar pela parentela é um costume aceito no Brasil. Mas agora temos um presidente e três de seus filhos que foram eleitos para outros cargos tomando decisões em Brasília. Houve um recrudescimento da bancada dos parentes, e os Bolsonaro exacerbam esse modelo de familismo muito vigente no país", critica.

Ela pondera, no entanto, que o autoritarismo, pelo menos no Brasil, não se apega a ideologias. "Ele também cabe na esquerda", afirma. O capítulo sobre corrupção —o maior do livro— está quase inteiramente dedicado ao caso do Mensalão [escândalo de compra de votos de parlamentares no Congresso durante o Governo Lula], à Operação Lava Jato e o papel do PT nela. "A polarização que vivemos hoje é consequência disso. Um lado só se radicaliza se o outro se radicalizar também. É com isso que os partidos de esquerda ou progressistas têm que lidar hoje".

Apesar de interpretar o Mensalão como uma tentativa de perpetuação no poder, Schwarcz não considera os governos progressistas autoritários. "Tanto os governos do PT quanto do PSDB estavam muito preocupados em ampliar a educação, em fomentar a inclusão, não afastaram da sua pauta a questão das minorias que estavam ascendendo. A corrupção virou uma máquina de governar, mas a questão do autoritarismo é de outra ordem. O governo atual não tem nenhum apego à questão das minorias, não tem uma agenda progressista, a favor da diminuição das desigualdades, e deu provas de que não tem vocação nem vontade política de batalhar pela educação, a única coisa que pode desarmar o gatilho da desigualdade e da exclusão social", argumenta.

Cicatrizes históricas e a "utopia" da Constituição de 1988

Em Sobre o autoritarismo brasileiro, Schwarcz resgata várias cicatrizes históricas que persistem como nós sem desatar no panorama atual do país. O colonialismo, baseado em um modelo de exploração, e a experiência de colonização portuguesa —uma coroa pequena, com poucos recursos para povoar o território e que baseou-se no sistema latifundiário, além de configurar uma metrópole ausente da vida social local— são responsáveis, segundo ela, pelas especificidades do autoritarismo brasileiro. A maior e mais profunda dessas cicatrizes é, no entanto, a escravidão. “Não é à toa que abro o livro com esse debate. Nem todos os países de governos populistas e autoritários contaram com mão de obra escrava como nós contamos. A escravidão virou uma linguagem entre nós e com graves consequências. Esse é um grande nó da história brasileira, um nó que a gente não desata e que gera esse racismo tão estrutural e institucional que vivemos hoje”.

A historiadora e antropóloga aponta que a Constituição de 1988 foi uma tentativa de mitigar esses danos históricos, mas falhou em não reconhecer uma parcela da população que não se sentiu atendida por ela. "A Constituição de 1988 é generosa com muitos dos nossos direitos, mas falhou em alguns pontos. Um deles foi não mencionar a situação dos militares. Outro foi não tratar dos privilégios de uma sociedade desigual. Minha geração falhou em não ver isso, em não ver essa parte da população que não se espelhava na utopia da Constituição". 

Para Schwarcz, esse é um dos fatores que explicam "como os brasileiros colocamos no poder um projeto autoritário". As soluções para romper com a cultura de autoritarismo, afirma, passam pelo fortalecimento das instituições e pela educação. Mas não há garantias.  "História não é que nem bula de remédio. A tristeza da História é que, muitas vezes, em vez de irmos para frente, voltamos atrás", diz.

Moro e Guedes provam que são tão ideológicos quanto ministros bolsonaristas

Quando Paulo Guedes e Sérgio Moro foram nomeados para a equipe de Jair Bolsonaro, muitos atestaram que representavam a cota "técnica" do governo. Não fariam parte nem da patota ideológica do bolsonarismo-raiz, nem da turma da caserna. Pelo contrário, foram apresentados como "superministros", com independência e legitimidade para fazer o que fosse tecnicamente necessário.

Apesar dos alertas de spoiler dados, só agora parte dos "torcedores de ministros" está descobrindo que não há área técnica na Esplanada dos Ministérios de Bolsonaro. São apenas ideológicos e militares – sem contar o pessoal envolvido com laranjais e caixa 2, que correm por fora. O presidente trouxe para o Ministério da Justiça e da Segurança Pública uma pessoa que acredita que estava em uma cruzada e, para tanto, pensava estar acima da Constituição. E para o Ministério da Economia alguém que trata o mercado como Deus e o Estado como o diabo, mas acha que isso não é fundamentalismo e sim racionalidade.

As conversas trazidas a público pelo Intercept Brasil mostram um então juiz federal Sérgio Moro orientando a força tarefa de procuradores da Lava Jato e, consequentemente, reduzindo a ampla defesa por parte do ex-presidente Lula, entre outros condenados na operação. Diante das revelações, ele diz que não vê nada de errado, não indicando constrangimento ou arrependimento. Pelo contrário, parece demonstrar orgulho por quebrar as regras em nome do que considerava um bem maior. Confunde, dessa forma, o papel de juiz com o de vingador, talvez levando a sério demais os bonecos infláveis gigantes em que aparece vestido de super-herói.

Ao mesmo tempo, discursos econômicos neoliberais, como os de Guedes, são craques em se afirmarem neutros quando, na verdade, não são. Em dizerem que é lógico e não ideológico declarar que o trabalhador tem que decidir se quer direitos ou emprego ou que é racional dificultar a aposentadoria de trabalhadores rurais pobres dando como justificativa (novamente) um bem maior – no que pese haver poucas coisas maiores que manter um mínimo de dignidade de gente que se esfolou para produziu comida a vida inteira para a população. Ele quer fazer crer que seu ponto de vista não é influenciado pela presença de dogmas, doutrinas e paixões, mas "pragmático" e, portanto, livre de tudo isso. Esquece que o discurso mais ideológico é aquele que se afirma como meramente técnico.

Vocês podem dizer que ambos não defendem o bolsonarismo-raiz como Abraham Weintraub, Damares Alves, Ernesto Araújo e Ricardo Salles, nem socam a mesa como o general Augusto Heleno. Mas no afã de sobreviver ou na busca por garantir poder, ambos abraçam cada vez mais o bolsonarismo e seus métodos, deixando surgir ou aflorar algo.

Moro aceitou calado quando seu chefe lançou decretos para armar a população, mesmo sendo o responsável pela área. Passou pano para casos de corrupção na esfera do atual governo – dos laranjais do ministro do Turismo, passando pelos problemas de campanha do ministro-chefe da Casa Civil até os enroscos queirozescos do senador e filho mais velho do presidente. Mostrando que é duro com os inimigos e fofo com os amigos. Quando pressentiu perigo diante dos vazamentos dos diálogos, abraçou a cartilha populista de Bolsonaro – já foi visto vestindo camisa do Flamengo ao lado do chefe em estádio e gravando entrevista para o programa do Ratinho. 

Guedes não é tão agressivo quanto Bolsonaro, mas a forma como ajudou a fritar o então presidente do BNDES, Joaquim Levy, a maneira como ataca a Câmara dos Deputados quando as coisas não saem do seu jeito e as chantagens que entrega rotineiramente em nome da Reforma da Previdência mostram que, em algum momento, ele chega lá.

Bolsonaro e a ala ideológica de seus ministros, incluindo Moro e Guedes, deveriam cessar batalhas inúteis e se concentrar naquilo que importa: reduzir os índices de desemprego e de violência. Isso seria uma atitude pragmática, não ideológica. Talvez por isso seja para eles tão assustadora.

O que vai acontecer com a Vaza Jato?

O jornalista Reinaldo Azevedo anunciou novas informações para esta sexta (21) às 18h na Rádio Bandnews. Existe um volumoso acervo de mensagens de texto, áudio, fotos, prints e links, como afirmou ao Seu Jornal da TVT, o jornal o editor executivo do Intercept, Leandro Demori. Em rede social, o editor Glenn Greenwald diz que o objetivo é dar mais agilidade e credibilidade à vazão de informações ilegalmente trocadas entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa Lava Jato.

O Código de Ética da Magistratura determina que o magistrado deve manter “distância equivalente das partes” (acusação e defesa), e evitar conduta que revele preferência por uma das partes. E o Código de Processo Penal estabelece que um juiz será posto sob suspeição se “tiver aconselhado qualquer das partes”. O mesmo código define ainda que há três casos em que um processo pode vir a ser anulado: “incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.

“Já estamos trabalhando com outros jornais/revistas no arquivo. Significa: 1) mais revelações serão reportadas mais rapidamente; 2) ninguém pode alegar que a reportagem tem um viés ideológico; 3) quem quiser prender os que divulgar este material terá que prender muitos jornalistas”, afirma Glenn Greenwald em sua conta no Twitter.

Uma maior agilidade poderia fortalecer junto à opinião pública os portadores do conteúdo obtido por fonte anônima, e que o jornalista tem a proteção Constitucional para não revelar. Grande parte da imprensa tem tratado o assunto com rigor e apreensão. Alguns veículos tradicionais – como Globo e Estadão – estão visivelmente empenhados em proteger Sergio Moro, até por terem sido cúmplices de vazamentos seletivos de informações sigilosas antecipadas durante as principais operações da Lava Jato. Há ainda nessa trincheira pró-Moro veículos sustentados por empresários e operadores do mercado financeiro – financiadores do golpe de 2016 e do bombardeio aos partidos de centro à esquerda, notadamente o PT – como o site O Antagonista.

Além disso, há o exército bolsonarista atuante nas redes sociais, boa parte dele formado por robôs e também impulsionado com ajuda de empresários para o disparo ilegal em massa de mensagens. Uma poderosa indústria de produção e distribuição de notícias falsas, as fake news. Nessa batalha de informação e contra-informação, agilidade e credibilidade serão armas importantes.

O que pode acontecer

De um lado, existe ainda a suspeita de que uma onda de perseguições, de caráter miliciano e também por vias institucionais possa ser posta em movimento para intimidar os responsáveis pelo Intercept e outros veículos que venham a ser incorporados à tarefa de elaboração dos conteúdos comprometedores. Afinal, o principal suspeito de participar de um conluio de ilegalidades é o ministro da Justiça e da Segurança Pública.

O procurador Deltan Dallagnol confirmou ontem que os procuradores desativaram suas contas no aplicativo Telegram em abril, devido aos ataques de hackers. “Em abril deste ano, identificamos ataques virtuais às nossas contas no Telegram. Por razões de segurança pessoal e pelo risco de comprometimento de investigações em curso, a decisão na época foi de desativar a conta – o que exclui o histórico tanto na nuvem quanto no celular”, postou. O gesto pode reforçar o argumento dos que pedem o afastamento dos envolvidos. Nas redes, questionou-se: se Dallagnol teria provas em seu celulares de que as notícias do Intercept não seriam verdadeiras, por que não apresentá-las em vez de destruí-las.

De outro lado, assim como há personalidades do meio jurídico e político empenhados em levar adiante medidas que aprofundem a investigação das ilegalidades da Vaza Jato reveladas pelo site de Gleen Greenwald, a disputa hoje travada no campo da comunicação deve correr na seara institucional, envolvendo apoiadores das práticas da Lava Jato, ainda que ilegais ou abusivas.

Será possível ter melhor noção de que rumos o escândalo vai tomar – se a investigação aprofundada ou o abafamento – quando se souber como atuará a Polícia Federal, como será o julgamento dos recursos da defesa do ex-presidente Lula cobrando a suspeição de Moro no Supremo Tribunal Federal (STF), a sindicância no Conselho Nacional do Ministério Público e uma possível abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Esses quatro movimentos são expostos nesta reportagem da BBC.

No STF, cogita-se a possibilidade de adiar o julgamento da suspeição de Moro. A Corte se vê em meio a algumas pressões, justamente por não ter feito a lição de casa de zelar pela Constituição – e não pela opinião publicada – em seu tempo. O Supremo já teve oportunidades de se posicionar, em vez de trazer o conflito para um julgamento tardio. Do ponto de vista da ciência jurídica, os desvios e abusos da Lava Jato não são novidade.

Mas os ministros têm convivido também com o terrorismo emplacado por alguns generais, ameaçadores a cada vez que o caso de Lula é assunto na Corte. A protelação só agrava o estado de politização do Judiciário. E se a ideia seria ganhar tempo à espera de uma solução que não precisasse passar por um veredicto à luz da justiça e das leis, o plano não tem dado certo. Depois do golpe do impeachment veio o da prisão de Lula, e depois o da vitória mandraque de Bolsonaro. Qual seria o próximo, se a mais alta Corte a zelar pela Constituição vestir a capa da omissão, da covardia ou da cumplicidade?

O que saiu até aqui no Intercept

Parte 1 – Como e por que o Intercept está publicando chats privados sobre a lava jato e moro

parte 2 – “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”

Parte 3 –“Até agora tenho receio”

Parte 4 – “Não é muito tempo sem operação?”

Parte 5 – Leia os diálogos de moro e dallagnol que embasaram a reportagem

Parte 6 – “A defesa já fez o showzinho dela”

Parte 7 – Sergio Moro não gostou do alvo tucano: ‘melindra alguém cujo apoio é importante’


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