25/04/2024 - Edição 540

Poder

Ministro da Educação promove confronto e causa vergonha, dizem ex-titulares

Publicado em 07/06/2019 12:00 -

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"Não tem paralelo na história da educação mundial. Não conheço nenhum caso no mundo de alguém que tenha, em tão pouco tempo, produzido tanto conflito." A opinião é de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, sobre o comportamento do titular da Educação, Abraham Weintraub.

Enquanto dezenas de milhares foram às ruas pelo país para protestar contra os cortes no orçamento da Educação, no dia 30, o atual ministro da pasta veio a público denunciar que professores estariam coagindo estudantes a participarem dos atos. E seu ministério divulgou nota alertando que docentes, servidores, funcionários, alunos e até pais e responsáveis "não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar". A nota conclamou a sociedade a fazer denúncias ao MEC.

Ouvimos três professores, que também são ex-ministros da Educação e têm posição crítica à atual gestão, para analisarem essas reações diante das manifestações.

"Não sei que tipo de relação que ele quer estabelecer com a comunidade de educação. Parece ser de confronto permanente", afirma Haddad, que foi ministro de Lula e candidato derrotado à eleição presidencial no ano passado. "Educação é superar barreiras, educação é gesto, é tudo o que esse ministro não faz."

O ex-ministro e ex-senador Cristóvam Buarque foi mais incisivo: "Aquilo é típico de regimes totalitários. Achei estranho porque parecia algo mal traduzido da Alemanha nazista. Eu me senti envergonhado quanto vi".

Ele disse que também causou vergonha ver um ministro dizendo que recebeu denúncias de pais reclamando que professores estariam coagindo alunos a irem aos protestos. "O ministro está falando de universitários, não é mais o pai e a mãe que cuida das coisas. Ele trata esses estudantes como infantis", afirma Buarque, que também esteve à frente do MEC durante a gestão de Lula e foi reitor da Universidade de Brasília. 

"Em uma universidade, se um professor mandar seus alunos irem para a rua, o mais provável é os alunos não irem. Pois eles têm voo próprio, pensamento próprio. Uma declaração dessas é lamentável", avalia Buarque.

"E quer coisa mais ridícula do que aquele vídeo em que ele está com guarda-chuva, reclamando de fake news?" Ele se refere a um vídeo, tuitado nesta quinta, em que Weintraub aparece com um guarda-chuva, imitando o clássico filme "Cantando na Chuva", de Gene Kelly, para reclamar que, em sua opinião, "está chovendo fake news". O objetivo foi negar a denúncia trazida pela imprensa de que o governo reduziu verbas para a recuperação do Museu Nacional – destruído pelo fogo no ano passado.

Outro ex-ministro da Educação que criticou a nota do ministério ao blog foi o professor titular de Ética e Filosofia Política, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro.

"Não há democracia, universidade e educação sem liberdade de expressão. E de todas as discussões que pode haver no ambiente da educação, a mais importante é a que valoriza a própria educação, como modo de abertura para o mundo", disse.

Para ele, tentar coibir essa discussão com procedimentos punitivos é causar um dano enorme àquele que considera o principal fator de desenvolvimento hoje no mundo. Disse que, durante muito tempo, o acesso à matéria prima e o pagamento de salários baixos foram celebrados como fatores que promoveriam a economia. E hoje, é a educação e a inteligência.

"Não há desenvolvimento da inteligência sem discussão, não há o desenvolvimento da educação sem o direito de protestar. E protestar em favor da educação é o protesto mais nobre que existe", avalia Renato Janine Ribeiro.

A população pode esperar mudanças na forma como a pasta da Educação é gerida após a repercussão das polêmicas? Fernando Haddad acredita que não.

"O bolsonarismo-raiz é Ernesto Araújo [Relações Internacionais], Damares Alves [Mulher, Família e Direitos Humanos], Ricardo Salles [Meio Ambiente], Abraham Weintraub. Todo o resto, Paulo Guedes, Sérgio Moro, são concessões aos militares, ao mercado. As pessoas acham que esses quatro ministros são folclóricos e caricatos, mas eles são a agenda do bolsonarismo. É onde ele, portanto, se sente representado", afirma.

Cadê as provas de ‘coação’ que MEC diz possuir?

Weintraub disse estar "recebendo no MEC cartas e mensagens de muitos pais de alunos citando explicitamente que alguns professores, funcionários públicos, estão coagindo os alunos ou falando que eles serão punidos de alguma forma, caso eles não participem das manifestações. Isso é ilegal, isso não pode acontecer." Decorrida mais de uma semana, não há vestígio de prova nem sinal de providência adotada contra a suposta ilegalidade praticada pelos hipotéticos coatores.

Weintraub mandou sua assessoria enviar nota aos jornalistas para informar o seguinte: "Até o momento, a Ouvidoria do ministério já contabiliza 41 reclamações no órgão, além de diversas interações realizadas via Facebook do MEC e pelo Twitter do ministro Abraham Weintraub". Passados três dias, as alegadas reclamações não vieram à luz. Nenhum coator foi repreendido ou levado aos tribunais.

De duas, uma: Ou a coação de alunos é assombração que só existe na cabeça do ministro ou o chefe do MEC ignora as provas de algo que tachou de "ilegal". Na primeira hipótese, Weintraub é mentiroso e não merece permanecer no cargo.

Na segunda alternativa, o personagem comete o crime de prevaricação. Consiste em "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício". Neste caso, Weintraub precisa trocar a poltrona de ministro pelo banco dos réus, pois prevaricar é delinquência que o Código Penal Brasileiro pune com prisão —de três meses a um ano.

Noutros tempos os executivos governamentais dividiam-se apenas em dois grupos. Havia os que eram incapazes de todo —como Vélez Rodrigues, o olavete que durou menos de 100 dias no MEC. Havia também os que eram capazes de tudo. Abraham Weintraub inaugura um terceiro grupo. Reúne as duas características numa mesma pessoa.

Capaz de tudo, Weintraub empurrou o monstro para as ruas ao transformar um corriqueiro congelamento de verbas numa guerra ideológica. Incapaz de todo, imagina que pode devolver o monstro à sala de aula espetando-o com sua língua afiada. Um ministro assim corre muitos riscos, exceto o risco de dar certo.

Na Educação, Bolsonaro revela-se um ‘idiota útil’

Numa entrevista à revista Veja, Jair Bolsonaro contou como foi o processo de escolha do colombiano naturalizado Ricardo Vélez para o posto de ministro da Educação. Disse o presidente: "Foi uma indicação do Olavo de Carvalho? Foi, não vou negar. Ele teve interesse, é boa pessoa. Depois liguei para ele: 'Olavo, você conhecia o Vélez de onde?'. 'Ah, de publicações.' 'Pô, Olavo, você namorou pela internet?'."

Foi assim, na galega, como se diz, que o capitão selecionou o primeiro titular da estratégica pasta da Educação. E não foi por falta de opção que Bolsonaro premiou a incompetência. Havia na praça uma fabulosa opção. O presidente cogitou a sério a hipótese de nomear Mozart Ramos, um educador de mostruário. Mas Mozart estava preocupado com a Educação, não com ideologia. Por isso, foi descartado.

Veléz caiu da poltrona com menos de três meses de governo. "Tive de dar uma radicalizada", declarou Bolsonaro. "Em conversas aqui com os meus ministros, chegamos à conclusão de que era preciso trocar, não se pode ter pena, e trocamos." Trocou, como se sabe, por Abraham Weintraub. Vem a ser outro adepto de Olavo de Carvalho, o bruxo que enfeitiça Bolsonaro desde a Virgínia, nos Estados Unidos.

Sob Vélez, dividido entre uma ala militar e uma banda de olavetes, o MEC brigava consigo mesmo. Sob Weintraub, a pasta da Educação dedica-se a guerrear contra estudantes e professores. Para usar uma terminologia que o próprio capitão transformou num lema dos novos tempos, Jair Bolsonaro administra o prioritário setor da Educação como um "idiota útil" a serviço do polemista Olavo de Carvalho.


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