18/04/2024 - Edição 540

Poder

Ex-ministros denunciam política ambiental de Bolsonaro

Publicado em 10/05/2019 12:00 -

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Oito ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil divulgaram uma carta com críticas à política ambiental do governo Jair Bolsonaro e à condução da pasta pelo ministro Ricardo Salles.

O documento foi assinado por Rubens Ricupero, Gustavo Krause, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Sarney Filho e Edson Duarte, que ocuparam a pasta nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer.

No comunicado, divulgado durante um evento em São Paulo que contou com a presença de sete dos oito ex-ministros, os autores afirmam que em outubro já haviam alertado Bolsonaro sobre a importância da consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país.

No entanto, os ex-ministros afirmaram que, passados cem dias de governo, "as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país".

"A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição", diz o documento.

Os ex-ministros criticaram especialmente o esvaziamento das atribuições do Ministério do Meio Ambiente sob Bolsonaro e Salles, em especial a retirada da pasta da Agência Nacional de Águas e do Serviço Florestal Brasileiro e a extinção da secretaria de mudanças climáticas, além dos planos de extinguir o Instituto Chico Mendes.

Os autores do documento ainda afirmaram que a credibilidade da participação do Brasil no Acordo de Paris também é alvo de questionamento por causa das manifestações de figuras-chave do governo que "reforçam a negação das mudanças climáticas".

"Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado de desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós", diz o texto.

O documento afirma ainda que "é grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de 'eficiência de gestão', num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho".

Os ex-ministros ainda afirmaram estar preocupados "com as políticas relativas às populações indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais" que "foi iniciada com a retirada da competência da Funai para demarcar terras indígenas".

"Não há desenvolvimento sem a proteção do meio ambiente. E isso se faz com quadros regulatórios robustos e eficientes, com gestão pública de excelência, com a participação da sociedade e com inserção internacional", conclui a carta.

Durante a coletiva de imprensa que ocorreu paralelamente à divulgação da carta, os ex-ministros reforçaram as críticas.

"Nós todos aqui temos nossas diferenças ideológicas e políticas, mas nunca nenhum de nós ousou propor desmontar o Instituto Chico Mendes, o Ibama, a extinção de parques ou até revisão de terra indígenas já demarcadas. Muito menos voltar atrás dos avanços da gestões anteriores", disse o ex-ministro Carlos Minc, que comandou a pasta entre 2008 e 2010.

"O que está sendo feito é parte de uma premissa absolutamente equivocada, intelectualmente pobre, conceitualmente fora de qualquer padrão. Estão colocando a questão do desenvolvimento e da preservação como coisas excludentes, algo que já foi superado", disse José Carlos Carvalho, ministro do governo FHC.

Ele também ironizou as insinuações de apoiadores de Bolsonaro de que as medidas ambientais tomadas por gestões anteriores seriam resultado de uma "ideologia comunista".

"Nós temos um modelo de gestão ambiental que nasceu na ditadura militar. Essa história de vincular o meio ambiente ao marxismo cultural não tem nada a ver. Qual o marxismo cultural que prevalecia no governo Médici? Queria que alguém me explicasse qual o marxismo cultural na lei 6938/81, criado no governo Figueiredo, em pleno regime militar", disse Carvalho, citando a lei que criou Política Nacional do Meio Ambiente e que antecipou disposições ambientais da Constituição Federal. "Agora em pleno regime democrático nós estamos retornando a uma situação anterior àquela que tínhamos na ditadura militar."

"É a primeira vez que nós temos um governo que assume dizendo que não vai mais demarcar um centímetro de terra indígena. É a primeira vez que temos um governo que assume dizendo que vai acabar com a 'farra das multas', inclusive a própria multa que foi dada a Bolsonaro por estar pescando em uma área em que não deveria estar pescando. É um que ataca o que é estratégico para o próprio país: a educação e o meio ambiente", disse Marina Silva, ministra do governo Lula e candidata à Presidência em 2018.

Em nota divulgada no Twitter, o atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, respondeu às críticas. 

"O atual governo não rechaçou, nem desconstruiu, nenhum compromisso previamente assumido e que tenha tangibilidade, vantagem e concretude para a sociedade brasileira. Mais do que isso, criou e vem se dedicando a uma inédita agenda de qualidade ambiental urbana, até então totalmente negligenciada", diz o texto.

Salles também aborda temas específicos criticados pelos ex-ministros, como a extinção do Instituto Chico Mendes, a respeito do qual ele disse que "não há sequer o que comentar, porquanto não se tenha feito qualquer medida, em nenhum momento, nesse sentido".

"Ao contrário do que se verifica na prática, o que vem causando prejuízos à imagem do Brasil é a permanente e bem orquestrada campanha de difamação promovida por ONGS e supostos especialistas", afirma.

Sem investimentos

O combate às mudanças climáticas é a política ambiental mais afetada pelo recente bloqueio de recursos imposto pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ao Ministério do Meio Ambiente. Dos R$ 11,8 milhões inicialmente previstos para a Política Nacional sobre Mudança do Clima, cerca de 95% foram contingenciados, restando menos de R$ 600 mil, de acordo com reportagens dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo.

O Globo aponta que o corte coincide com a ideia inicial de Jair Bolsonaro abandonar o Acordo de Paris, acordo internacional de combate às mudanças climáticas assinado por 195 países. Em janeiro, o presidente afirmou que "por ora" manteria o Brasil no acordo.

A Política Nacional sobre Mudança do Clima – instituída pela lei nº 12.187, de 2009 – oficializou o compromisso do Brasil de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e incentivar o reflorestamento, entre outras medidas.

O Ministério do Meio Ambiente sofreu um corte total de recursos de R$ 187,4 milhões, anunciado na semana passada pela equipe econômica do governo – o equivalente a 22,7% do orçamento não obrigatório (discricionário) do ministério (cerca de R$ 825 milhões).

De acordo com O Estado de S. Paulo, os efeitos dos cortes já são sensíveis no âmbito de iniciativas na área do clima, a exemplo do programa ProAdapta, acordo de cooperação entre a pasta do Meio Ambiente e o governo da Alemanha.

O acordo prevê a transferência de 5 milhões de euros ao programa pelo país europeu para apoiar o Brasil na implementação de políticas de adaptação às mudanças climáticas. Segundo O Estado de S. Paulo, o governo brasileiro contribuiria com 2 milhões de euros. Um dos objetivos do projeto seria reduzir os perigos em regiões ameaçadas pelo aumento nível do mar.

Outras ações atingidas pelos bloqueios no ministério incluem a Política Nacional de Resíduos Sólidos (que cuida da reciclagem de lixo, por exemplo), a prevenção e o controle de incêndios florestais, o apoio à criação de unidades de conservação e a área de licenciamento ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).  Os cortes deverão ter efeitos também sobre ações do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

Além do Ministério do Meio Ambiente, outras áreas foram afetadas por um decreto de contingenciamento de R$ 30 bilhões definido pela equipe econômica do governo. O Ministério da Educação (MEC), que teve R$ 5,8 bilhões cortados, anunciou um bloqueio de 30% nos repasses a todas universidades e institutos federais.


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