26/04/2024 - Edição 540

Poder

Cinco pontos que escancaram o esvaziamento da política ambiental

Publicado em 07/06/2019 12:00 -

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A questão ambiental foi o centro de polêmicas antes mesmo do governo Jair Bolsonaro (PSL) começar em 2019: depois de eleito em outubro de 2018, o novo presidente anunciara a intenção de extinguir o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Por conta das críticas, recuou da iniciativa. A mudança, entretanto, não faz com que entidades ambientalistas poupem críticas à política ambiental de Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles.

“O governo não tem uma política ambiental. O governo tem uma estratégia de esvaziar a política ambiental. Como ele teve de recuar na extinção do Ministério, a pasta virou o principal operador da estratégia de esvaziamento. Estamos vendo a anti-política”, diz Adriana Ramos, coordenadora do programa de políticas e direitos socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA).

Abaixo, o Brasil de Fato lista cinco questões que sofreram retrocessos ou estão sob ameaça por conta da política de Bolsonaro para o setor.

1) Enfraquecimento institucional

Apesar de mantido, o MMA perdeu parte de suas competências. O Serviço Florestal Brasileiro, responsável pela gestão das Florestas Nacionais, passou para o Ministério da Agricultura. Já a Agência Nacional das Águas foi para o Desenvolvimento Regional.

Além disso, segundo Adriana Ramos, do ISA, há questões específicas sob a alçada do Meio Ambiente em que há dúvida sobre o departamento responsável, além de setores ainda sem nomeações. “Toda política [ambiental brasileira] está ameaçada. O Ministério começa por esvaziar os fundamentos da política ambiental: a participação social e o acesso a informação. São duas coisas ameaçadas, a partir daí, todo o resto fica ameaçado”, complementa ela.

O esvaziamento da política ambiental – inclusive com o Ibama anunciando previamente em que local realizará fiscalizações – já mostra seus efeitos: a quantidade de multas aplicadas pelo órgão de janeiro a maio foi o menor dos últimos 11 anos, com queda de 34% em relação ao ano passado.

2) Fundo Amazonas

Salles questionou o modo de gestão do Fundo Amazonas, financiado principalmente pela Noruega e Alemanha. A proposta de mudança causou, inclusive, um constrangimento diplomático e pode colocar em xeque a continuidade do instrumento. Um dos argumentos mais mobilizados pelo ministro é justamente o da falta de orçamento para a pasta.

O Fundo foi criado em 2008, recebendo repasses anuais dos dois países. Hoje, tem cerca de R$ 3 bilhões. Ainda em 2018, a Noruega anunciou que reduziria em 50% os repasses por conta do aumento da devastação amazônica durante o governo Temer.

“Uma das soluções que vinham sendo utilizada era a utilização o próprio Fundo Amazônia para financiar a fiscalização. O ministro tomou a iniciativa deliberada de paralisar o fundo. O governo se coloca em uma sinuca de bico propositadamente, porque não deseja que o combate ao desmatamento avance”, avalia a diretora do ISA.

3) Reserva legal e Código Florestal

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) apresentou Projeto de Lei que extingue as chamadas reservas legais – áreas que não podem ser desmatadas no interior de propriedades rurais. Segundo o parlamentar, a medida fere o direito de propriedade.

O governo, de outro lado, já apontou que retomará o conteúdo da Medida Provisórioa 867, que perdeu a validade. O texto, que beneficiaria apenas 4% dos produtores rurais do Brasil, altera o Código Florestal, estabelecendo, entre outras coisas, uma espécie de anistia que elimina o dever de recomposição de florestas desmatadas. Esse último ponto é considerado o mais grave pela Greenpeace na proposta retomada pelo Planalto.

“Ampliará a anistia já concedida, que dispensou na aprovação da lei a recuperação de 41 milhões de hectares em todo o país, área maior que a do Mato Grosso do Sul. Sob a falsa alegação de “aprimoramento” da regra, a anistia será ampliada para os grandes produtores rurais, dispensando-os de recuperar algo entre 5 e 6 milhões de hectares, ou duas vezes a área do de Sergipe”, diz texto da organização sobre a MP 867.

“A sinalização política que o presidente e o ministro dão é de estímulo à atuação dos grupos que se beneficiam do desmatamento ilegal. Pode-se não ter dinheiro, mas se sinalizar politicamente com o interesse de fazer algo mesmo com dificuldades. Não é o que estamos vendo: o governo não tem dinheiro, mas também não tem um discurso político de fortalecimento”, comenta Ramos.

4) Revisão de Unidades de Conservação

Salles já anunciou a intenção de revisar todas as Unidades de Conservação, desde o Parque Nacional de Itatiaia (de 1934) até o Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul (estabelecido em 2018). Ao todo, são 334 unidades. Segundo o ministro, elas foram criadas “sem critério técnico”.

5) Política climática

O governo Bolsonaro abriu mão de sediar a COP-25, maior encontro climático do mundo, que agora irá ocorrer no Chile, em novembro. Salles afirma constantemente que o tema “não é prioritário”. O ministro chegou a anunciar também a não realização Semana do Clima da América Latina e Caribe em Salvador (BA). Pela intervenção do prefeito da cidade, houve recuo no anúncio.

“A recusa do governo em receber a Semana do Clima demonstra ainda o negligenciamento do governo quanto a enfrentar de fato esse desafio”, criticou o Greenpeace em relação ao anúncio original.

Além disso, 95% das verbas para a área foram cortadas.

TCU de olho

O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma representação para apurar as políticas que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem adotado à frente da pasta. A averiguação será feita a pedido do subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado.

Furtado aponta no documento uma "possível ineficiência e deficiente fiscalização dos órgãos públicos" para a preservação do meio ambiente. O subprocurador pede apuração sobre três pontos: o trabalho do ministério no combate ao desmatamento, a liberação de agrotóxicos e a alegação da pasta de que há "inconsistência" em repasses ao Fundo Amazônia, instrumento de captação de doações estrangeiras para a proteção da floresta.

O processo foi aberto no dia 27 de maio com a finalidade de apurar "políticas públicas e programas de governo voltados para preservação do meio ambiente". A relatoria ficou com o ministro André de Carvalho, responsável por ações ligadas a meio ambiente e agricultura no TCU durante o biênio 2019/2020. A apuração ainda está em uma fase inicial, anterior à de coleta de informações.

Fundo Amazônia

O Ministério Público junto ao TCU quer "averiguar a procedência" das afirmações dadas pelo ministro Ricardo Salles, no mês passado, de que haveria indícios de irregularidades em cerca de 30% de 103 contratos do Fundo Amazônia analisados pelo ministério, de forma amostral, que foram firmados pelo fundo desde a sua criação, em 2008.

O Fundo Amazônia recebe doações, especialmente do exterior, para apoiar projetos de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta amazônica. Segundo o ministério, os aportes para o fundo foram de cerca de R$ 1,5 bilhão nesse período, sendo R$ 800 milhões para organizações não governamentais (ONGs).

A alegação de Salles, segundo anota o subprocurador, "confronta resultado" de uma auditoria feita pelo TCU em 2018, a pedido do Congresso. A investigação do tribunal apontou "satisfatória execução do programa", ou seja, não identificou os problemas apontados por Salles no Fundo. Para o procurador Furtado, as declarações do ministro podem prejudicar a entrada de recursos destinados à proteção da floresta amazônica.

Desmatamento

O TCU vai apurar também "possível declínio na efetividade da fiscalização contra o desmatamento" por parte do ministério. A preocupação de Furtado recai especialmente sobre a Amazônia Legal, área que abrange todos os estados da Região Norte, além do Mato Grosso e da maior parte do Maranhão.

No texto em que pede as apurações ao TCU, o subprocurador-geral Furtado cita dados que indicam aumento do desmatamento na gestão Salles. Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), uma ferramenta de monitoramento desenvolvida pelo instituto de pesquisa Imazon.

Este monitoramento aponta que o desmatamento na Amazônia Legal aumentou 24% entre agosto de 2018 e março de 2019 em relação ao mesmo período um ano antes (agosto/2017 a março/2018). A diferença de deflorestamento, segundo o levantamento citado no documento, foi de 342 km². Furtado vê "possível declínio na efetividade da fiscalização" contra o desmatamento na gestão Salles.

Agrotóxicos

Outro número que aumentou com Salles à frente do Meio Ambiente, segundo o MP junto ao TCU, foi o da liberação de agrotóxicos. As autorizações, segundo uma reportagem citada pelo subprocurador Furtado, houve 166 liberações de defensivos agrícolas nos primeiros quatro meses do ano, 42% a mais que o mesmo período do ano passado. Furtado pediu ao TCU que verifique o "cumprimento das exigências técnicas e legais que vêm ocorrendo" por parte do Ministério do Meio Ambiente.


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