19/04/2024 - Edição 540

Especial

As estatísticas que Paulo Guedes quer evitar

Publicado em 29/04/2019 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Nunca houve tanto desperdício de disposição e criatividade no país. O desemprego e o subemprego – informal, de baixa qualificação, muito mal remunerado – somam 27,9 milhões de brasileiros

O Brasil coleciona notícias ruins na criação de oportunidades de emprego e na área do direito ao trabalho. A PNAD Contínua (PNADC) do IBGE mostra que o desemprego e a subutilização da força de trabalho no Brasil bateram recorde no trimestre que vai de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019. O Presidente da República, em vez de reconhecer o problema, preferiu criticar a metodologia utilizada pelo IBGE.

É claro que nenhum governo gosta de notícias ruins. Não é a primeira vez que os números do emprego e do desemprego são questionados para favorecer os governantes de plantão. O presidente Jair Bolsonaro poderia até dizer que herdou a crise do mercado de trabalho e que está tomando medidas para aumentar os índices de ocupação, mas preferiu revelar ignorância ao criticar uma metodologia que é antiga e reconhecida internacionalmente.

A verdade sobre o desemprego e o subemprego dói para os ocupantes do Palácio do Planalto, mas dói muito mais para quem não tem como ganhar a vida honestamente com o suor do próprio rosto.

Segundo a PNADC a taxa de desocupação (pessoas que não estavam trabalhando, mas estavam procurando emprego) foi de 12,4% no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2019, subiu 0,9 ponto percentual em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (11,6%). Esta subida ocorreu em função de fatores sazonais, pois no início de cada ano a ocupação é, geralmente, menor do que no final do ano. Em relação ao trimestre móvel de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, quando a taxa foi estimada em 12,6%, o quadro foi de estabilidade. Mas é uma estabilidade perversa, pois significa 13 milhões de pessoas que desejam trabalhar, mas não conseguem vagas no mercado de trabalho.

Contudo, este quadro terrível de desemprego não retrata um problema mais grave do mercado de trabalho brasileiro. A PNADC mostra uma realidade mais tenebrosa, quando aplica a metodologia da taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial). Por este indicador o desemprego e o subemprego foi de 24,6% no trimestre compreendido entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, com altas de 0,8% em relação ao trimestre de setembro a novembro de 2018 (23,9%) e de 0,4% no confronto com o trimestre móvel de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (23,2%).

Isto significa que, no trimestre de dezembro de 2018 a fevereiro de 2019, havia aproximadamente 27,9 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil, o maior contingente da série histórica. Ou seja, depois de dois anos de grande recessão (2015 e 2016) e depois de dois anos de lenta recuperação (2017 e 2018) a subutilização da força de trabalho, ao invés de diminuir, alcançou o seu nível mais alto, mostrando que o Brasil está em uma rota insustentável e está desperdiçando os melhores momentos do bônus demográfico.

A PNADC detalhe este desperdício, mostrando que contingente de pessoas subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas (6,7 milhões) teve redução de -4,8% em relação ao trimestre anterior (-341 mil pessoas) e subiu 7,9% (mais 491 mil pessoas) em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018.

O contingente fora da força de trabalho (65,7 milhões) subiu em 595 mil pessoas (0,9%) comparado ao trimestre de setembro a novembro de 2018 e foi o maior da série histórica. Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, o indicador subiu 1,2% (mais 754 mil pessoas).

A população desalentada (4,9 milhões) ficou estável em relação ao trimestre setembro a novembro de 2018 e subiu 6,0% em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (4,6 milhões). Esse contingente atingiu seu maior nível na série histórica.

O percentual de pessoas desalentadas em relação à população na força de trabalho ou desalentada (4,4%) se manteve no recorde da série histórica, ficando estável em relação ao trimestre anterior e subindo 0,2 ponto percentual contra trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018 (4,2%).

A força de trabalho (pessoas ocupadas e desocupadas), foi de 105,2 milhões de pessoas e ficou estável em relação ao trimestre anterior. Frente ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve alta de 1,0% (mais 1,0 milhão de pessoas).

O número de pessoas ocupadas (92,1 milhões) teve queda (-1,1%) em relação ao trimestre anterior (menos 1,062 milhão de pessoas). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve alta de 1,1% (mais 1,036 milhão de pessoas).

O nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) foi de 53,9% no trimestre encerrado em fevereiro, com queda de -0,8 p.p frente ao trimestre anterior (54,7%). Em relação ao trimestre de dezembro de 2017 a fevereiro de 2018, houve estabilidade.

Na série da PNADC que começou em 2012, o recorde de pessoas ocupadas foi de 92,9 milhões de pessoas no quarto trimestre de 2014. De lá para cá, este número caiu, chegou a 92,1 milhões no último 12/2018 a 02/2019. Esta queda no número da força de trabalho ocupada é ainda mais preocupante quando se considera que a população total do país passou de 199,2 milhões de habitantes em 2012 para 209,2 milhões em 2018. Assim, a taxa de ocupação que chegou ao pico de 57% em 2014 caiu para cerca de 54%.

Portanto, a taxa de ocupação diminuiu no país em um momento de estagnação da produtividade, queda da renda e aumento da pobreza. Sem trabalho, o Brasil não tem futuro. Nunca houve tantas pessoas em idade de trabalhar no país. Mas o desperdício representado pelo alto nível de desemprego, subemprego e baixa taxa de ocupação é o mesmo que jogar fora a janela de oportunidade que a mudança na estrutura etária gerou e que vai se fechar em pouco tempo. Não existe exemplos históricos de nações que enriqueceram depois de envelhecer. O Brasil está desprezando os melhores anos de uma relação intergeracional favorável à decolagem do desenvolvimento.

São 27,9 milhões de brasileiros e brasileiras sem o direito humano básico ao trabalho decente. A continuar desta forma, a economia brasileira vai ficar eternamente presa na armadilha da renda média e vai dar adeus ao sonho de ser uma nação desenvolvida, não só como os parceiros mais ricos da OCDE, mas mesmo em relação às nações que são “rabos de elefante”, como Portugal e Grécia. Deixaremos de ser país “em desenvolvimento” para assumir, talvez para o resto da vida, o carimbo de nação subdesenvolvida e submergente.

Estado Crítico

Lançado no ú8ltimo dia 25 pelo Dieese, o Índice da Condição do Trabalho (ICT) demonstra o "estado crítico" vivido pelos trabalhadores, segundo o diretor técnico do instituto, Clemente Ganz Lúcio. "Estamos na UTI", afirmou, enquanto apresentava o novo indicador a dirigentes sindicais. O ICT, uma espécie de "IDH do trabalho", será divulgado trimestralmente.

A metodologia compreende uma variação de 0 a 1: quanto mais próximo de zero, pior a situação geral do mercado de trabalho. Para calcular o índice, são considerados oito fatores, reunidos em três grupos: inserção ocupacional, desocupação e rendimento. Todos têm o mesmo peso. Os dados utilizados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. Com isso, o Dieese já compôs uma série histórica, iniciada em 2012.

O dado mais recente, relativo ao último trimestre do ano passado, mostra um ICT de 0,36, com retração em relação a igual período de 2017 (0,39). Os resultados são ainda piores se considerados períodos anteriores. Em 2014, por exemplo, o índice chegou a 0,62, demonstrando uma redução drástica das qualidade das condições de trabalho.

Um período, como diz Clemente, de "explosão" do desemprego e de crescimento da informalidade. O mercado mostra "alta precarização, alta instabilidade e muita insegurança". Ele chama a atenção para profundas transformações que vêm atingindo o universo do trabalho.

Termômetro

"Além das inovações tecnológicas, temos observado que a organização das empresas também se transforma. E o sistema de relações do trabalho vem sendo alterado", afirma, citando a Lei 13.467, de "reforma" trabalhista. "Há um novo mundo do trabalho em termos de direitos. São múltiplas dimensões que afetam o mundo do trabalho."

A criação do ICT, acrescenta, traz justamente a preocupação de acompanhar essas mudanças para ajudar nos diagnósticos. Na comparação do diretor técnico, é uma espécie de "termômetro" para aferir as condições gerais da realidade atual do trabalho. Com o tempo, o Dieese pretende viabilizar leituras regionais do novo índice.

No ICT que acompanha a inserção ocupacional, por exemplo, o dado do último trimestre de 2018 é de 0,29, ante 0,33 um ano antes – já chegou a 0,72 na série histórica. Esse item considera três fatores: formalização do vínculo de trabalho, contribuição para a Previdência e tempo de permanência no emprego.

Cenário desfavorável

Já o índice relativo à desocupação ficou estável em 0,36. Mas no final de 2013, por exemplo, estava em 0,9, em um período de menores médias históricas do desemprego e crescimento da ocupação com carteira assinada. Esse grupo inclui desocupação/desalento, procura por trabalho há mais de cinco meses e novamente desocupação/desalento, desta vez dos responsáveis pelo domicílio.

O índice do rendimento considera o ganho por hora trabalhada e a distribuição dos rendimentos, um indicador que mede a desigualdade. Nesse caso, o ICT foi de 0,46 para 0,44. Já esteve perto de 0,6. Clemente observa que é o grupo que tem "movimento mais suave", sem variações extremas. 

A divulgação do ICT do primeiro trimestre deste ano deverá ocorrer entre final de maio e início de junho, dependendo dos resultados da Pnad Contínua. Pelas condições da economia e por se tratar de um período historicamente de menor atividade, o diretor do Dieese adianta: "Vai piorar".

Segundo ele, as condições gerais da economia não indicam melhoria daqui para a frente. Em 2019, a situação permanecerá crítica. Apenas um crescimento entre 3% e 4% permitiria falar em um começo de reação. Mas o próprio governo começa a rever suas projeções para o ano. As estimativas iniciais, em torno de 2,5%, agora estão em 1,7%. Mas o diretor técnico acredita que o Produto Interno Bruto (PIB) chegará a no máximo 1%.

Perguntas sem respostas

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Vamos aprovar a Reforma da Previdência e tudo vai se resolver na economia.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Bora tirar dinheiro de cursos de filosofia e botar em engenharia para ter retorno.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Esse comercial do Banco do Brasil é uma pouca vergonha. Tirem do ar.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

O nazismo era de esquerda.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Não estou censurando filme de ator americano no Brasil. Tenho mais o que fazer.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Governos anteriores investiam na formação de mentes escravas do socialismo.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

O Brasil não pode ser um país de turismo gay porque aqui temos famílias.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

E o PT?

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Nunca houve golpe militar no Brasil. Ditadura nunca existiu.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Vamos recolher essa cartilha voltada a jovens com recomendações para saúde porque há pais que não gostaram das ilustrações de órgãos sexuais.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Só existe democracia se as Forças Armadas quiserem.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

O Enem deixará de ser ideológico e passará a ser técnico.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Stroessner, ex-ditador do Paraguai, era um estadista.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

O que é uma golden shower?

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

Estamos irmanados com o presidente Donald Trump no combate à ideologia de gênero e ao politicamente correto.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

O cálculo da estimativa de desemprego do IBGE está errado. Tem que mudar isso aí.

Presidente, qual seu projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões?

A imprensa não sabe cobrir pauta positiva.

Presidente, o senhor não tem projeto para reduzir o desemprego, hoje em 13,1 milhões.

Fake News!

Precarização e medo

E não é apena o desemprego que assombra o trabalhador brasileiro.

Uma queda entre a cozinha e a lavanderia mudou a vida de Gertide Maria Lopes, que hoje se divide entre emprego, fisioterapias, consultas e exames. Por conta do acidente ocorrido no local de trabalho, em 2016, ela passou por três cirurgias nas duas pernas, tem três pinos e anda com dificuldade.

“O médico pediu mais exames, porque sinto formigamento, queimação, coceira e não consigo ficar mais do que uma hora de pé. Eu sinto muitas dores, tomo remédio frequentemente. Tenho que fazer exames, porque estou com risco de trombose nas pernas”, lamenta.

Gertide caiu no local onde trabalha como empregada doméstica há 19 anos em um apartamento luxuoso, de 200 metros quadrados, na região da Avenida Paulista.

Com ambientes amplos e claros, o imóvel é habitado por uma pessoa. De origem pernambucana, Gertide exerce o cargo de governanta, e diz que os trabalhos vão desde a limpeza, compras no mercado até a organização de festas. Quando ela comunicou o acidente de trabalho, a patroa disse: "Logo agora que minha família ia passar alguns dias em casa?".

A história de Gertide, de 58 anos, exemplifica a situação de milhares de trabalhadoras domésticas no país. A categoria é composta majoritariamente por mulheres, negras, mais velhas e com baixa escolaridade, segundo os últimos dados da Fundação Seade, especializada em estatísticas socioeconômicas e demográficas.

Só quando Gertide procurou a Previdência Social, descobriu que o seguro não estava sendo pago: "A patroa disse que só fazia dois meses que não estava pagando, mas o INSS informou que era um ano e seis meses. Descobri que não estava assegurada e não pude receber o beneficio”.

A governanta conta que passou necessidades básicas, pois não tinha dinheiro para pagar as contas e a medicação. "Eu não tinha luz, gás, nada, nem a medicação, e tinha que contar com a ajuda dos meus irmãos”, lembra.

Gertide ficou afastada por dois anos e três meses, mas após o período período de afastamento pelo INSS passou três meses sem receber salário.

A responsabilidade de comunicação do acidente de trabalho é do empregador, por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho. Esse documento garante que o trabalhador seja amparado financeiramente pelo auxílio-doença durante o período em que precisar ficar afastado do emprego para sua recuperação. O acidente de trabalho é caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS.

Para a médica do trabalho Maria Maeno, devido à precarização do mercado de trabalho, o trabalhador está com cada vez mais dificuldades de se afastar para cuidados com a saúde.

“Com vínculos curtos, menos estabilidade e precarização no mercado de trabalho, o trabalhador, mesmo sentindo dor ou adoecido, vai pensar muito mais para se afastar. No momento em que ele se afasta do trabalho, o risco de ser demitido aumenta. E isso aumenta também o presenteísmo, que é quando a pessoa trabalha mesmo adoecida, mas não tem produtividade por conta do estado de saúde”, ressalta.

O maior acidente de trabalho do Brasil

O crime socioambiental de Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, chocou o mundo. A tragédia ocorrida há três meses foi considerada o maior acidente de trabalho do país e o segundo maior do mundo. O número de vítimas fatais em Brumadinho chegou a 233, e cerca de 37 corpos seguem debaixo da lama tóxica, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais.

“Eu fazia planos, agora não faço mais. Eu vivo o agora, não vou viver o amanhã mais. Tiraram meu direito de sonhar. Não só meu, mas de muitas pessoas”, lamenta Luiz Sávio Castro, terceirizado da Vale como armador de ferragem e afastado pelo INSS. Aos 60 anos, Luiz é um dos trabalhadores sobreviventes de Brumadinho e hoje toma calmantes todos os dias, pois sofre com insônia, ansiedade e melancolia após a tragédia.

“Transporte de ida e volta para consultas médicas estão dando [a mineradora Vale]. Remédios, foi negado, como é o caso de um que tomo que custa R$ 80,00 e disseram que eu podia pagar. A Vale até agora não me procurou para nada. Sou eu que tenho que ir atrás, mas eles me humilham. A gente fica indignado.”

O trabalhador ressalta que é preciso que a Vale entenda que depois da tragédia “ela [Vale] precisa ter respeito, igualdade com todos os funcionários e terceirizados e que assuma o erro com dignidade, respeito e não fique só na embromação”. O setor mineral mata mais que os demais setores de atividades. É o que afirma Mário Parreiras de Faria, auditor-fiscal do trabalho e coordenador da Comissão Nacional Permanente do Setor Minerário.

“A indústria extrativa mineral é um setor que tem muitos acidentes de trabalho. As estatísticas mostram que em 2017 a taxa de mortalidade de trabalhadores nessa área foi superior às outras em 2,6%”, conta. “Ela também tem uma gama de fatores de risco que o tornam um motivo de preocupação para a auditoria, como exposição a ruídos e poeira, trabalho físico intenso, equipamentos pesados.” Para ele é essencial que se invista em fiscalização para se reduzir o número de acidentes. “Em Minas Gerais, temos apenas 230 auditores de fiscalização externa direta para os 863 municípios do estado. Ou seja, um número muito pequeno para o tamanho da demanda”, completa.

Área da saúde tem recorde de adoecimentos

De acordo com Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, o Brasil registrou, de 2012 a 2018, 4,5 milhões de acidentes de trabalho. Desses, quase 18 mil foram fatais. Estima-se que ocorra um acidente a cada 49 segundos.

A plataforma é desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Trabalhadores do setor de saúde têm a maior quantidade de ocorrências registradas, cerca de 10% dos casos.

As ocupações que possuem o maior número de registros predominam entre alimentadores de linha de produção com 5,5%, técnicos de enfermagem 5%, faxineiros 3,2%, serventes de obras 2,8% e motoristas de caminhão 2,4%.

Samira Alves* tem 48 anos e é servidora de um hospital público na zona leste de São Paulo (SP). Ela está afastada há cinco meses, pois sofreu perseguição e assédio moral no ambiente de trabalho.

"Lá [no hospital] eles não veem a doença. Principalmente as doenças psicossomáticas são consideradas ‘frescura’. Alguns não conhecem as doenças mentais ou não têm essa compreensão sobre o adoecimento do trabalhador", ressalta a trabalhadora.

A área em que Samira atua lidera as atividades econômicas que mais registram acidentes de trabalho em São Paulo, que é atendimento hospitalar. “O trabalhador que está doente física ou psiquicamente e precisa se manter em um trabalho onde se cobram metas e com condições precárias de trabalho tem a sua saúde ainda mais afetada. Vejo até enfermeiras estressadas, gritando com paciente, mas porque ela está doente, por conta de toda a pressão”, relata Samira.

O não reconhecimento da situação de adoecimento levou a trabalhadora a uma série de humilhações. Tudo começou com a síndrome do pânico: ela tinha dificuldades de sair de casa para trabalhar, e na sequência passou a ter uma série de doenças desencadeadas pelo trabalho, como ansiedade, diabetes, problemas de tireoide e psoríase. Para ela, o empregador deveria ter outro olhar sobre o adoecimento.

O inimigo silencioso do trabalhador rural

Pelo menos 152 registros de novos agrotóxicos foram liberados no Brasil nos primeiros 100 dias de governo Bolsonaro (PSL). O Brasil lidera o ranking mundial de uso de veneno.

Nos últimos anos, o número só cresceu. Em 2015, no governo Dilma Rousseff (PT), foram aprovados 139 novos agrotóxicos em um ano. Já em 2018, no governo Michel Temer (MDB), o número mais que triplicou, saltando para 450. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz , foram registrados 4 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no país em 2017, quase o dobro de registros em relação a uma década atrás. Em 2018, 154 pessoas morreram por conta do contato com o veneno.

“Podemos afirmar que todo cidadão está exposto de alguma forma aos agrotóxicos: tanto quem trabalha diretamente com os produtos em lavouras, fábricas com exposição direta ou consumidores que estão nas grandes cidades quanto quem nem tem contato com o produto, mas consome alimentos com agrotóxicos”, lembra Ada Pontes, médica da Universidade Federal do Ceará (UFC). O agrotóxico é um produto químico ou biológico utilizado para exterminar pragas das lavouras. Representantes do agronegócio usam o termo “defensivo agrícola” ou “fitossanitário” para afastar a imagem de que a substância é tóxica.

As consequências do uso de agrotóxicos podem afetar gerações. Márcia Xavier sofre os impactos na vida da família desde antes do falecimento do pai Zé Maria, morto em 2010, por ter denunciando o uso abusivo de agrotóxicos. “As consequências destruidoras possíveis, desde o cruel assassinato do papai, o sofrimento de ver pessoas morrerem com câncer, as injustiças e também a questão da Sophia hoje com seis anos com puberdade precoce”, enumera a moradora da Chapada do Apodi, que fica entre o Ceará e o Rio Grande do Norte.

Uma pesquisa recente realizada pela Faculdade de Medicina da UFC apontou o aumento no número de más formações congênitas e puberdade precoce na comunidade do Tomé, onde viveu Zé Maria, entre Limoeiro do Norte (CE) e Quixeré (CE).

Entre 2014 e 2015, foram constatados cinco casos de crianças que nasceram, quatro com más formações e uma com puberdade precoce. Outras três meninas com menos de um ano de idade desenvolveram puberdade precoce, e essas doenças tinham a ver com exposição a agrotóxicos”, revela o estudo.
No sangue e na urina de familiares das crianças, foi encontrada uma percentagem significativa de organoclorados, veneno proibido no Brasil. Seis a cada sete domicílios apresentaram altos índices de agrotóxicos na água.

Na Chapada do Apodi, onde aviões e tratores pulverizam agrotóxicos em plantações de frutas para exportação. Márcia conta que, na comunidade, é impossível não se ter contato com nenhum tipo de substância tóxica. “Elas estão na água, no ar, no solo, nas frutas. Meu contato é indireto, pois não sou agricultora, sou psicóloga, mas tenho muito cuidado com a alimentação, principalmente por conta da minha filha. Evitamos ao máximo o consumo de frutas e verduras, pois a concentração de agrotóxico nelas é incalculável”, alerta. Este ano, o governo do Ceará sancionou a lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea em todo o estado: “Essa lei é um marco histórico. Após a morte do papai, o problema ganhou visibilidade. Depois de falecido, ele ganhou voz. Como legado, ficou a sua coragem, bravura. Para nós, ele é eterno”, enaltece a filha.

Desafios para o ambiente de trabalho seguro e decente

Na década de 1990, um ambiente de trabalho era facilmente identificado por conta das condições insalubres e inadequadas para o trabalhador. Agora, os riscos são cada vez menos visíveis: pressão, metas e disponibilidade em tempo integral para convocação ao trabalho. É o que explica a médica do trabalho e pesquisadora Maria Maeno.

“O problema é quando nós temos um ambiente de trabalho aparentemente bom, mas que esconde por trás uma série de questões. Um exemplo são empresas que, ao primeiro olhar, têm um ambiente organizado, limpo, têm ar condicionado, mas o trabalhador tem que ter disponibilidade para trabalhar no período em que o empregador necessita”, exemplifica. “É o caso das jornadas flexíveis que beneficiam a empresa, mas não o funcionário, porque ele não consegue ter tempo livre para si mesmo. Esse é o típico sinal de precaridade do nosso tempo e que não é visível”, avalia a médica.

As doenças ocupacionais se enquadram na mesma legislação dos acidentes de trabalho. “A doença mental não está associada apenas ao trabalho, mas ela é desencadeada ou agravada pelas péssimas condições de trabalho, com pressões excessivas, assédio moral, e outras condições inadequadas”, completa.

Leonardo Osório, procurador do MPT e coordenador nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, diz que uma das ameaças no governo Bolsonaro é a aplicação da reforma trabalhista, que prevê o mínimo de prevenção e segurança no ambiente de trabalho.

“Quando ela desvincula a jornada de trabalho da questão de saúde e segurança do trabalho, quando ela permite gestantes e lactantes trabalharem em ambientes insalubres, quando ela permite uma jornada exaustiva em atividades também insalubres, ela tem o potencial de causar o prejuízo à saúde dos trabalhadores”, explica o procurador.

Segundo ele, há uma subnotificação dos dados de acidente de trabalho, que são apoiados apenas nos registros pela Previdência Social e não levam em conta os trabalhadores autônomos e informais acidentados.

*O nome da trabalhadora é fictício e foi trocado para preservar a fonte.
 


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *