25/04/2024 - Edição 540

Poder

Protestos lembram que Bolsonaro ainda não indicou um ministro da Educação

Publicado em 31/05/2019 12:00 -

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Os atos em defesa da educação pública no país e contra a reforma da Previdência do governo Bolsonaro superaram as expectativas dos organizadores, segundo a União Nacional dos Estudantes (UNE). Em São Paulo, foi estimada a participação de 300 mil pessoas. Muitas chegaram no começo da manifestação por volta de 17h no Largo da Batata, bairro de Pinheiros, zona oeste da capital. Outras foram se incorporando ao longo dos mais de 4 quilômetros percorridos até a dispersão, por volta de 21h, na Avenida Paulista.

Belo Horizonte reuniu 200 mil manifestantes. Rio de Janeiro e Recife, pelo menos 100 mil pessoas cada uma. A mobilização no Distrito Federal atraiu cerca de 20 mil pessoas. Em Salvador foram 70 mil pessoas, 40 mil em Belém, outras 30 mil em São Luís. Pelas contas dos organizadores em torno de 1,8 milhão de pessoas foram às ruas de 190 cidades do Brasil – dos 26 estados e do Distrito Federal –, além de outras 10 do exterior.

“Brincaram com o formigueiro, deu nisso!”, afirmou nas redes sociais o cientista Miguel Nicolelis. Já na Avenida Paulista, a presidenta da UNE, Marianna Dias, registrou: “O dia 30 de maio entra pra história do nosso país. Quando estudantes, professores, trabalhadores, pais, o povo brasileiro voltou às ruas num grande tsunami. Para quem não acreditava, nós estamos aqui. Nós somos milhões. Nós somos rebeldes. Nós somos questionadores”.

Marianna admitiu a superação das expectativas em relação ao alcance das manifestações, e assimilou a energia e vibração que vinha do asfalto, tomado por jovens, “organizados” ou “autônomos”. O trocadilho impresso na faixa gigantesca que acompanhou a passeata, “O Brasil se UNE pela educação”, traduzia uma realidade. “Se eles querem proibir, inibir a nossa voz e a nossa manifestação, eles vão falhar. Porque o povo que saiu de casa, não volta mais pra casa, se a educação do nosso país não for respeitada. Nós queremos escola, nós queremos educação e nós vamos construir a maior greve geral (marcada para 14 de junho), ao lado dos trabalhadores, da história deste país. E eu desafio o governo Bolsonaro a dizer ao povo brasileiro porque que eles não gostam da educação”, bradou a presidenta da UNE.

“A universidade é o lugar da transformação, da liberdade, da democracia. Eles têm ódio disso. Por isso nós os derrotaremos gritando, fazendo balbúrdia, fazendo esse país se tornar um caos. Porque Bolsonaro não governa enquanto os cortes não forem revertidos. Essa é a promessa do povo que está indo pras ruas do Brasil. Bolsonaro, você não vai ter paz e nós não temos medo de você.”

Independentemente dos números da mobilização, uma nota divulgada pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, na tarde desta quinta, atestava que o governo está – além de desorientado – incomodado. O ministro sustenta que professores, servidores, estudantes e pais ou responsáveis “não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar”. O ministro também espera que sejam feitas denúncias por meio do site da Ouvidoria do ministério. Pelo que se viu nas ruas de todo o Brasil, o ministro está falando para as paredes.

Weintraub

O ministro Abraham Weintraub foi largamente lembrado por estudantes, professores e movimentos sociais na segunda rodada de manifestações em defesa da Educação. Em São Paulo, na marcha com dezenas de milhares de pessoas, que partiu do Largo da Batata em direção à avenida Paulista, ele só perdia em críticas para o onipresente Jair Bolsonaro.

Não apenas por conta dos cortes no orçamento, que afetam o custeio das universidades e institutos federais e das bolsas de pesquisa. Mas também pela forma como fez isso, sem abrir um diálogo prévio, acusando as instituições responsáveis pela produção do conhecimento científico nacional de serem antros de "balbúrdia".

Aliás, preocupado com o risco de "envenenamento da democracia" causado pelos ataques do ministro a estudantes e professores, o Ministério Público Federal ajuizou contra ele uma ação civil pública pedindo R$ 5 milhões.

Bolsonaro jogou gasolina no incêndio deflagrado por Weintraub, primeiro chamando os estudantes de "idiotas úteis", depois alternando para "inocentes úteis". O que, em ambos os casos, significa a mesma coisa: que ele os vê como "imbecis" manipuláveis sem vontade própria.

Desde então, o ministro tem se dedicado a provocar. Seja acusando os professores de coagirem alunos a irem aos atos em defesa da educação, seja usando a estrutura do Ministério da Educação para espalhar absurdos. Como uma nota, na tarde desta quinta, em que diz que professores, servidores, funcionários, alunos e até pais e responsáveis "não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar".

A orientação é tão própria de regimes autoritários que Bolsonaro deveria produzir camisetas estampadas com ela e vender para os líderes da Coreia do Norte, da Hungria, da Venezuela, das Filipinas. Poderia ajudar a aumentar o PIB, que caiu no primeiro trimestre deste ano.

Além disso, o governo de um presidente, que tanto defende que pais tenham liberdade para ensinarem o que quiserem a seus filhos e filhas, solta uma nota de caráter intervencionista, orientando que denúncias sejam feitas ao MEC caso pais incentivem os filhos a irem a manifestações.

Isso lembra outra nota emitida pela gestão de seu antecessor, Ricardo Vélez Rodríguez, que pedia para as escolas filmarem alunos cantando o hino nacional e ouvindo o slogan de campanha eleitoral de Bolsonaro e enviarem as imagens ao ministério. E o melhor: sem pedir autorização aos pais. Em ambos os casos, o governo age como se dissesse "seus filhos nos pertencem".

Bolsonaro optou por não indicar um ministro da Educação quando montou seu ministério, mas um general para travar uma "guerra cultural", cujos inimigos são todos aqueles que atuam na produção de conhecimento na sociedade, como intelectuais, acadêmicos, professores, pesquisadores, cientistas. São esses "entraves" que estariam entre ele e a redefinição dos valores simbólicos que norteiam nossa sociedade para algo mais à sua imagem e semelhança.

Os estudantes presentes neste ato de São Paulo perceberam isso. No teor de suas faixas, cartazes e palavras de ordem está a defesa de uma educação libertadora, que forme para a cidadania, com espírito crítico, sem perseguição a professores e alunos. Entre os estudantes, há a consciência de que fazem parte de uma resistência ao obscurantismo.

Enquanto isso, muitos são os que reclamam, nas redes sociais, do comportamento dos mais jovens. Gostaria de entender a cabeça de quem passa a vida inteira reclamando que eles fogem da escola e não dão a devida importância à educação e, agora, chama de "baderneiros" quem vai às ruas pedindo uma educação melhor. A questão é, no fundo, a produção de pessoas questionadoras de sua realidade. Querem que a geração mais nova os obedeça.

O Brasil conta com alunos que saem do ensino médio analfabetos funcionais, assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar, paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente. Ao invés de pedir para o ministro da Educação concentre seus esforços em resolver estes problemas, passo importante para ganharmos produtividade através da qualificação de nossa mão de obra, Bolsonaro dedicou uma quantidade grande de tempo às guerras culturais, suas golden showers, kit gays e mamadeiras de piroca.

Passou da hora do presidente parar de usar a educação como campo de batalha. O primeiro passo seria indicar, pela primeira vez, alguém para ocupar aquela cadeira vazia no ministério.

Delírio totalitário e perseguição

O ministro da Educação decidiu aplicar a lógica da intimidação para reagir aos protestos contra a política do governo para o setor. Abraham Weintraub pediu que a população denuncie quem incentivar manifestações e ameaçou demitir professores que anunciarem esses atos.

Além de inócuo, o pedido mostrou o delírio totalitário de governantes que gostariam de ter controle até sobre as famílias dos estudantes.

Weintraub tenta se desviar das agruras do cargo ao se vender como vítima de um complô partidário. O segundo protesto contra sua gestão tinha, de fato, a participação de organizações como a UNE e a CUT. Havia faixas contra Jair Bolsonaro, e políticos de esquerda estiveram em alguns dos atos, mas o ministro deveria saber que os choques políticos fazem parte da democracia.

O próprio Weintraub admite que seu objetivo é constranger os servidores. Ao receber o vídeo de um professor que, exaltado, dizia a alunos que eles deveriam defender a educação pública, o ministro sugeriu abrir um processo para exonerá-lo. Ele lamentou que o sistema fosse demorado, mas acrescentou que a ação assustaria “essa turma de ‘corajosos’ que usa crianças e menores de idade como bucha de canhão”.

O ministro ainda reclamou dos gritos do manifestante na gravação: “Inacreditável a forma de comunicação”. Weintraub já mostrou que prefere patetices como o vídeo em que segura um guarda-chuva para dizer que “está chovendo fake news”.

O governo insiste na visão de que os manifestantes são “idiotas úteis” e só saíram às ruas porque foram manipulados por professores. Weintraub, em especial, aposta numa guerra constante contra a doutrinação ideológica. Aparentemente, ele não tem nenhuma outra resposta a oferecer para melhorar a educação.

Animador

Para o movimento estudantil brasileiro, a chegada de Weintraub ao Ministério da Educação foi revigorante. O afilhado do polemista Olavo de Carvalho conseguiu o impensável. Além de devolver a rapaziada às ruas, ressuscitou uma entidade moribunda: a União Nacional dos Estudantes. Sempre que alça a fronte, limpa o pigarro, enche o peito como uma segunda barriga e solta a voz, Weintraub oferece matéria-prima para manifestações estudantis anti-Bolsonaro.

Ao referir-se aos alunos como seres incapazes de raciocinar por conta própria, o ministro ecoou a pecha de "idiotas úteis" que Bolsonaro grudara nos manifestantes do dia 15. Suas palavras potencializaram os protestos desta quinta-feira. Foram menores do que aqueles de duas semanas atrás. Ficaram aquém do anti-protesto pró-Bolsonaro do domingo passado. Entretanto, graças ao estímulo de Weintraub, não foram manifestações negligenciáveis. Encheram as manchetes e a tela do televisor que despejou realidade sobre o tapete da sala de estar minutos antes do início da novela.

Como que decidido a converter os protestos de estudantes num moto-contínuo, Weintraub forneceu material para uma terceira incursão da rapaziada ao asfalto. Mandou divulgar uma nota oficial. Nela, o MEC diz ter recebido 41 reclamações de coação a estudantes. Realça que nenhuma escola pode incentivar movimentos político-partidários.

O texto do MEC contém algo parecido com uma censura prévia. Esclarece que professores, servidores das escolas, alunos e até os seus pais não estão autorizados a divulgar e estimular os protestos durante o horário escolar.

O MEC estimulou a deduragem: "Caso a população identifique a promoção de eventos desse cunho, basta fazer a denúncia pela ouvidoria do MEC." Faltou dizer onde estão as 41 reclamações que supostamente já chegaram ao ministério.

Levadas ao pé da letra, as regras de Weintraub deixariam mal o presidente da República. Se professor desafia a lei ao atiçar protestos, que dirá o chefe da nação. Bolsonaro andou despejando nas redes sociais posts de estímulo à participação no protesto de cinco dias atrás, a favor do seu governo. No limite, o próprio Weintraub deveria sofrer descontos no contracheque por desperdiçar nacos do seu horário de trabalho como fornecedor de material para protestos de estudantes.

Bolsonaro ainda não se deu conta. Mas Weintraub vai se revelando aos pouquinhos uma espécie de cavalo de madeira em cuja barriga Olavo de Carvalho transportou para dentro do Ministério da Educação um presente de grego: a ideologização de um setor que deveria ser técnico. Se a cilada não for desmontada, o Brasil acaba virando uma Troia hipertrofiada.


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