18/04/2024 - Edição 540

Poder

Entenda polêmica sobre anunciada indicação de Moro para vaga no STF

Publicado em 24/05/2019 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro disse no último dia 12 ter assumido um compromisso com o ministro Sergio Moro (Justiça) para indicá-lo a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal).

A fala do presidente provocou reação imediata. Apoiadores de Bolsonaro criticaram o gesto e disseram que o presidente prejudicou o seu ministro ao antecipar uma possível indicação. ​

Já Moro afirma que não estabeleceu condições para ocupar o cargo. “Não vou receber um convite para ser ministro estabelecendo condição sobre circunstâncias do futuro que não se pode controlar”, disse, durante palestra em Curitiba (PR).

Bolsonaro voltou atrás no dia 16 e disse que não houve nenhum acordo com o ministro da Justiça para que ele assumisse uma vaga.

O primeiro membro do Supremo que deve deixar a corte é o decano Celso de Mello. Ele completa 75 anos —a idade de aposentadoria obrigatória— em novembro de 2020. A segunda vaga no STF deve ficar disponível com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello, em julho de 2021.

Quando o presidente Jair Bolsonaro sondou Sergio Moro pela primeira vez para o Ministério da Justiça? 

Segundo relatos, o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, foi responsável pelos primeiros contatos com o então juiz Sergio Moro ainda durante a campanha eleitoral. Foram cerca de cinco conversas até a sondagem definitiva, no dia 23 de outubro de 2018 (antes do segundo turno da eleição).

Quando Bolsonaro fez o convite? 

O convite formal foi feito em 1º de novembro de 2018, quando Moro e Bolsonaro, já presidente eleito, se encontraram pela primeira vez, no Rio de Janeiro.

O compromisso sobre o Supremo foi algo tratado desde o início? 

Aliados de Bolsonaro afirmam que, durante a conversa em que foi feito o convite para o ministério, ele acenou com a possibilidade de indicá-lo ao STF.

O que Moro disse sobre o assunto?

Em entrevista à GloboNews nesta semana, Moro afirmou que jamais estabeleceu a vaga no Supremo como condição para ser ministro. "Quando nós conversamos, bem, eu estava abandonando 22 anos de magistratura e aqui no Brasil é um caminho sem volta, é um certo sacrifício. […] Eu acho que o presidente, tendo em vista essa situação, se sentiu com esse compromisso de oferecer essa vaga quando surgir no futuro", disse.

E Bolsonaro?

Em um primeiro momento, Bolsonaro disse que firmou um compromisso com Moro. Depois, voltou atrás e afirmou que não houve acordo prévio. "Não teve nenhum acordo, nada."

A indicação ao STF foi uma condição para Moro assumir o ministério?

De acordo com aliados do presidente, tratou-se apenas de um atrativo para Moro integrar o ministério.

Cronologia

8.jul.18 – Então juiz que comandava a Lava Jato em Curitiba, Moro interrompe suas férias para emitir despacho contestando a decisão do desembargador Rogério Favreto, que havia determinado a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

1º.out.18 – Moro tira o sigilo de parte do acordo de colaboração de Antonio Palocci, ex-ministro de Lula, que acusa o ex-presidente de vários crimes

7.out.18 – Primeiro turno das eleições

1º.nov.18 – Quatro dias após a vitória de Bolsonaro no segundo turno, Moro viaja ao Rio para se encontrar com o presidente eleito e aceita o convite para o Ministério da Justiça

Análise

A indicação extemporânea do ministro Sergio Moro para o STF reacende a discussão, recorrente cada vez que se vislumbra a abertura de uma nova vaga no STF, de como melhor escolher aqueles que terão por missão defender a Constituição.

“Evidente que ao trazer a público o suposto compromisso assumido com seu ministro da Justiça (depois negado), o presidente buscou não apenas eclipsar a mais popular estrela de sua Esplanada, vista ao mesmo tempo como ameaça política e policial à família Bolsonaro, mas, também, relembrar ao Ministro que o bilhete ‘premiado’ do Supremo se encontra, por enquanto, no seu bolso. E, para acessá-lo, é necessário demonstrar lealdade e contenção”, afirma Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV-SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Mais de um terço das nomeações para o Supremo nos últimos 30 anos beneficiaram colaboradores diretos da Presidência da República, como Celso de Mello, Paulo Brossard, Maurício Corrêa, Francisco Rezek, Nelson Jobim, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Logo, a eventual nomeação de Sergio Moro não foge ao padrão nacional.

“A questão que se coloca é se esse modelo de nomeação para o Supremo é adequado. Existe uma fórmula que assegure uma maior independência dos ministros, mas ao mesmo tempo assegure ao tribunal a potência necessária para garantir a Constituição contra os eventuais ataques do corpo político?”, questiona.

Dois são os principais modelos disponíveis na prateleira das ideias constitucionais. O modelo norte-americano, que copiamos em 1891, é o mais comum entre regimes presidencialistas.

Por esse modelo, o presidente escolhe, com razoável liberdade, uma pessoa dotada de formação jurídica e submete sua escolha ao Parlamento ou ao Senado, como ocorre nos Estados Unidos e no Brasil.

Após a sabatina, o Senado aprova ou não o candidato por maioria de seus membros. Lá as sabatinas tendem a ser mais duras e técnicas, levando em consideração decisões pretéritas do candidato e possíveis conflitos de interesse. Como os senadores nos EUA não são julgados pelos juízes da Suprema Corte, tendem a não poupar os candidatos do partido adversário.

Presidentes sem maioria no Senado são obrigados a nomear candidatos ideologicamente mais neutros e palatáveis, normalmente magistrados de carreira; chegando a eventualmente perder a possibilidade de nomeação, como ocorreu com Barack Obama, no final do seu segundo mandato.

No contexto do pluripartidarismo exacerbado brasileiro e estando os senadores submetidos à jurisdição do Supremo, a racionalidade da aprovação é diversa. Quando o governo não conta com uma sólida coalizão no Senado, os candidatos serão obrigados a se submeter a um desgastante e eventualmente constrangedor processo de obtenção de apoio junto aos senadores.

Também aqui, quanto mais frágil for o presidente, maior a chance de nomeação de um magistrado de carreira. Vieram da carreira judicial 10 dos 23 ministros nomeados nos últimos 30 anos: Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Menezes Direito, Luiz Fux, Rosa Weber e Teori Zavascki.

Um segundo modelo, inventado na Áustria, no primeiro pós-guerra, é o mais utilizado por democracias constitucionais parlamentaristas.

Em regra, adota-se uma fórmula pela qual parte dos juízes constitucionais é indicada pelo governo, outra pelos próprios magistrados e, finalmente, uma parte é nomeada pelo presidente ou pelo Parlamento.

Em todos os casos, a palavra final é do Parlamento, o que amplia a politização do processo. No caso alemão, que serve de modelo a muitas novas democracias, há a percepção de que uma boa parte dos juízes constitucionais se identifica com os partidos políticos que, ao longo das últimas décadas, tiveram maior presença no Parlamento.

Muitos perguntam, então, por que não adotar um modelo estritamente meritocrático, em que apenas magistrados de carreira chegassem ao topo do sistema judicial? A resposta é simples. Juízes profissionais também fazem política —e muita— para ascenderem na carreira. Por vezes defendendo interesses corporativos ou mesmo se alinhando às concepções daqueles que têm o controle sobre os processos de ascensão.

Em resumo, não há muito como fugir dos problemas relacionados à politização da escolha dos membros de um tribunal constitucional. Trocar o modelo de seleção significa apenas trocar os nossos problemas pelos problemas dos outros.

Evidente, no entanto, que algumas medidas podem qualificar a escolha dos magistrados de tribunais superiores.

Um bom exemplo vem da Argentina. Depois da completa desmoralização da Suprema Corte por Carlos Menem, que entupiu-a com seus apaniguados, foi aprovada uma reforma no processo de nomeação, em 2003, pela qual o Executivo deverá tornar público os candidatos considerados, abrindo espaço para manifestações da sociedade sobre suas trajetórias e eventuais conflitos de interesse.

Por fim, o candidato que vier a ser escolhido pelo presidente deverá se submeter a uma sabatina pública e obter dois terços dos votos dos senadores. Um quórum tão alto associado a mais transparência certamente favorecem nomeações mais imparciais.

Não há, porém, procedimento infenso a vícios. A questão central, portanto, é como assegurar que uma má escolha não prejudique a missão do tribunal de guardar a Constituição.

O primeiro antídoto —e não me cansarei de reiterar esse aspecto— é limitar ao máximo a ação individual de ministros. Na síntese de Delfim Netto: “Só o pleno é Supremo”; ou a adoção de padrões mais rígidos de suspeição e impedimento.

Além disso, há algo mais estrutural, relacionado ao próprio papel institucional atribuído pela sociedade e pela cultura jurídica ao Supremo. 

Há hoje uma forte disputa entre aqueles que entendem que a guarda da Constituição deve se dar pela rigorosa aplicação da racionalidade jurídica, independentemente das consequências que isso tiver, e aqueles que se preocupam sobretudo com as consequências (econômicas, políticas ou sociais), ainda que para isso seja necessário flexibilizar os padrões de interpretação das regras.

Podemos chamá-los de legalistas e consequencialistas. Quanto mais prevalecer a visão consequencialista, maior será a politização dos tribunais e mais estratégica a escolha de seus ministros.

Por intermédio da nomeação de juízes constitucionais mais compromissados com suas visões de mundo do que com as palavras da Constituição, governantes buscam prolongar sua influência e proteger seu legado, numa clara tentativa de condicionar o direto à política ou a economia.

Com a ascensão de populistas autoritários ao redor do mundo, em grande medida hostis à gramática dos direitos humanos e aos freios e contrapesos entrincheirados na ordem constitucional, o processo de escolha de magistrados constitucionais se torna ainda mais dramático.

Nestes casos o que está em jogo não são mais meras disputas sobre como melhor exercer a defesa da Constituição, se mais legalistas ou consequencialistas.

“O objetivo de populistas autoritários, como os que Bolsonaro visitará na Hungria e na Polônia, é escolher alguém que, por intermédio de decisões judiciais, contribua para a erosão de direitos e garantais da democracia constitucional e abra espaço para a construção de uma nova legalidade autoritária”, afirma Oscar.


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