25/04/2024 - Edição 540

Poder

Por que convocação de ato pró-Bolsonaro está rachando a direita

Publicado em 24/05/2019 12:00 -

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Nesta semana, a deputada Janaína Paschoal (PSL) foi xingada de "traidora" pelos mesmos militantes que estiveram ao seu lado defendendo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 – que resultou de um pedido coassinado por ela. Membros do Movimento Brasil Livre (MBL) foram chamados de "vendidos" e "comunistas" pelos mesmos bolsonaristas que antes compartilhavam os posts do grupo no Facebook. Comediante identificado com a direita, Danilo Gentili diz que está sendo perseguido por pessoas que até ontem defendiam seu direito à liberdade de expressão.

O motivo da discórdia são as manifestações pró-Bolsonaro marcadas em diversas cidades para o dia 26 de maio – e que setores da direita, como os nomes os citados acima, decidiram não apoiar.

Chamadas para os atos pró-governo dominaram grupos de WhatsApp simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias. Elas ganharam corpo depois que os protestos contra os cortes na educação levaram milhares de pessoas às ruas contra o governo, no dia 15. E aumentaram ainda mais após a carta compartilhada pelo presidente com críticas ao sistema de organização política do país e a afirmação de que o Brasil está "ingovernável fora dos conchavos".

Nas primeiras convocações, eram apresentadas bandeiras pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).

As manifestações marcadas para domingo (26), no entanto, levaram políticos e militantes a favor e contra os atos a trocar críticas publicamente.

Teve até briga no PSL, o partido de Bolsonaro: a deputada Carla Zambelli criticou publicamente a colega Joice Hasselmann por não fazer convocações na internet. Joice contra-atacou acusando Zambelli de nepotismo.

Dos 58 congressistas do PSL, pelo menos 20 fizeram convocações em suas redes sociais. Entre eles, o senador Major Olímpio e o deputado federal Coronel Tadeu, ambos de São Paulo. "Precisamos apoiar e demonstrar a força do nosso presidente. É nas ruas, é já", disse Major Olímpio em uma convocação em seu perfil.

Depois do racha, os organizadores tentaram abrandar a pauta, ressaltando temas como apoio à reforma da Previdência e ao pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro.

Bolsonaro, que havia cogitado comparecer, anunciou que não comparecerá.

Os filhos do presidente elogiaram o evento nas redes sociais. "Nada mais democrático do que uma manifestação ordeira que cobra dos representantes a mesma postura de seus representados", disse o deputado Eduardo Bolsonaro (SP-PSL).

Mas afinal o que fez parte da base de apoio ao presidente se descolar das manifestações?

Pauta autoritária e 'tiro no pé'

Os organizadores das manifestações – formados, segundo a Folha de S.Paulo, por grupos como Nas Ruas, Ativistas Independentes, Direita São Paulo e Patriotas Lobo Brasil – dizem que Bolsonaro estaria sendo vítima de uma conspiração que visa enfraquecê-lo. Mas os governistas que são contra os atos têm apontado para duas razões justificando sua posição.

A primeira é o tom de hostilidade ao Congresso, que seria equivocado em um momento em que o governo sofre um desgaste com o Legislativo. É a visão de líderes do PSL como o presidente do partido, Luciano Bivar, e Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso.

Joice considera as manifestações "um tiro no pé", segundo a Folha de S. Paulo, e Luciano Bivar disse na terça que "os atos não têm sentido".

Segundo analistas políticos, não é infundado o receio de que isso azede ainda mais a relação com o Legislativo e trave a pauta, dificultando a aprovação de projetos prioritários para o governo, como a Reforma da Previdência.

E uma relação ruim entre governo e Congresso poderia trazer consequências indesejadas segundo Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. "É fonte de incerteza e instabilidade política e a percepção de risco se eleva. Isso contribui para uma visão pessimista das previsões, queda do investimento e mais um ano de decepção para a economia brasileira, que já vive um panorama instável."

A segunda visão é a percepção de que a pauta é "majoritariamente autoritária".

"Movimento liberal não compactua nem com fechamento de Congresso, nem com fechamento de STF (Supremo Tribunal Federal)", disse à BBC News Brasil Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL – movimento que já defendeu a ocupação do Congresso Nacional durante o governo petista e fez atos contra exposições.

"Você pode e deve criticar atitudes de membros dessas instituições, mas nunca demonizá-las. Presidente que se diz conservador não pode atropelar instituição democrática", disse Kataguiri.

O MBL acabou se tornando um dos principais alvos de grupos que organizam e convocam atos de rua para domingo. Foram xingados de vendidos, traidores, acusados de compactuar com o chamado "centrão" e até chamados de "comunistas".

"(São) radicais mostrando o quanto estão cegos pelo adesismo. Como todo radicalismo, satura e passa. Conversamos com os sensatos e ignoramos os alucinados", diz Kataguiri sobre as críticas.

A deputada Janaína Paschoal, acusada de "traidora" por bolsonaristas mais fervorosos, chegou a fazer um apelo pedindo que os organizadores "raciocinem".

"Pelo amor de Deus, parem as convocações! Essas pessoas precisam de um choque de realidade. Não tem sentido quem está com o poder convocar manifestações! Raciocinem!", disse ela no Twitter.

"O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas, nos termos da Constituição Federal. Propositalmente, ele (Bolsonaro) está confundindo discussões democráticas com toma-lá-dá-cá", disse ela, que também fez críticas à carta compartilhada pelo presidente.

Agenda positiva

Além do apoio incondicional ao presidente Jair Bolsonaro, a pauta das manifestações é difusa.

No início da semana, várias mensagens dos grupos de WhatsApp falavam no fechamento do STF, com postagens no Twitter sendo acompanhadas pela hashtag #vamosinvadirocongresso.

Os principais articuladores dos atos, entretanto, já não falam mais na defesa explícita de fechamento das instituições. E, depois das críticas dentro da própria direita, as reivindicações passaram a focar no apoio às principais agendas do governo.

"O fato de terem conseguido subir uma hashtag no Twitter não significa que o que está lá é a pauta. Não tem esse objetivo de invadir (o Congresso) e a crítica à atuação do STF em algumas pautas não é um ataque à instituição", disse a deputada Carla Zambelli.

"Não tem tentativa de golpe, as críticas são legítimas. E quem está falando de invadir não representa a maioria", disse ela.

Zambelli afirma que o objetivo principal dos protestos é apoiar três medidas. "O pacote anticrime (do ministro Sérgio Moro), a aprovação da MP 870 (de reforma da administração) e a nova Previdência."

Uma das principais defensoras da ida às ruas no domingo, a deputada reconhece que uma eventual hostilidade ao Legislativo pode ampliar a crise do governo com o Congresso.

"Se existe essa possibilidade de acirramento, eu prefiro estar presente e ser um agente responsável para que isso não aconteça", afirma.

"Não precisa jogar o Executivo contra o centrão, muito pelo contrário. Uma manifestação dessa vem a ser inclusive um motivo de legitimar o deputado que pensa como as ruas a votar junto com o governo independente da articulação de um ou outro cacique."

Para analistas políticos, a presença do presidente no ato poderia ser um grande complicador para o governo. "É um desgaste que o governo não precisaria passar. Há gente falando em coisas como fechamento de Congresso, fechamento do STF; se o presidente endossa isso ou participa disso é um crime de responsabilidade", afirma Leandro Consentino, cientista político do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

Para Kim Kataguiri, do MBL, "o presidente [precisa] parar de atacar o Parlamento e dar ordem expressa para que nenhum ataque parta da Esplanada (dos Ministérios) ou de seus filhos. Depois, organizar o próprio partido em prol da Previdência."

Termômetro

Para observadores, a eventual resposta nas ruas à convocação pode ser vista como um termômetro da capacidade de mobilização do bolsonarismo e do funcionamento de suas estratégias de engajamento pós-eleição.

"Vai ser um termômetro da capacidade do governo de mobilizar apoio pra sua agenda, já que a vitória eleitoral não define necessariamente apoio para as políticas que ele quer mobilizar", diz Rafael Cortez. "Foi antes de tudo resultado de oposição ao mainstream político, não necessariamente apoio a um conjunto definido de agenda."

Para Leandro Consentino, a própria existência de atos tanto contra quanto a favor depois de apenas cinco meses de governo já é bastante significativa.

"Manifestação a favor do governo já algo incomum em qualquer período de tempo. Nesse caso é bem evidente que ela ganha corpo como uma reação às manifestações pela educação e essa dualidade, essa tensão nas ruas é inesperada em um início de governo. Bolsonaro ganhou com vantagem e esperava-se que fosse iniciar um ciclo novo de estabilidade."

Segundo o cientista político, a postura de enfrentamento do presidente em relação ao Congresso e as manifestações pela educação (ele chamou os manifestantes de "idiotas úteis") mostra que ele ainda está em clima de campanha.

"Essa estratégia de continuar a negar a política, negar o Legislativo, não descer desse palanque, continuar nesse ritmo de campanha, não ajuda trazer uma normalidade democrática."

Para analistas, a ideia dos apoiadores – de chamar as manifestações foi uma tentativa de demonstrar força perante as manifestações da semana passada – pode acabar rebaixando mais o capital político do governo.

"Com tão pouco tempo de governo é muito melhor passar a ideia de que ele está carregando a legitimidade dos votos que teve na urna do que chamar um ato de apoio. Porque mesmo que o comparecimento não seja pequeno, certamente já é um esvaziamento em relação ao apoio que ele teve para ser eleito", diz Consentino.

Rafael Cortez concorda. "Eventualmente uma mobilização pouco representativa vai expressar esse processo contínuo de isolamento político do governo que já vem perdendo capital político", afirma.

Análise

Manifestações públicas do desejo ou do descontentamento popular fazem parte da democracia e devem ser defendidas. Quem é incapaz de entender isso tacha cidadãos de "idiotas úteis", "imbecis" e "massa de manobra". O que não faz parte é o discurso que prega o fechamento do Congresso Nacional e a deposição de ministros do Supremo Tribunal Federal. Justificar-se que, em uma democracia, há o direito de atacar a própria democracia é uma falácia para esconder – de forma covarde – um comportamento golpista.

A rede de apoiadores de Jair Bolsonaro tem todo o direito de se manifestar pela Reforma da Previdência, pelos projetos de Sérgio Moro, pelas proposta de reestruturação administrativa do governo federal. Mas sabemos que não é apenas isso o que parte deles deseja devido ao teor dos convites que circulam nas redes sociais e aplicativos de mensagens – que defendem derrubar instituições que levamos décadas para reerguer porque elas se colocam, corretamente, como freios e contrapesos ao comportamento do presidente. Ou seja, por cumprirem seu papel constitucional de limitar poderes em uma República.

Muitos propõem uma reedição de práticas mais nefastas da ditadura. E só não defendem a "intervenção militar constitucional", forma envergonhada de falar sobre um golpe, como faziam quando tentaram sequestrar a pauta da greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado, porque sabem que a cúpula das Forças Armadas não compactua com esse tipo de excentricidade.

O presidente poderia vir a público e criticar duramente essa faceta da convocações, dizendo que é um absurdo completo e que isso não tem e nunca terá seu apoio. Mas não veio.

Bolsonaro parece não saber ou ter nojo de fazer política, que é a arte de encontrar soluções pacíficas para conflitos e buscar formas coletivas de construção da sociedade, garantindo a divisão racional e solidária dos limitados recursos disponíveis. Balcão de venda de cargos e emendas não é política, mas crime. O que faz sentido porque, em 28 anos de Congresso, especializou-se em promover a cisão.

Enquanto não entrega soluções para o desemprego de 13,4 milhões ou para um país em que metade das escolas não está ligada à rede de esgotos, ele e parte de seus apoiadores, nativos ou robôs, cometem um intenso bullying digital contra jornalistas, políticos, economistas, movimentos sociais e qualquer um que critique sua política medieval em costumes e comportamento. Agora, diante de impasses no Congresso, o bullying transborda para fora das telas de computadores e smartphones e pode ganhar as ruas.

Por mais que tenha anunciado que não irá às manifestações de domingo, Bolsonaro as usa como instrumento de pressão de sua vontade. Não pelas pautas que a população trará, mas pelas ameaças à própria institucionalidade cometidas por parte daqueles que convocam para o evento alinhados às necessidades presidenciais.

Bolsonaro manteve sua comunicação no mesmo estado bélico com o qual ganhou as eleições, apostando em uma guerra prolongada para manter os apoiadores unidos contra o "inimigo". Que, a princípio, é personificado na esquerda, mas abrange todos aqueles que se oponham à sua família – o que inclui deputados federais e senadores (aliados ou adversários) e ministros do STF. E com a delicadeza de um elefante bailando em uma ala de cristais, ele vai usando seu cargo em nome de um projeto de poder e não de país.

Qualquer democracia no mundo precisa de pessoas que conheçam bem as regras e leis e tenham paciência para dialogar, costurar saídas, levar um grupo a ceder aqui, o outro ceder ali e conviver com posições contrárias. A democracia é o cumprimento das decisões da maioria, desde que respeitada a dignidade da minoria. Ignorar isso não apenas esgarça instituições, como pavimenta o caminho para um Estado autoritário.

O que acontece quando o diálogo é substituído por coação? A pressão popular é e sempre foi legítima para influenciar no processo parlamentar, apesar de governos serem truculentos com movimentos que não lhe são simpáticos. Mas quando o chefe do Poder Executivo acha que pode jogar seus seguidores para ameaçar parlamentares e magistrados, usando não apenas o WhatsApp e as redes sociais, mas as ruas, temos a troca da negociação pelo autoritarismo.

O Congresso Nacional é o local para que conflitos sejam resolvidos dentro de regras, onde saídas são costuradas, evitando assim que diferentes grupos sociais entrem em embate direto no resto do país. Nosso parlamento é, por vezes, uma tragédia disfuncional, mas nem por isso é justificativa para ser subvertido – ruim com ele, pior sem.

Uma coisa é ter opinião. Outra é gente que acha que a Constituição Federal é papel higiênico e as instituições democráticas são um grande vaso sanitário. E defende que seu ponto de vista seja aplicado à força, invadindo o parlamento, cassando ministros do Supremo Tribunal Federal sem processo legal, enfiando goela seus desejos em prejuízo à liberdade e à dignidade do restante da população.

O presidente tem demonstrado falta de competência para fazer o papel para o qual foi eleito, desgastando a paciência da maioria da população. O povo não quer tuíte sobre golden shower, mamadeira de piroca e comunismo, mas saber dele como vai fomentar postos de trabalho formais para 13,4 milhões de desempregados e garantir esgoto à metade das escolas que não contam com o serviço no país.

E encastelado por suas próprias decisões, fomenta movimentos polêmicos que empurram o país para o precipício. É impossível governar fazendo bullying na democracia. Esperemos que Bolsonaro perceba isso antes que seja tarde demais.


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