18/04/2024 - Edição 540

Poder

Lula: PT não pode fazer com Bolsonaro o que Aécio fez com Dilma. Assista a íntegra

Publicado em 07/06/2019 12:00 -

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu nova entrevista, em seu cárcere, em Curitiba. Depois de obter autorização judicial no Supremo Tribunal Federal (STF), os entrevistadores da vez foram Joaquim de Carvalho, do Diário do Centro do Mundo, e Eleonora de Lucena, do site Tutaméia.

Lula afirma que, para evitar frustração, não nutre expectativa em deixar a prisão para o regime semiaberto, conforme manifestação favorável do Ministério Público Federal junto ao Superior Tribunal de Justiça. Prefere aguardar o trabalho de sua defesa, para quem Lula já teria o direito de responder ao processos dos quais é vítima em liberdade.

Ao avaliar a “desgraceira” do governo Bolsonaro, Lula pondera que isso não justifica um processo de impeachment por parte dos que perderam a eleição – apesar de classificar o processo como “viciado”. Segundo o ex-presidente. o PT não pode fazer com Bolsonaro o que Aécio fez com Dilma – referindo-se ao fato de o derrotado tentar inviabilizar o governo eleito e construir um processo de impedimento sem respeitar  o requisito constitucional para isso: a comprovação de um crime de responsabilidade.

Depois de cumprimentar a todos, Lula se ajeita na cadeira, coloca uma pasta sobre a mesa e diz: “Vocês perguntem o que vocês quiserem”.

Com paletó preto e blusa branca de gola rolê, Lula fala do frio em Curitiba. Brincaria mais tarde que estava elegante. Antes de começar, Lula coloca uma pastilha na boca, gesto que se repetiria ao longo das duas horas e cinco minutos de entrevista — ele teve câncer na garganta.

Uma das primeiras perguntas foi sobre o impeachment de Bolsonaro. Ele é contra, embora considere o governo dele um desastre.

“O governo é essa desgraceira que é, mas não adianta a gente ficar se lamentando. A gente tem que brigar, brigar no Congresso Nacional, brigar no movimento sindical, brigar nas universidades. O que estão fazendo nas universidades é simplesmente jogar fora tudo que nós construímos, tudo. E foi muita coisa que nós construímos”, afirmou.

Insisto: Não seria o caso de impeachment?

Lula diz que o PT não pode fazer com Bolsonaro o que Aécio fez com Dilma Rousseff. Se houver crime de responsabilidade, que se investigue e depois disso, aí sim, se proponha o impeachment.

O ex-presidente lembrou que Bolsonaro foi eleito pelas regras do jogo que o PT aceitou.

Mas o processo foi viciado, já que ele não pôde participar.

Ao responder, Lula compara a situação à de um jogo de futebol. Se um time entra em campo, quando termina a partida e o adversário vence, o resultado não pode ser contestado.

Lula afirmou que o PT deve transformar o programa apresentado por Fernando Haddad na campanha eleitoral em projetos de lei, para indicar caminho para a retomada do crescimento. Também defendeu o fortalecimento das campanhas de rua e o apoio à greve geral marcada para dia 14.

Perguntei a Lula: O senhor acha que agora, com esta manifestação do Ministério Público, o senhor vai sair daqui?

Explica-se: Em manifestação ao Superior Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral da República se disse favorável à progressão de regime para Lula, o que significa que ele poderia ir para o semi-aberto, em que trabalharia de dia, e passaria a noite em estabelecimento penal próprio.

No caso dele, por ter sido comandante supremo das Forças Armadas, não existiria esse estabelecimento adequado para o regime semi-aberto, e Lula poderia cumprir pena em casa.

O ex-presidente respondeu: “Eu não sei (se vou sair). Deixa eu contar uma coisa para vocês. Eu não gosto de alimentar expectativa. Não tem nada pior para um preso do que expectativa frustrada. Quando você está livre, você marca o encontro com uma namorada ou namorado, e ele não comparece, você fica fulo da vida, vai num bar, toma uma cachaça ou um uísque e você fica normal. Mas, quando você está preso e tem uma expectativa e ela não acontece…

Lula, de qualquer forma, não aceitaria usar tornozeleira eletrônica. De maneira incisiva, disse: “tornozeleira é para bandido ou pombo correio”.

Se não alimenta expectativa de deixar a prisão, já sabe o que fazer quando isso ocorrer: vai se casar.

A namorada é Rosângela Silva, a Janja, por quem ele usa aliança de compromisso na mão direita.

Lula também falou que não quer que ninguém sofra por estar com ele, e lembrou o sofrimento dos filhos, alvo de campanha de difamação na rede social.

Lula ainda falou dos estudantes, dos artistas, dos movimentos sociais, do Brasil, da imprensa e de seu maior compromisso, o compromisso com o povo brasileiro.

“A pessoa que eu escolhi tem que saber que eu não troco esse compromisso que eu tenho com o povo por nada, sobretudo esse povo que está aí (Vigília) há um ano e dois meses, todo santo dia, com frio ou com calor. Sinceramente, eu não mereço isso.”

Antes do término da entrevista, falou sobre o pacto entre os poderes da república, costurado por Bolsonaro. Sem citar nome, criticou o presidente do STF, Dias Toffoli.

“Quando você faz uma reunião e aparece o presidente da Suprema Corte e a informação que a gente recebe é pacto é por conta das reformas, não é crível, não é crível, como falariam alguns amigos porque, se alguém da sociedade brasileira quiser entrar com um recurso contra a reforma, vai entrar na Suprema Corte. E como é que pode? Um cara que é presidente vai se sentir impedido ou não? Ele vai poder votar ou não? Então, as pessoas precisam se preservar.”

A íntegra da entrevista concedida por Lula ao DCM e ao site Tutaméia será publicada na noite de hoje.

A entrevista foi realizada depois de quase um ano de luta nos tribunais travada pela advogada Tânia Mandarino, em nome do DCM. A certa altura, Lula falou da importância a mídia independente.

“É a minha fonte de informação”.

Viralatismo

“Esse país não pode ser governado batendo continência para o governo americano. Esse país não pode ser governado de quatro para os americanos. Esse governo está destruindo o país, envergonhando o país. A sociedade precisa readquirir o direito de se indignar”.

É o que afirma Lula.

“Temos motivos de sobra e bandeira para ir para a rua juntos, e coloco a questão da soberania como coisa muito forte. Defendendo a soberania, você está defendendo o seu país, o seu território, o seu povo e as suas riquezas. Mostrando para sociedade o que vai acontecer com o país se ele não for soberano”.

Voltou a defender sua inocência com veemência, apontando mentiras que povoam o processo contra eles e denunciando a ação de Moro, que define como “um serviçal dos interesses dos Estados Unidos”.

Sobre a ação dos EUA, afirmou: “Os Estados Unidos não gostaram quando nós fizemos o acordo com a França para a construção de submarino de propulsão nuclear. Não gostou quando eu demonstrei que tinha interesse em fazer a compra do caça dos franceses. E não deve ter gostado quando a Dilma comprou o dos suecos porque eles queriam vender o deles”.

Resumiu: “Aos Estados Unidos não interessa o Brasil forte, não interessa o Brasil protagonista, não interessa o Brasil liderando a América do Sul, não interessa o Brasil tendo influência na África, não interessa que a relação do Brasil com a China, muito respeitosa, com a Rússia, muito respeitosa, com a Índia. Não interessa.”

E ainda: “A história vai mostrar o significado da Lava Jato, o significado da retomada dos EUA de colocar a Quarta Frota no oceano Atlântico depois da Segunda Guerra Mundial. É porque nós descobrimos a mais portentosa reserva de petróleo do século 21 no limite da fronteira marítima brasileira, exatamente a 300 quilômetros da margem, que é equivalente a duzentas milhas marítimas”.

Por isso mesmo, reafirma que não faz acordos que possam impedir a continuidade de sua busca para demonstrar sua inocência. Sobre uso de tornozeleira como condição para mudança de seu regime prisional, afirmou: “Tornozeleira é para ladrão e para pombo correio. Eu não sou nem ladrão nem pombo correio. Vamos deixar claro isso. Não venha colocar tornozeleira num homem honesto, que eu não aceito”.

Nada de desespero

Ao analisar as manifestações de estudantes e a preparação para a greve geral de 14 de junho, afirmou: “A sociedade brasileira tem razões de sobra para brigar com o governo Bolsonaro ou com qualquer outro governo que estivesse fazendo o que ele está fazendo”.

Fico imaginando o estrago que essa gente está fazendo para o país e para o futuro do país, com a tentativa de vender tudo. A ponto de o ministro da Fazenda, brincando ou não, ir aos EUA dizer que gostaria de vender até o Palácio da Alvorada, o Planalto, que o Banco do Brasil fosse administrado por um banco americano. Não é nem mais complexo de vira-lata, é viralatice pura, pedigree de vira-lata”.

A questão da soberania, na análise de Lula, é central neste momento e deve unificar a oposição: “A coisa mais interessante nesse momento –tem a briga pelo salário, pelo emprego, pela manutenção de uma previdência justa para as pessoas– é a questão da soberania nacional. Vamos compreender soberania nacional não só como os limites das nossas fronteiras. A parte principal dentro de um país soberano é o seu povo, a sua qualidade de vida, de comida, de educação, pesquisa, biodiversidade, riquezas minerais, empresas púbicas. Temos que pensar que país queremos para amanhã e depois de amanhã. E o Bolsonaro não em o direito de destruir o que essa nação construiu com tanto jeito”.

Lula lembra da metáfora do desempregado que vai vendendo tudo o que tem em casa para sobreviver. “E vende até a alma ao diabo. É o que estamos fazendo ao país. A vergonha que estamos passando lá fora, batendo continência para a bandeira de outro país”, declara.


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