25/04/2024 - Edição 540

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Por que o país não cresce? Entenda como a engrenagem do PIB parou

Publicado em 31/05/2019 12:00 -

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Depois de dois anos seguidos em expansão, a economia brasileira voltou a ficar no terreno negativo no primeiro trimestre. O IBGE informou nesta quinta-feira que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) recuou 0,2% entre janeiro e março.

A queda do PIB, depois de um período de fraco crescimento — a economia cresceu só 1,1% em 2017 e repetiu essa baixa expansão em 2018 — já leva alguns economistas a avaliarem que o país vive um quadro contínuo de estagnação e outros a não descartarem o risco de o Brasil cair numa depressão .

Indicador síntese da atividade econômica, o PIB reflete a falta de ânimo de consumidores e empresários e a crise fiscal do governo. Entenda, abaixo, como a engrenagem da economia brasileira parou.

Consumidor

Sérgia Monteiro, de 49 anos, perdeu o emprego como secretária em 2015 e desde então mantém a casa com o dinheiro das encomendas de doces que faz e o salário do filho mais velho, que trabalha com inspeção veicular.

Do ano passado para cá, porém, viu a clientela cair por conta da crise. E precisou cortar despesas e adaptar as compras de mercado para não fechar o mês no vermelho:

— Cheguei a pedir dinheiro emprestado para conseguir pagar as contas. Tive que cancelar o telefone residencial e mudar o pacote da TV a cabo para um mais básico. No mercado, só compro as marcas mais baratas ou que estão em promoção — explica a moradora de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio.

No Brasil, a economia é muito dependente do consumo das famílias. Os gastos de 210 milhões brasileiros respondem por mais de dois terços do PIB, com um peso de 64% na geração de renda do país. Ou seja, quando as famílias têm que cortar suas despesas, é muito difícil o país crescer.

No primeiro trimestre de 2019, os gastos das famílias ficaram estagnados, com alta de só 0,3%.

Com mais de 13 milhões de brasileiros desempregados e 62,3 milhões de consumidores com contas em atraso, as famílias estão sem fôlego para consumir . Mesmo quem está empregado e sem dívidas é afetado pelo clima econômico ruim e se mantém cauteloso nos gastos.

O quadro de desemprego só não é pior porque há muitos brasileiros na informalidade. Mas, sem renda fixa, este trabalhador tende a consumir menos. O vendedor ambulante Anísio Santana, de 33 anos, pai de dois filhos, vende água e cerveja no trem "de meio-dia até a hora que dá".

— Minha esperança é voltar a estudar um dia para ver se consigo um emprego de carteira assinada — conta.

O índice de confiança dos consumidores brasileiros, que chegou a subir entre outubro de 2018, logo após as eleições, e janeiro deste ano, em meio a uma expectativa de melhora na economia, voltou a cair em fevereiro e há três meses está em queda. 

Comércio

Com os consumidores apertando os cintos, as lojas vendem menos. O comércio viu sua atividade recuar 0,1% no primeiro trimestre.

Na loja de bijuterias Biju Prime, no Centro do Rio, o movimento está bem fraco, segundo Claudio Vaz, gerente do local.

— Desde de 2016, é só ladeira abaixo. Todos os anos as despesas aumentam, por conta dos reajustes, mas as vendas caíram 50%.

Vaz conta que precisou demitir funcionários e tentar reduzir a conta de luz, economizando no ar-condicionado da loja, que fica no centro de comércio popular Saara.

— Não sei onde está o crescimento, até agora estou esperando a melhora no comércio — diz ele.

No ano passado, o varejo teve um alívio e chegou a abrir 11 mil lojas pelo país — número pequeno se comparado a um total de 220 mil pontos de venda fechados entre 2014 e 2017.

Mas, este ano, segundo levantamento da confederação do setor, os empresários do comércio voltaram a sofrer com a crise e, de janeiro a março, 39 lojas encerraram suas atividades.

O setor de serviços, que além do comércio engloba atividades como educação, saúde e transportes, tem peso de 73% no PIB e só consegue crescer quando aumenta o consumo dos brasileiros.

Indústria

Se o consumidor não gasta e o comércio não vende, a indústria não produz. O setor industrial foi o mais afetado pela crise e, após crescer só 0,6% em 2018, sofreu uma queda de 0,7% no primeiro trimestre deste ano.

À frente da fábrica Plastlab, que construiu há 28 anos em Madureira, na Zona Norte do Rio, o empresário Marcelo Oazen já chegou a fabricar 130 toneladas por mês de plásticos variados. Hoje, sua produção é de 40 toneladas mensais. Os plásticos e derivados são vendidos para hospitais, companhias aéreas e comércio em geral.

No auge, ele chegou a empregar 82 trabalhadores, mas demitiu 22 funcionários.

— Há oito anos, no pico de produção, produzíamos muito para multinacionais que acabaram saindo do país.

A indústria muitas vezes avança puxada pelas exportações, porque não depende só da demanda dos brasileiros para produzir mais. Porém, com a crise na Argentina (principal mercado para as exportações industriais do Brasil) e a guerra comercial, o cenário externo também não está favorável.

A Plastlab, de Madureira, fornecia para multinacionais instaladas no Brasil e que deixaram o país na crise. Este ano, Oazen acredita em alguma recuperação do setor, porque conseguiu novos clientes e, por isso, contratou dois funcionários.

Além da indústria de transformação, tem grande peso no Brasil o setor extrativo, principalmente petróleo e minério de ferro.

Mas a produção de petróleo tem crescido a passos lentos. E a extração de minério de ferro deve ser menor do que o previsto este ano com a suspensão das atividades em várias minas da Vale, após a tragédia de Brumadinho.

Com peso cada vez menor no PIB brasileiro, a indústria hoje responde por 21% da geração de riquezas no país, mas é considerada uma atividade chave para a geração de empregos de melhor qualidade e para impulsionar outras atividades, como os serviços.

A falta de perspectiva de que a economia vá reagir impede que os empresários elevem sua produção ou façam novos investimentos para ampliar sua capacidade produtiva. Depois de atingir 99 pontos em fevereiro, a confiança da indústria voltou a cair em maio para o patamar de 97 pontos. Índices abaixo de 100 são considerados pessimismo. 

Muitos executivos afirmam que apenas após a aprovação de uma agenda de reformas, como a da Previdência e tributária, a confiança da indústria será restaurada.  

Governo

Com os brasileiros gastando menos, o comércio reduzindo as vendas e a indústria pisando no freio, a arrecadação de impostos pelo governo não avança. Em abril, descontando os royalties de petróleo, a arrecadação de tributos federais recuou 0,34%.

E este é apenas um dos problemas fiscais do país, que deve caminhar para ter o sexto déficit consecutivo nas contas públicas este ano.

A previsão é que o rombo em 2019 fique em R$ 132 bilhões e o resultado permaneça no vermelho pelo menos até 2022. Especialistas afirmam que, sem a reforma da Previdência, o quadro levará a um colapso da máquina pública, com o governo ficando sem dinheiro para as despesas mais básicas.

O governo já reduziu drasticamente os investimentos públicos nos últimos anos. Em 2018, foram investidos apenas R$ 27,88 bilhões, ou 0,4% do PIB, o menor patamar em dez anos. 

Construção Civil

O corte nos gastos do governo e a redução nas despesas das famílias afetam em cheio a construção civil. O setor, importante empregador de mão de obra, recuou 2% no primeiro trimestre é um termômetro importante dos investimentos.

Economistas afirmam que é fundamental ampliar os investimentos, que são as despesas feitas para ampliar a capacidade de produção do país no futuro, para garantir um crescimento sustentável da economia. No primeiro trimestre, os investimentos caíram 1,7%.

A construção civil reflete tanto os aportes do governo em obras públicas, como os feitos por indústrias na instalação de novas fábricas ou ampliação de unidades existentes. E também o que é gasto pelas famílias na compra de novas moradias, cifra que é considerada investimento, e não consumo, nas estatísticas do PIB.

Para contornar a crise no setor, a construtora paulistana de alto padrão Vitacon precisou requalificar seus empreendimentos para evitar adiamento de obras ou cancelamento de projetos. 

— Optamos por produtos com valores unitários mais baratos. Para isso, investimos em metragens menores ou em metros quadrados mais em conta, para atrair o maior número possível de pessoas — explica o presidente executivo da companhia, Alexandre Lafer Frankel.

Em 2018, o setor de construção teve o pior desempenho do PIB, com queda de 2,5%. A taxa de investimento do Brasil está em 15,5%, perto de suas mínimas históricas. 

Agropecuária

Setor que vem mantendo um bom desempenho, a agropecuária reage muito mais a fatores externos, como maior demanda de alimentos da China , e a condições naturais, como a competitividade elevada do Brasil no segmento e o clima particularmente favorável em alguns dos últimos anos.

Em 2019, a agropecuária tende a apresentar bons resultados novamente. Segundo a mais recente previsão de safra agrícola do IBGE, o Brasil deve produzir 230 milhões de toneladas de grãos este ano, o segundo melhor resultado da série histórica.

Com peso muito pequeno no PIB, de apenas 5%, a agropecuária, quando vai bem não consegue puxar outros setores da economia.  (Colaboraram: Bárbara Nóbrega e David Barbosa, estagiário, sob supervisão de Luciana Rodrigues)

Análise

Nas pegadas de um final de semana em que o Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro ameaçou fechar as portas —"Pego o avião e vou morar lá fora", disse Paulo Guedes—, o IBGE informou que o PIB do primeiro trimestre de 2019 foi medíocre: queda de 0,2%. É o prenúncio de um mal maior: o excesso de veneno na política intoxica a economia, comprometendo o crescimento do país pelo terceiro ano consecutivo.

A recuperação da economia está, por assim dizer, pendurada numa palavra: Confiança. Algo que os governos não conseguem inspirar. Após a ruinosa gestão de Dilma Rousseff, o impeachment e a pauta liberal de Michel Temer animaram a conjuntura. Súbito, o grampo do Jaburu carbonizou as expectativas. Em vez de salvar a Previdência e sanear as contas públicas, Temer priorizou o salvamento do próprio pescoço.

A eleição de Jair Bolsonaro, com Paulo Guedes a tiracolo, reacendeu o otimismo do mercado. A ilusão durou pouco. Em cinco meses de mandato, descobriu-se que a única coisa que cresce no Brasil é a capacidade do capitão de produzir crises contra si mesmo. Já seria o suficiente para potencializar o pessimismo. Nem precisava do auxílio externo proporcionado pelos ruídos da guerra comercial entre China e Estados Unidos.

Continua na ribalta ela, a reforma da Previdência. Até o asfalto já roncou pelo ajuste previdenciário —coisa inédita no mundo. Mas a ficha dos atores políticos demora a cair. Com sorte, Bolsonaro se autoimpõe uma abstinência de redes sociais. E a coisa se resolve até setembro. Com azar, novas polêmicas esticarão a corda até as vésperas do Natal, empurrando o pessimismo e a retração dos investimentos para dentro de 2020.

O brasileiro deve ser um dos sujeitos mais bombardeados por notícias econômicas do mundo. Aqui, a economia tem mais espaço no noticiário do que o futebol. Quanto mais a economia não dá certo, mais manchetes ela ocupa. Quanto mais o cidadão acompanha as novidades, mais percebe que entende apenas o suficiente para saber que precisa entender muito mais para descobrir o que leva um país com 13 milhões de desempregados a desperdiçar tanta energia com desavenças políticas.


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