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Ecologia

Fórmula E: em alta velocidade, os carros elétricos já dominam as pistas

Publicado em 28/05/2019 12:00 -

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Enquanto iates avaliados em algumas dezenas de milhões de dólares passeiam pelas águas azuis do Mediterrâneo, helicópteros sobrevoam a costa da Riviera Francesa em ritmo quase constante— quando um aterrissa, outro já está pronto para levantar voo. Em terra, carros que são presença rara nos salões internacionais de automóveis enfrentam o engarrafamento nos arredores do Cassino de Monte Carlo: um desfile involuntário com Ferraris, Porsches e Lamborghinis. Nos eventos promovidos pelas montadoras, o champanhe borbulha nas taças de celebridades como Natalie Dormer (a Margaery Tyrell, de Game of Thrones) e Luke Evans (de O Hobbit). 

Definitivamente, correr pelas ruas do Principado de Mônaco não é apenas mais uma etapa do calendário, mas um evento singular do automobilismo. E em 2019, tal acontecimento vem em dose dupla: duas semanas antes da Fórmula 1 realizar a tradicional corrida, os carros elétricos da Fórmula E também tiveram o desafio de percorrer em alta velocidade as (estreitas) avenidas e as curvas acentuadas que fazem parte do circuito de rua. 

Para os brasileiros, a prova disputada no dia 11 de maio contou com um gostinho especial: Felipe Massa, vice-campeão mundial da Fórmula 1 em 2008 pela Ferrari, conquistou o seu primeiro pódio na Fórmula E, chegando no terceiro lugar — Jean-Éric Vergne conquistou o lugar mais alto do pódio. Desde o ano passado, Massa corre pela equipe Venturi, que é sediada em Mônaco e chefiada por Susie Wolff, ex-pilota de testes da equipe Willians (da Fórmula 1).

"É necessário se adaptar ao carro, ao jeito de guiar, às pistas. Na classificação, você tem apenas uma volta para utilizar a potência máxima e fazer a volta perfeita. Essas ideias e os regulamentos da Fórmula E a tornam bastante competitiva e estou me divertindo bastante na categoria", afirma Massa. 

Com passagem pela Fórmula 1, Lucas di Grassi é o outro brasileiro que está na Fórmula E. Piloto da Audi Sport ABT Schaeffler, ele disputa a categoria dos carros elétricos desde o seu início, em 2014, e foi o grande campeão da temporada 2016-2017. Como empreendedor, Grassi aposta na eletricidade como solução de mobilidade para os próximos anos: ele é fundador da EDG, que desenvolveu uma bicicleta construída com nióbio e que é equipada com uma bateria elétrica. 

Mas não é apenas o piloto brasileiro que observa as possibilidades tecnológicas para além da Era do Petróleo. Na Fórmula E, já há maior variedade de montadoras do que na Fórmula 1 (atualmente, apenas Ferrari, Mercedes, Renault e Honda fabricam os motores da tradicional categoria). Ao lado de empresas já estabelecidas no mercado, como Audi, BMW, Nissan e Jaguar, montadoras como a chinesa NIO e a indiana Mahindra colocam seus carros elétricos na pista. Em um sinal dos tempos, a equipe chinesa DS Techeetah lidera a atual temporada da Fórmula E, com os pilotos Jean-Éric Vergne (da França) e André Lotterer (da Alemanha) — a fabricante do carro é a francesa DS, ligada à Citroën. 

O motivo para tamanho interesse em desenvolver carros elétricos não é mera sensibilidade ambientalista das empresas. Além de não emitir gases decorrentes da queima dos combustíveis, os automóveis movidos por eletricidade apresentam vantagens econômicas a longo prazo: um litro de gasolina em um veículo comum tem o mesmo rendimento de um kWh (quilowatt-hora), que custa cerca de R$ 0,30 de carga elétrica. E o mercado consumidor já começa a dar sinais de receptividade em relação à tecnologia: só em 2018, 1 milhão de carros elétrico foram vendidos na China — a expectativa é que até 2025, 7 milhões de unidades sejam vendidas anualmente no país asiático. 

E como a Fórmula 1 demonstrou nas últimas décadas, as competições automobilísticas são excelentes campos de testes para que as tecnologias empregadas nos carros de corrida sejam aplicadas nos automóveis que percorrem as cidades. Com um visual semelhante aos bólidos das principais competições automotivas internacionais, o aspecto que mais chama a atenção dos carros da Fórmula E acontece no momento em que eles deixam os boxes e vão para as pistas: mesmo rasgando uma reta na velocidade de 280 km/h, o máximo de barulho que se consegue ouvir é um zunido agudo. Mantendo uma distância média da largada, é impossível perceber qualquer tipo de perturbação sonora. 

Tudo isso por conta do funcionamento dos motores: como não existe a combustão gerada pela compressão de gases misturados com o combustível, a produção de força se dá pela passagem (silenciosa) da corrente elétrica. Um funcionamento bastante similar aos automóveis elétricos que circulam pelas ruas: como não há embreagem ou caixa de câmbio, basta pisar o pé no acelerador para sentir imediatamente a potência entregue pelo motor.  

Por sinal, a ausência de maiores ruídos dos carros (que pode fazer alguns fãs saudosistas da Fórmula 1 torcerem o nariz) não é apenas mera discussão esportiva. Algumas montadoras já estudam inserir artificialmente sons similares aos automóveis "tradicionais" para evitar acidentes: as autoridades afirmam que a passagem silenciosa dos carros pode ser perigosa para pedestres distraídos.

Nesta temporada, a Fórmula E passou pela principal mudança em sua tecnologia até então: nas primeiras edições, os pilotos precisavam trocar de carro ao longo da corrida para conseguirem completar a prova com energia suficiente armazenada nas baterias. Agora, esses "pit stops" já não são mais necessários: uma bateria é capaz de aguentar 45 minutos de corrida, mais uma volta no circuito. 

or sinal, as baterias elétricas são o grande desafio das montadoras para que esses carros conquistem o gosto dos consumidores e fiquem mais baratos. Com previsão de chegada no Brasil para outubro, o Chevrolet Bolt EV é um compacto com preço de sedã de luxo: quando foi apresentado no Salão do Automóvel de 2018, seu preço final foi estimado em R$ 175 mil. Com capacidade de chegar a 100 km/h em 6,5 segundos, o automóvel pode ser conectado a tomadas especiais para realizar o seu carregamento. De acordo com a montadora, uma hora conectado à tomada é capaz de proporcionar 40 quilômetros de autonomia — pontos de recarga especiais, entretanto, promovem uma carga de meia hora que fornece autonomia para 145 quilômetros.

Para tornarem-se verdadeiramente sustentáveis, as empresas também buscam soluções para o destino das baterias que deixarão de funcionar — não adianta reduzir as emissões de poluentes se elementos químicos como cobalto, lítio e nióbio sejam descartados sem cuidados na natureza. A Tesla, criada pelo bilionário sul-africano Elon Musk, afirmou que suas fábricas de produção de baterias também contarão com unidades de reciclagem dos equipamentos. 

"Precisamos desenvolver um planejamento integrado para as cidades inteligentes e sustentáveis no futuro, capazes de oferecer soluções de mobilidade para todos os usuários. Os governos devem criar ambientes capazes de oferecer uma infraestrutura mais robusta, utilizando tecnologias da informação e serviços digitais", disse Jean Todt, o presidente da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), em evento sediado em Mônaco durante o final de semana da etapa da Fórmula E — o encontro também contou com a presença de Alberto II, príncipe de Mônaco (com apenas 2 quilômetros quadrados, o país é uma monarquia constitucional). 

As Ferraris e Lamborghinis que desfilam pelas charmosas ruas do Principado que não se enganem: mais do que o vislumbre de um futuro sustentável, os carros elétricos já são uma realidade em todo o mundo.


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