19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Como apodrecem os mitos

Publicado em 22/05/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Theresa May, a Primeira-ministra britânica, renunciou por não conseguir aprovar um acordo para o Brexit. Os extremistas de esquerda comemoram. Acreditam que, ao pedir arrego, May dá esperanças aos que não querem ver o Reino Unido deixar a União Europeia. Na verdade, a saída dela abre caminho para um substituto mais tosco e aumenta a chance de um Brexit "sem acordo", o que seria péssimo para a classe-média inglesa. Se tudo correr bem, o Brexit-bronco ocorrerá o quanto antes e o povo inglês comerá o pão que o populismo amassou.

Nos EUA, a esquerda luta para conter sua ala radical, que quer começar o impeachment de Trump o quanto antes. Motivos não faltam. O procurador-geral de lá, um cidadão chamado William Barr, atua como uma espécie de advogado pessoal da famlia do presidente e impede toda e qualquer investigação sobre os negócios excusos do fanfarrão mandatário da América do Norte. Sobram crimes de responsabilidade debaixo do tapete da Casa Branca. Os democratas mais ponderados acham que, não apenas não conseguiriam tirar Trump, com um congresso tão dividido, mas também acabariam por inflamar a base conservadora e pavimentar o caminho para a reeleição do estelionatário-chefe em 2020.

Se tudo correr bem, o processo de impeachment será iniciado, fracassará e garantirá mais quatro anos de governo Trump. Pelo andar da carruagem, seriam oito anos desmantelando as instituições federais, perseguindo direitos e garantias individuais dos cidadãos e inflando a dívida pública com cortes de impostos para empresas e bilionários. Mais seis anos de Trump podem ser o que os EUA precisa para ser relegado ao ostracismo econômico e político no cenário mundial.

E por falar em impeachment, Bolsonaro também já ouve esse murmurinho nos corredores de Brasília. A inabalável incompetência administrativa do presidente só é comparável a sua inépcia como pai. Incapaz de controlar ou disciplinar os filhos, segue num papel representativo, enquanto os ministros indicados pelos patrocinadores da campanha tocam o baile do desmanche movido à agrotóxico. Tratando o congresso como se fosse uma adolescente mimada, Bolsonaro não conta com apoio político para terminar o ano, que dirá o mandato. Para ser sincero, isso era esperado.

Mas, se tudo correr bem, Bolsonaro não apenas termina o mandato, como será reeleito. De quebra, ainda fará Flávio Miliciano de sucessor.

A questão é que vivemos uma era de populismo ressentido de direita no poder. Não apenas aqui, mas no mundo. É um zeitgeist universal e irracional. Não pode ser debatido. Tem que ser vivido até as últimas consequências.

Não me entenda mal. Como professor, acredito fundamentalmente no diálogo, na educação, no esclarecimento através de dados e na troca de idéias. Não fosse assim, não perderia meu tempo aqui. Mas uma coisa é dialogar com um ser humano. Outra, bem diferente, é tentar dialogar com uma sociedade, com o denominador comum da soma de seus indivíduos. O ser humano aprende através do amor e da empatia. A sociedade só aprende através da dor e do trauma.

Para que o Reino Unido entenda que a complexidade da economia contemporânea exige uma política de tolerância e cooperação com outras nações, vai precisar pagar o preço do nacionalismo defasado. Como quando relutou a enfrentar Hitler e se viu isolada, sem aliados, em meio a territórios invadidos.

Para que os EUA entendam a importância da diplomacia e do crescimento sustentável, precisará afundar em crises geopolíticas e estagnação financeira. Como quando George W Bush mentiu para aliados, inventou um pretexto para invadir o Iraque em busca de petróleo e permitiu que a crise imobiliária quase destruísse a economia mundial em 2008.

Para que o Brasil entenda que não dá para colocar o tiozão do churrasco no comando do país, nossa classe média vai precisar arder na brasa. Como quando Collor confiscou a poupança e deixou o cidadão de bem à mingua. Hoje, ninguém mais lembra do "Caçador de Marajás".

Tentar dialogar ou contrapor o populismo é perda de tempo. Provoca apenas ressentimento numa sociedade que não está pronta para rever conceitos. Impeachimar quem quer que seja só recrudece as convicções, como Dilma provou. O barco tem que afundar. E temos todos que afundar juntos. Não adianta dizer que votou no Amoedo. Não adianta dizer que avisou. Temos que sofrer todos para a remissão de alguns.

Só assim apodrecem os mitos. Na porrada, mas na porrada auto infligida. 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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