29/03/2024 - Edição 540

Poder

TRF-1 derruba liminar que suspendeu corte de orçamento nas universidades federais

Publicado em 14/06/2019 12:00 -

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O desembargador federal Carlos Moreira Alves, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, revogou liminar (decisão provisória) da Justiça Federal da Bahia que suspendeu os cortes nos orçamentos de universidades federais.

O recurso foi apresentado pela AGU (Advocacia-Geral da União). A decisão de suspender o bloqueio de recursos no orçamento foi tomada pela juíza Renata Almeida de Moura, da 7ª Vara Federal, em Salvador, em resposta a uma ação apresentada pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB).

Na decisão, o presidente do TRF-1 afirma que o entendimento da Justiça Federal pode "impor, a um só tempo, grave lesão à ordem e à economia públicas", pois "intervém em assunto da seara do Poder Executivo" e tem "o condão de suspender bloqueios e, consequentemente, permitir o desembolso imediato do montante de R$ 1,704 bilhão, de acordo com o Ministério da Educação".

Segundo o desembargador, isso "inevitavelmente interferirá nas contas da pasta como um todo, impactando sua organização financeira e orçamentária e outras políticas setoriais que também necessitam de ser afetadas para fazer frente à determinação legal de equilíbrio dos gastos públicos".

Para o magistrado, há ainda, um "potencial efeito multiplicador de demandas desta natureza, com risco de desencadeamento de realocação de todo e qualquer orçamento, com severos prejuízos à coletividade em outras políticas públicas do Estado".

"Sem embargo de lamentar a necessidade do contingenciamento, é certo que se operaram eles não somente no âmbito do Ministério da Educação, mas também no dos demais órgãos do Poder Executivo Federal", disse ainda o desembargador.

Argumentos da AGU

A AGU afirmou que o bloqueio foi feito em cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que o poder público deve limitar a movimentação financeira sempre que a arrecadação não for compatível com as metas de resultado primário ou nominal, o que ocorreu nesse caso, diz o recurso.

Disse ainda que a necessidade de contingenciamento foi apontada no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do 1º Bimestre de 2019 e que o decreto afetou também outros ministérios.

Para a AGU, suspender os bloqueios apenas para as universidades, como determinado pela liminar, obrigaria o Ministério da Educação a repassar R$ 1,7 bilhão para as instituições de ensino – verba que necessariamente terá que ser retirada de outras áreas fundamentais, como a educação básica, livros didáticos ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

“Vale frisar que a educação superior recebe uma destinação de recursos significativamente relevante em relação ao orçamento global do Ministério da Educação, possuindo orçamento bem maior que a educação básica, quando se sabe que o orçamento total do MEC é na ordem de R$ 149,7 bilhões e, desse montante, o ensino superior é responsável por R$ 65,3 bilhões, enquanto o valor correspondente à Educação Básica é R$ 42,2 bilhões”, diz o recurso.

Segundo a AGU, o contingenciamento não significa anulação da verba, uma vez que os recursos poderão ser gradativamente desbloqueados para repasse de acordo com a evolução da receita, como ocorreu parcialmente com os limites de movimentação financeira do Ministério da Educação no montante de R$ 1,58 bilhão.

A AGU afirma que a liminar, “ao ignorar a sistemática das normas orçamentárias, causa grave lesão à ordem pública por um duplo fundamento: desconsidera o planejamento orçamentário do Poder Executivo Federal, subvertendo por completo a legislação aplicável; e, ao assim agir, acaba por se imiscuir em seara que não é própria da função jurisdicional típica, o que viola a Separação de Poderes”.

Inimigo da educação

É desesperador ver um país com mais 13 milhões de desempregados, que não consegue retomar o crescimento, ter a educação – força motriz de qualquer desenvolvimento social e econômico – tratada como inimiga por parte de seu próprio governo. Desde o começo do ano, não temos ministro da Educação e as ações para o setor visam à desconstrução do que décadas de esforço pós-redemocratização possibilitaram sem dizer o que pretende colocar no lugar.

Enquanto isso, talvez querendo vingar a própria ignorância, membros da administração federal transformaram o conhecimento em inimigo – o que se traduz não apenas no desmantelamento da pesquisa e do ensino superior, mas na negação da ciência como ferramenta da administração pública.

Não é que estamos à deriva. A melhor analogia seria a de um barco, com um capitão terraplanista, navegando em um mundo esférico. No final, podemos até chegar ao nosso destino, mas será por um caminho mais longo e penoso, demandando dedicação dobrada por parte do restante da tripulação, deixando mortos e feridos pelo caminho e precisando de muita, mas muita sorte.

Incensado como sensato pelo mercado, o ministro da Economia considera irrelevante indicadores trazidos por uma pesquisa robusta do Censo, avaliando que um dos países mais desiguais do mundo não precisa conhecer a si mesmo para saber onde melhor alocar seu parco orçamento. O ministro da Cidadania prefere acreditar nas deduções simplistas de um passeio pelas ruas do Rio, regadas às suas próprias crenças sobre drogas, do que confiar em estudo realizado por anos e envolvendo centenas de cientistas da Fiocruz, uma das mais renomadas instituições de pesquisa do mundo. E o presidente da República acha que sabe mais de cálculo estatístico de desemprego do que o IBGE.

Na prática, desconfio que ele não entenda direito o que é desemprego. Porque se entendesse a dor por trás de não conseguir trabalhar para sustentar a família, já teria apresentado uma política nacional para geração de emprego e renda. Como sempre digo neste espaço, Jair Bolsonaro não é culpado pela massa de desempregados, oriundas da crise gestada durante o governo Dilma Rousseff. Mas, considerando que agora é presidente, aos poucos vai sendo responsabilizado por contar apenas com a aprovação da Reforma da Previdência para a solução do problema, sem apresentar nada mais. 

Relatei, há pouco, um caso de casas de farinha que foram interditadas no sertão de Pernambuco pela fiscalização. Apesar da cena do menino de três anos descascando tubérculos ter chocado, um rosário de adolescentes de 13, 14, 15 anos, operando máquinas nesta, que é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, é o retrato de nossa incompetência em garantir que a escola proteja o futuro.

De acordo com o Censo Escolar 2017, das escolas que oferecem ensino fundamental, menos da metade (41,6%) têm rede de esgoto e 65,8% contam com abastecimento público de água. Em 10% delas, não há ao menos um desses três itens: água, energia ou esgoto. Só 54,3% têm bibliotecas ou salas de leitura e 53,5% acesso à banda larga. Algumas unidades não têm papel higiênico para a criançada se limpar após as necessidades fisiológicas.

Mas o grande problema é "combater o lixo marxista que se instalou nas instituições de ensino", conforme defendeu Bolsonaro.

Sugiro que, antes de combater moinhos de vento, o presidente comece por melhorar a remuneração dos docentes e servidores públicos da educação, garantindo dignidade a eles e suas famílias; aumentar o nível de sua formação e garantir que estejam constantemente atualizados com o que há de mais moderno do ponto de vista didático e pedagógico; implantar atividades de contraturno a fim de elevar o número de escolas em período integral, contratando mais professores e não sobrecarregando os existentes como fizeram alguns estados; conversar com governadores para que jovens que se trancam em suas escolas para protestar contra a falta de merenda e de professores não sejam agraciados com bombas de gás lacrimogênio ou balas de borracha; atuar para aumentar e melhorar as escolas técnicas de nível médio, garantindo formação profissional para que os jovens possam entrar no mercado de trabalho – o que inclui proteger de desidratação entidades como o Senai e o Senac; revisar a Emenda do Teto dos Gastos, que limitou o crescimento dos gastos públicos ao aumento da inflação por 20 anos, guiando nossa educação da insuficiência para a inviabilidade – lembrando que o país universalizou o acesso à educação, mas produz jovens semianalfabetos com diploma de ensino médio. 

Desconfio que se Bolsonaro conseguir fazer tudo isso, perceberá que terá nas mãos uma educação de qualidade com jovens preparados para o salto de produtividade que o país precisa dar e capazes de discernir quando estão tentando enganá-los com discursos doutrinadores que servem para entreter a militância, desviar a atenção da opinião pública e criar uma cortina de fumaça a fim de disfarçar a incompetência dos que os proferem. Da esquerda à direita. Mas parece que ele não deseja isso.

Diante do que foi posto, é desesperador não apenas ver um país com mais 13 milhões de desempregados, que não consegue retomar o crescimento, ter a educação – força motriz de qualquer desenvolvimento social e econômico – tratada como inimiga por parte de seu próprio governo.

É desesperador olhar para o presidente e perceber que isso é seu projeto de país. 


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