19/04/2024 - Edição 540

Poder

Corte de recursos do Ibama ampliará desmatamento

Publicado em 03/05/2019 12:00 -

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O corte de um quarto do orçamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é mais uma atitude do governo para fragilizar os órgãos ambientais, de acordo com especialistas.

A redução será de 24% nos recursos do Ibama, que passará a ter R$ 279,4 milhões disponíveis em vez dos R$ 368,3 milhões que constavam na Lei Orçamentária (LOA). O montante não atende nem as despesas fixas da pasta deste ano, de R$ 285 milhões. Na prática, isso irá refletir na diminuição da capacidade de resposta do órgão. “Deve encolher a fiscalização e aumentar os desmatamentos”, diz Paulo Barreto, pesquisador associado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

A fiscalização é uma das áreas que mais consome recursos. No ano passado foram R$ 101,1 milhões. Mas a manutenção das 27 superintendências da autarquia também deve ser afetada, o que tende a refletir nas operações de monitoramento, com a diminuição das horas de treinamento dos funcionários e redução das visitas de campo.

Para evitar a paralisação da autarquia, é imprescindível a realocação dos recursos de maneira equilibrada dentro das superintendências. Isso vai depender da decisão do presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e de sua diretoria. Por enquanto, ele não se manifestou sobre os seus planos.

Corte de verbas ameaça monitoramento por satélite

As definições são urgentes, pois possibilitam não só o planejamento da autarquia para o ano como a alocação de recursos extras. Um exemplo são os R$ 50 milhões do Fundo Amazônia, fruto de um contrato firmado com o Ibama para financiar os meios de transporte – como caminhões e helicópteros – para a fiscalização na floresta. “Isso terá de entrar nesse teto de R$ 285 milhões do orçamento”, diz um ex-funcionário que prefere não se identificar. “Espero que o presidente encaixe o recurso”.

Esse encaixe seria óbvio em outras gestões, afinal o dinheiro já está disponível. Mas especialistas e ex-funcionários engrossam o coro para dizer que não há disposição do governo para fazer com que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seus órgãos funcionem na capacidade máxima.

O problema toma dimensões maiores ao apontar para o MMA. De acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) e com o Plano Especial de Cargos do MMA e do Ibama, existem cerca de 45 postos no ministério que não estão preenchidos. “Isso não tem nada a ver com incompetência ou falta de visão”, diz um técnico ambiental que trabalha para o diretório nacional do PT. “É a maneira que o governo encontrou para colocar os órgãos do meio ambiente em serviço de interesses econômicos e não ambientais”.

Essa política pode afetar uma das iniciativas mais bem-sucedidas do Ibama em relação à fiscalização, que é o monitoramento via satélite. A tecnologia permite que a autarquia compare imagens de áreas desmatadas e cruze com dados das propriedades privadas. “Isso poderia ser usado, inclusive, para minimizar o problema do corte de recursos”, diz Barreto, do Imazon.

Somente no ano passado, a taxa preliminar do sistema de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Projeto Prodes) apontou aumento do desmatamento de 13,7% entre agosto de 2017 e julho, em relação aos doze meses anteriores. Isso significa 7.900 quilômetros quadrados de floresta ou cinco vezes a área do município de São Paulo. Foi a maior taxa divulgada desde 2009, ano em que se registrou 7.464 km².  Os estados que mais desmataram foram Pará (35,9%), Mato Grosso (22,1%), Rondônia (16,7%) e Amazonas (13,2%).

Combate a Incêndio

O bloqueio de R$ 187 milhões do orçamento do Ministério do Meio Ambiente, anunciado no final de março, fragilizou principalmente programas do Ibama e do ICMBio de fiscalização, conservação de espécies e combate a incêndios florestais.

Levantamento do PSOL indica que 38% da verba de combate a incêndios foi travada. O mesmo ocorreu com 24% do dinheiro da fiscalização ambiental e com 60% do orçamento de controle de substâncias químicas.

Ambientalistas temem fim de parque nacional que preserva Mata Atlântica. Pedido é de deputada do PSL

Ricardo Salles esteve nesta semana em Ponta Grossa, no Paraná, para debater a possível revogação do decreto de 2006 que criou o Parque Nacional Campos Gerais, localizado em região marcada por formação vegetal que integra o bioma da Mata Atlântica. Ambientalistas temem o rebaixamento do status da unidade de conservação do parque.

A reunião aconteceu em um espaço particular cedido por um empresário que atua com insumos agrícolas no município. Não é a primeira vez que o ministro do Meio Ambiente tem agenda deste tipo. No início de abril, durante um encontro parecido, Salles ameaçou abrir processo administrativo contra todos os funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), abrindo uma crise que levou à troca de todo o comando da autarquia.

O pedido para rebaixar o status do parque é da deputada Aline Sleutjes (PSL-PR) , que encaminhou um ofício a Salles no dia 8 de abril. A parlamentar pede que o decreto seja cancelado ou que o parque seja reclassificado como Monumento Ambiental. Sleutjes, que é da região dos Campos Gerais, argumenta, entre outros motivos, que proprietários rurais da área abrangida pelo parque não receberam as indenizações a que têm direito para o caso de criação de urna unidade de proteção integral onde os donos de terras precisam deixar os imóveis.

A deputada afirma ainda que as propriedades estão perdendo valor de mercado, já que por estar dentro do perímetro da unidade de conservação ambiental, os produtores seguem restrições sobre o que pode ser cultivado e que tipo de empreendimento pode ser implantado nas terras.

No último dia 8 de abril, Sleutjes foi recebida por Salles para tratar da possível revogação do decreto que criou o parque, em 2006. Nesta quarta-feira o ministro cumpre agenda na região, e discute a questão do parque com a comunidade local.

O cancelamento de um decreto do Poder Executivo só pode ser feito via projeto de lei aprovado pelo Congresso. A edição de uma medida provisória também pode ser um caminho, mas na leitura da Ascema Nacional, que representa os servidores ambientais federais, a extinção de uma unidade de conservação não trataria o caráter de urgência exigido juridicamente neste caso.

Segundo a bióloga Angela Kuczak, diretora Executiva na Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, a demanda dos produtores da região é conseguir autorização para o plantio de soja transgênica, mas, de acordo com Kuczak, mesmo as categorias menos rígidas de áreas de preservação ambiental não permitem isso.

Quando uma unidade de conservação ambiental é criada, nem todas as áreas que ela incluía são públicas. No caso das propriedades privadas, é preciso iniciar o processo de regularização fundiária, em que o título de propriedade deve ter a validade comprovada para que assim os proprietários recebam a compensação financeira pela área. De acordo com a diretoria da Ascema Nacional, a região de Campo Gerais enfrenta problemas de grilagem e sobreposições de terras, assim como ocorre em diversas partes do Brasil. Nossa reportagem procurou o ICMbio para saber a situação e aguarda resposta.

A falta de recursos dos órgãos estatais para realizar a regularização fundiária é crônica. Parte deste dinheiro vem da compensação ambiental. Quando grandes empreendimentos que causam danos permanentes e irreversíveis ao meio ambiente são feitos, os responsáveis precisam indenizar a sociedade por isso e este recurso é encaminhado para a formação de novas unidades de conservação. Até o ano passado, uma lacuna na lei tornava a operação financeira entre a iniciativa privada e o ICMbio insegura, o que gerou questionamento por parte do Tribunal de Contas da União. Em maio de 2018, a Lei 13.668 corrigiu a situação. “Uma medida provisória [que foi transformada na lei 13.668] indicou o banco público para recepcionar este recurso da compensação ambiental e tornou muito mais fácil a execução, porque o dinheiro existe, [vindo] das obras que o investidor precisa fazer a compensação ambiental, e é usado prioritariamente para a regularização fundiária”, informou a Ascema Nacional.

Angela Kuczak menciona que antes da criação do parque, o turismo ocorria de forma desorganizada. Segundo ela, em 2016, foram recebidos 71 mil visitantes e somente em Ponta Grossa, o turismo de natureza envolvendo Campos Gerais gera cinco mil empregos.

“Em 2004, um estudo apontou que aquilo que existe hoje de Campos Gerais é menos de um quarto, menos de 0,25% do que já existiu, o que existe são retalhos muito pequenos, isolados, e o Parque Nacional Campo Gerais concentra a maior parte do restou. Além disso é uma das últimas formações de áreas com floresta araucária e protege aquíferos”, destaca a ambientalista.

Ela questiona ainda que parte dos problemas apontados pela deputada no pedido de extinção do parque, como a falta de acesso dos produtores à linhas de crédito rural, é reflexo da implantação precária do Cadastro Ambiental Rural por parte do governo estadual.


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