18/04/2024 - Edição 540

Poder

Sem emendas e cargos, Temer ficou vulnerável

Publicado em 10/05/2019 12:00 -

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Solto após passar quatro noites na prisão, o ex-presidente Michel Temer (MDB) voltou à cadeia após decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ele está detido na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.

No habeas corpus que soltou o emedebista, o desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, afirmou que não é contra a Lava Jato, mas que "as investigações, as decisões, enfim tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observar as garantias constitucionais, e as leis, sob pena de não serem legitimadas".

O ex-presidente foi preso após decisão do juiz Marcelo Bretas, que acatou pedido da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro. Segundo a Procuradoria, Temer é suspeito de chefiar uma quadrilha criminosa que por 40 anos recebeu vantagens indevidas por meio de contratos envolvendo estatais e órgãos públicos.

O Ministério Público liga o grupo de Temer a desvios de até R$ 1,8 bilhão, numa operação que teve como foco um contrato firmado entre a Eletronuclear e as empresas Argeplan (do coronel Lima), AF Consult e Engevix.

Vulnerável

O retorno de Michel Temer à prisão reforça a sensação de que, no Brasil, o limite entre o que um presidente da República pode e o que não pode fazer é definido pela sua capacidade de descobrir o valor do Congresso. No Planalto, Temer tratou deputados e senadores como códigos de barras. Comprou sua permanência no cargo à custa do déficit público. Sem mandato, perdeu a invulnerabilidade.

As acusações que pesam sobre os ombros de Temer nas seis ações penais em que ele figura como réu são as mesmas que o assediavam enquanto esteve no Planalto. A diferença é que o acusado, isento de imunidades, já não dispõe de cargos públicos e de verbas orçamentárias para distribuir. Os parlamentares que retardaram seu encontro com a lei agora arrastam Jair Bolsonaro para o balcão.

O que mais incomoda no episódio é a sensação de perda de tempo. O encontro de Temer com a Justiça poderia ter ocorrido há mais de dois anos. Foi retardado por um arranjo negociado nos subterrâneos do Tribunal Superior Eleitoral. Embora dispusesse de uma profusão de provas, o TSE se absteve de cassar a chapa Dilma-Temer.

Ao concluir a leitura do voto em que recomendou a cassação da chapa, o então relator Herman Benjamin soou fúnebre. Suas frases tiveram o peso da lápide de uma Era: "Eu, como juiz, recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório. Mas não carrego o caixão."

Na ocasião, a maioria dos ministros do TSE decidiu enterrar vivas as provas testemunhais e documentais que atestavam a entrada de verbas sujas da Odebrecht na caixa registradora do comitê eleitoral da chapa vitoriosa em 2014. Com isso, salvou-se a elegibilidade de Dilma e manteve-se Temer no Planalto.

Percebe-se agora que, em matéria de interesse público, quem escolhe o momento exato economiza muito tempo. E dinheiro do Tesouro Nacional. O acerto de contas de Temer com a Justiça chega bem, mas vem tarde. O de Dilma, que ainda aguarda na fila, tarda muito a chegar.

O ex-presidente também é investigado em outros oito processos —é réu em seis deles.

ENTENDA O CASO

O que diz o MPF diz sobre o ex-presidente Michel Temer? A força-tarefa da Lava Jato no Rio afirma que o ex-presidente é chefe de uma organização criminosa que por 40 anos recebeu vantagens indevidas por meio de contratos envolvendo estatais e órgãos públicos.

O que diz a decisão que mandou soltar o ex-presidente? Para o desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, apesar da gravidade dos delitos, os crimes supostamente cometidos por Temer são antigos, não havendo fato novo —como risco de destruição de provas— que justifique a prisão. Em sua decisão, ele afirmou que é a favor da Lava Jato, mas que "as investigações, as decisões, enfim tudo que, não só a ela concerne mas a todas sem exceção, devem observar as garantias constitucionais, e as leis, sob pena de não serem legitimadas".

E a decisão do TRF-2, que mandou que Temer voltasse à prisão? O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) decidiu nesta quarta-feira (8), por dois votos a um, que Temer voltará para a prisão junto com o coronel João Baptista Lima Filho, preso na mesma operação. Já o habeas corpus do ex-ministro Moreira Franco, também preso à época, foi mantido. 

Quais os argumentos do TRF-2 para determinar a suspensão do habeas corpus? Os dois juízes federais que votaram pela suspensão do habeas corpus defenderam a existência da contemporaneidade dos fatos e do risco à ordem pública, requisitos da prisão preventiva. Esses dois itens foram rejeitados pelo juiz Ivan Athié, que determinou a soltura de Temer em março.

Qual a relação entre Temer, o coronel Lima e as obras de Angra 3? Um dos contratos investigados é um projeto envolvendo as obras da usina nuclear de Angra 3.

Segundo as investigações, o coronel João Baptista Lima Filho, amigo de Temer, atuou como seu operador financeiro, ocultando a origem ilícita do dinheiro por meio de suas empresas Argeplan e PDA

Como ocorreu o esquema em Angra 3? Segundo o MPF, coronel Lima teria pedido propina a José Antunes Sobrinho, executivo da Engevix, para que a empreiteira participasse da obra. A Procuradoria afirma que isso foi feito a mando de Michel Temer

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R$ 1,8 bi é o valor estimado do esquema de corrupção envolvendo vários órgãos e estatais que, segundo o MPF, foi arquitetado por organização criminosa liderada por Temer. Procuradoria ainda não identificou caminho de boa parte desse dinheiro

O que liga a obra da usina à reforma na casa da filha de Michel Temer? Recibos mostram que a Argeplan quitou despesas com fornecedores de uma reforma na casa de Maristela Temer, filha do ex-presidente. Maristela e a mulher do coronel Lima, Maria Rita Fratezi, que ajudou a gerenciar a obra, dizem em troca de e-mails que Temer precisava aprovar os preços de determinado serviço. A reforma aconteceu em 2014, mesmo ano em que a propina de Angra 3 teria sido paga. O MPF sustenta que as obras foram utilizadas para lavar o dinheiro recebido, com a anuência de Temer

O que mais liga Temer à Argeplan? Planilha de controle de serviços apreendida na Argeplan indica a realização de obras para Temer em 1988 e 1993. Em 1998, outra planilha aponta pagamentos ao "escritório político MT". Segundo o MPF, isso mostra que a empresa, registrada em nome de Lima, tem sido utilizada há décadas para administrar e lavar recursos ilícitos obtidos por Temer

Que indícios levam o MPF a afirmar que Lima pedia propina a mando de Temer? José Antunes Sobrinho, executivo da Engevix que teria pago a propina referente a Angra 3, disse em delação que Temer afirmou que ele poderia tratar de qualquer tema com Lima, homem de sua confiança. Antunes Sobrinho também afirmou em sua colaboração que Lima deixou claro que o ex-presidente havia indicado Othon Silva para a diretoria da Eletronuclear com o objetivo de viabilizar esquemas de corrupção

Quais razões a Procuradoria apresentou para pedir a prisão preventiva? O Ministério Público argumentou que a suposta organização criminosa continua em operação, recebendo e ocultando valores ilícitos, inclusive no exterior. A prisão (quando não há prazo determinado para soltura) seria, assim, uma forma de impedir a continuidade do crime. Além disso, os procuradores afirmam que o grupo forjou documentos e destruiu provas para dificultar as investigações. Os envolvidos estariam, ainda, monitorando agentes da Polícia Federal que investigam o caso. 

Do que Temer foi acusado? Temer responderá pelos crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. Moreira Franco, por corrupção e lavagem. Entre os réus, também estão o coronel João Baptista Lima, amigo de Temer, e Othon Pinheiro, ex-presidente da Eletronuclear.

Quais os próximos passos da investigação? O MPF ainda não sabe onde está boa parte do dinheiro recebido pelo grupo. Segundo o órgão, pode haver outras vantagens indevidas relacionados a Angra 3 e ainda não identificadas. A Procuradoria também afirma que Vanderlei de Natale, dono de uma empreiteira preso na operação, representa outro braço da organização, e sua atuação deverá ser detalhada mais à frente. Um dia antes das prisões, oito números de telefone ligados a Temer foram interceptados, e o conteúdo será analisado


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