29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Verificamos cinco fatos sobre a cobrança de mensalidade em universidades públicas

Publicado em 30/05/2019 12:00 -

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Com opiniões favoráveis do PSL ao PT, a cobrança em universidades públicas voltou ao debate político na semana passada depois que o governo federal anunciou um contingenciamento das verbas da Educação.

Em entrevista ao jornal O Globo, o deputado e presidente nacional do PSL, Luciano Bivar (PE), disse que seu partido estuda apresentar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para permitir a prática, hoje vetada pela Constituição. Já o governador da Bahia, Rui Costa (PT), defendeu que a medida não pode ser "um tabu" e que as universidades devem buscar novas fontes de renda.

A cobrança nas universidades foi rechaçada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Segundo a GloboNews, ele disse, em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, que a medida levaria os estudantes mais ricos a fazerem faculdade no exterior.

Explicamos, abaixo, cinco pontos fundamentais sobre o tema.

1. A Constituição proíbe a cobrança no Brasil

O ensino (fundamental, médio e superior) é gratuito em estabelecimentos oficiais, como garante o artigo 206 da Constituição Federal. Isso inclui cursos de graduação, mestrado e doutorado em universidades municipais, estaduais e federais e institutos tecnológicos.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, houve oito propostas de emendas para permitir algum tipo de cobrança nas universidades. Todas foram rejeitadas ou arquivadas.

Em 2017, decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) passou a permitir que as universidades públicas cobrassem por cursos de especialização lato sensu.

2. Maioria dos países ricos cobra pelo acesso ao ensino superior

Dos 29 países analisados em um estudo de 2018 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em nove as universidades são totalmente gratuitas na graduação e, em quatro, as taxas anuais são menores que US$ 1.000 (R$ 4.046). As outras 16 nações cobram de US$ 1.462 (Portugal) a US$ 11.796 (Inglaterra).

França e Alemanha, que não estão no levantamento do órgão, também cobram taxas, mas simbólicas, de administração. Os alemães introduziram anuidades em 2006, mas aboliram as cobranças em todos os seus estados em 2014. A questão ainda gera controvérsias: em 2016, uma pesquisa de opinião nacional apontou que 46% dos alemães se opunha à gratuidade, enquanto 43% a apoiava.

Na China, que não faz parte da OCDE, mas é o segundo país que mais produz artigos científicos, as universidades cobram, em média, de US$1.670 (R$ 6.750) a US$ 3.000 (R$ 12.270) por ano, segundo a Time Higher Education.

3. Universidades públicas brasileiras estão menos desiguais do que antes

Um argumento comum entre os que defendem a introdução de cobrança nas universidades é que ela acabaria com uma injustiça social: enquanto o custo do ensino é dividido por todos, inclusive pelos pobres, só quem seria diretamente beneficiado pelo ensino gratuito seriam os mais ricos, que, com acesso à melhor educação básica, têm mais chances nos vestibulares.

É o que argumentam os técnicos do Banco Mundial que fizeram o estudo "Um Ajuste Justo", encomendado pelo governo brasileiro, ao recomendar a cobrança nas universidades, e políticos como o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), para quem “o sistema educacional brasileiro público superior é uma verdadeira máquina de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos".

Embora instituições públicas de ensino sejam historicamente elitizadas no país, políticas compensatórias, como a Lei de Cotas, parecem estar funcionando para amenizar essa distorção, como mostra a Sínteses dos Indicadores Sociais, do IBGE.

Segundo o órgão, o percentual de alunos que frequentavam o bacharelado presencial nas instituições públicas por meio de reserva de vagas quadruplicou de 2009 a 2016, de 5,6% para 22,7% (de 45.676 para 270.648 matrículas).

4. Contribuições de alunos são fonte importante de receita fora do Brasil

Outro ponto de discussão é se a introdução de cobrança nas universidades poderia melhorar a situação fiscal das universidades, que entraram em crise junto com a economia do país e ainda estão ameaçadas por cortes do governo federal.

Defensores da medida apontam que o governo não pode investir mais dinheiro no ensino superior, que, comparativamente, recebe hoje mais dinheiro que os ensinos médio e fundamental.

No ensino superior, o Brasil gasta US$ 10.552 por aluno, 95% da média da OCDE, que é de US$ 11.056 (95%). Já no ensino fundamental, o país gasta US$ 3.799, apenas 43% dos US$ 8.733 que investem governos do grupo. E, no ensino médio, é ainda pior: US$ 3.837 por aluno são gastos no Brasil, 38% dos US$ 10.106 da OCDE.

Já quem é contra as cobranças afirma que a medida teria um impacto orçamentário baixo. À Folha de S.Paulo, o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, cita como exemplo o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que cobra até US$ 50 mil (R$ 201 mil) por ano dos alunos, mas que arrecada com as cobranças apenas 10% de seu orçamento. O argumento foi repetido pelo reitor da USP, Vahan Agopyan, ao Estado de S. Paulo.

De fato, em 2018, o MIT arrecadou US$ 353,7 milhões (R$ 1,4 bilhões) com anuidades pagas pelos alunos, 10% do total das suas receitas, mesma proporção de Yale (10%), por exemplo. Mas em outras universidades de elite essa fonte de receita têm mais importância, casos de Cornell (17%) e Harvard (21%).

A rede pública americana também tem uma dependência maior das anuidades – um levantamento da consultoria Pew, com dados de 2013, mostrou que 21% do dinheiro dessas universidades vêm das contribuições de alunos.

Também é importante ponderar que universidades privadas americanas têm um modelo de financiamento bem diferente do brasileiro. Além de ganharem dinheiro vendendo serviços, muitas têm fundos de investimentos bilionários de onde sai a maior parte de seus recursos. O MIT, por exemplo, tem um "endowment", como são chamados esses fundos, de US$ 16,4 bilhões (R$ 66 bilhões).

No Reino Unido, a contribuição dos alunos também é uma fonte de renda significativa para as universidades. Da arrecadação de 33 bilhões de libras que as 164 universidades britânicas tiveram no ano letivo 2014-2015, 8,5 bilhões de libras (25%) vieram de anuidades de estudantes.

Quase não há estimativas públicas do potencial arrecadatório que a medida teria no Brasil. Agopyan, da USP, estimou que eventuais cobranças não chegariam a 8% do orçamento da universidade paulista. À BBC, o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Paulo Meyer Nascimento disse que a arrecadação em universidades federais poderia gerar, em 10 anos, um total de R$ 5 bilhões a R$ 9 bilhões.

No Orçamento de 2019, o governo prevê um gasto total de R$ 35,5 bilhões para as todas as instituições federais de ensino superior.

5. Na Inglaterra, a cobrança aumentou investimentos e a equidade na educação; nos EUA, gera problemas sociais e econômicos

A experiência internacional mostra que o impacto da cobrança depende do sistema de apoio financeiro oferecido ao aluno.

A Inglaterra passou de um sistema de ensino superior público gratuito, até 1997, para o mais caro dentre os países da OCDE. Nesse mesmo período, o país expandiu o acesso à universidade, aumentou a proporção de estudantes de baixa renda nas instituições e multiplicou o investimento por aluno, segundo estudo da University College London (UCL).

A explicação é que, ao mesmo tempo que introduziu a cobrança, o governo criou um amplo esquema de financiamento para universitários e ampliou a ajuda a estudantes mais pobres. Todo cidadão europeu que entra em uma universidade inglesa em período integral tem direito a uma linha de crédito que cobre não só a anuidade da universidade, mas também parte dos custos de vida durante a graduação.

Diferente de empréstimos tradicionais, que têm um calendário fixo de pagamento, a cobrança do crédito estudantil inglês só começa depois da formatura e é baseado na renda do devedor. Enquanto ele ganhar até 1.577 libras (R$ 8 mil) por mês, não paga nada. Se receber mais, recolhe todo mês 9% do que exceder esse patamar. Depois de 30 anos, a dívida é excluída, independentemente de quanto foi pago.

Ou seja, o aluno não paga nada quando entra na universidade e fica com um débito considerável, mas só começa a pagá-lo quando e se a formação resultar em bons salários. O esquema é similar ao de outros países, como Austrália e Nova Zelândia.

Já em países que cobram anuidades altas, mas têm um sistema de crédito menos generoso, como os EUA e o Chile, o endividamento estudantil pode ter consequências negativas.

Uma revisão de literatura sobre o assunto descobriu que um alto nível de dívida pode afetar a saúde mental dos formados, atrapalhar sua estabilidade financeira, reduzir a chance de compra de casa própria e desestimular o empreendedorismo.

Outros estudos apontam ainda que a perspectiva de se endividar para estudar desestimula a entrada na universidade em grupos avessos a tomar empréstimos.


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