19/04/2024 - Edição 540

Poder

Começa o ‘toma lá, dá cá’ pela aprovação da Reforma da Previdência

Publicado em 26/04/2019 12:00 -

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Líderes de cinco partidos governistas confirmaram que o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), ofereceu destinar um extra de R$ 40 milhões em emendas parlamentares até 2022 a cada deputado federal que votar a favor da reforma da Previdência no plenário da Câmara. A proposta foi feita na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na semana passada.

A estratégia de Onyx representa um acréscimo de 65% no valor que cada deputado pode manejar no Orçamento federal de 2019 para obras e investimentos de infraestrutura em seus redutos eleitorais.

Hoje, os congressistas têm direito a R$ 15,4 milhões em emendas parlamentares. Com os R$ 10 milhões extras por ano, esse valor pularia para R$ 25 milhões. O extra viria de rubricas de fora do volume reservado para as emendas, mas, segundo os deputados, o ministro não entrou em detalhes sobre a fonte.

Os deputados têm direito a emendas impositivas e, caso seja aprovada a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Orçamento impositivo, a partir de 2020, também passarão a ser de execução obrigatória os recursos de bancada.

Os valores propostos por Onyx, no entanto, não estão dentro de nenhum desses recursos.

Segundo técnicos, não existe a previsão legal de “emendas extraorçamentárias”, mas a prática é recorrente entre políticos.

A existência da proposta foi confirmada por deputados do DEM, PP, PSD, PR, PRB e Solidariedade. Todos passaram a informação mediante a condição de que não tivessem o nome publicado.

Uma das principais promessas de campanha de Jair Bolsonaro foi colocar um fim no chamado “toma lá dá cá”, que é a antiga prática de governos obterem apoio no Congresso em troca de cargos federais, verbas do Orçamento ou outras benesses da máquina pública.

A reforma da Previdência é a principal proposta deste início de gestão Bolsonaro. O texto foi apresentado ao Congresso Nacional no dia 20 de fevereiro.

A proposta elaborada pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes promete uma economia de mais de R$ 1 trilhão aos cofres públicos nos próximos dez anos.

O texto está em fase inicial de tramitação e foi votado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) na noite do último dia 24

A proposta teve dificuldade nesta primeira fase, na qual teve a votação adiada pelo menos três vezes: a previsão inicial do governo era que a constitucionalidade fosse analisada até o meio de março.

Na CCJ, a proposta andou apenas depois de o governo ceder e fechar acordo com os partidos do centrão para desidratar o texto já no primeiro colegiado. A CCJ é responsável por avaliar a constitucionalidade da proposta.

O governo e Maia defendiam que só se mexesse no texto na segunda fase. Após a votação de admissibilidade, a PEC precisa passar ainda por uma comissão especial, na qual terá analisado o mérito de toda a proposta.

Lá, a expectativa é que o texto seja ainda mais desidratado: já há consenso entre líderes da maioria dos partidos para que sejam alterados os pontos referentes à aposentadoria rural e ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos miseráveis.

Depois, se aprovada, a PEC irá ao plenário, onde precisará do apoio de pelo menos 308 deputados, em dois turnos, dos 513 deputados para seguir adiante.

A previsão de aliados de Maia é que a reforma seja votada no plenário da Casa apenas no segundo semestre deste ano.

Partidos do chamado centrão — PP, PR, PTB, PSD, PRB, entre outros — cobram da gestão Bolsonaro participação no governo e maior empenho na liberação das emendas para aprovar a medida.

Segundo os parlamentares, apesar da proposta de Onyx, não foi celebrado um acordo.

Alguns deles dizem desconfiar da palavra do Planalto, afirmando que nada garante que o governo irá cumprir a promessa pelos próximos quatro anos.

Uma ala defende a liberação dos recursos e vê com bons olhos a iniciativa de negociação do governo.

Segundo eles, é natural que parlamentares busquem contrapartidas para seus estados e municípios em votações de temas difíceis.

Toma lá, da cá

A Reforma da Previdência segue para a comissão especial da Câmara dos Deputados instalada com o objetivo de analisar a proposta. A partir de agora e até a votação no plenário, o governo Jair Bolsonaro vai resgatar o velho balcão de negócios usado entre o Poder Executivo e deputados federais interessados em vender apoio. Depois de levar surras em algumas votações, a articulação do governo aprendeu que a "nova política" proposta por um presidente que passou 28 anos no Congresso Nacional, na prática, não vale uma golden shower.

Em outras palavras, vai chover milhões para emendas parlamentares. Isso sem falar na reorganização da pauta de obras tocadas pelo governo federal a fim de atender aos clientes mais fiéis e da negociação de perdões bilionários de dívidas de produtores rurais com, ora, vejam só, o próprio sistema de previdência rural. Ou de normas e regras federais que podem ser alteradas atendendo a pedidos de grupos de interesse.

A solicitação de emendas para atender demandas justas da população faz parte da democracia. O problema é quando o processo de sua liberação inclui tomaladacás. A tática não é nova, pelo contrário, foi sistematicamente utilizada por todos os governos até aqui. Só na ditadura militar não era tão necessária porque, em última instância, era só cassar todo mundo, dissolver o Congresso Nacional, mandar partidos para a clandestinidade, tortura e matar políticos.

Desta vez, contudo, a liberação de emendas terá o objetivo claro de compensar o prejuízo eleitoral que os deputados terão ao votar a favor da mudança nas aposentadorias. Ou seja, torcer para que o povo fique tão feliz com um esperado asfaltamento de rodovia vicinal ou com uma nova escola (conquistas que deveriam ser garantidas independentemente de tomaladacás) que se esqueça de que vai ter que se aposentar mais para frente ou não se aposentar.

Enquanto isso, o governo federal vai despejar outros milhões de reais em propaganda pró-reforma em veículos de comunicação, agências de publicidade e redes sociais, com especial atenção ao Nordeste – onde está localizada a maior resistência. São campanhas feitas não para informar sobre o tema, com todos os lados da questão, abrindo o debate público, mas de convencer.

Pesquisa Datafolha aponta que 65% dos brasileiros são contra a proposta do governo de estabelecer a idade mínima de 62 anos para mulheres se aposentarem; 60% são contra ter que contribuir por 40 anos para conseguir aposentadoria integral; 63% são contra que o benefício da pensão por morte pago a viúvas e órfãos possa a ser reduzido a 60% do benefício original; e 61% defendem que trabalhadores rurais mantenham regras diferenciadas de aposentadoria. A pesquisa, divulgada em abril, identificou que 51% da população é contra a ideia de Reforma da Previdência e 41%, a favor. Ou seja, quando a proposta é dissecada, a rejeição aumenta.

O governo poderia ter dividido poder com outros partidos políticos, como seria previsível neste nosso presidencialismo de coalizão, e afastado o varejo parlamentar. Agora, teria vida mais fácil no parlamento, talvez pudesse até estar à frente da maioria na Câmara. Mas preferiu centralizá-lo, nomeando ministros e cargos importantes entre uma ala de extrema direita, uma ala militar e uma área que se autodenomina como técnica, apesar das barbeiragens que comete. Alijados de participar do poder, os partidos que não gostam de serem chamados de Centrão vão cobrar caro pela tramitação.

A Previdência precisa ser discutida e aprimorada para uma nova realidade etária e a redução de desigualdades. Mas seu conteúdo afeta sim a população vulnerável – e não apenas nas mudanças propostas para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o salário mínimo assistencial pago aos idosos em situação de miséria, e para a aposentadoria especial rural – voltada a pequenos produtores, pescadores, extrativistas. Aliás, se o grupo que não gosta de se chamado de Centrão não voltar atrás, esses dois pontos já estão fora.

Por exemplo, o aumento no tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos vai afetar a classe média baixa e baixa que já se aposentam por idade e mal conseguem contribuir as 180 parcelas mensais, imagine 240. E, o pior: com 20 anos, o recebimento não será de 90% da média salarial, como é hoje, mas 60%. O fim do abono salarial para quem ganha mais entre um e dois salários mínimos vai impactar muita gente. A alteração no recebimento de pensões, que deixam de ter o valor integral da aposentadoria, abre a brecha para órfãos e viúvas receberem apenas 60% de um salário mínimo. A previsão de introdução do sistema de capitalização com contas individuais é outra história, mal explicada, que pode reduzir os rendimentos dos aposentados mais pobres.  

Isso sem contar que a discussão pública está severamente contaminada. Com exceção de alguns veículos de comunicação, uma parte significativa da mídia destina a maioria ou todo o tempo de suas reportagens (atenção, nem estou falando de análises e opiniões) sobre a Reforma da Previdência para defendê-la. Questionados, dizem que estão cobrindo pontos de vista pragmáticos – como se o pragmatismo também não tivesse a sua ideologia. E criticam textos que levantam críticas, chamando-os de irracionais e antipatrióticos. Ao mesmo tempo, grupos de grandes empresários torram milhões em campanhas pela reforma – alguns pelo ajuste fiscal, outros pela promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de reduzir contribuições patronais num futuro sistema de capitalização, outros pela emoção.

Começa, agora, o vale-tudo pela aprovação da Reforma da Previdência. O quanto isso vai funcionar, depende. De quanto recurso o governo tem à disposição. E da incrível capacidade de Bolsonaro, família e equipe de serem a grande oposição a eles mesmos.

Em tempo: Quando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, diz que o governo não tem votos para aprovar a reforma, ele quer apenas lembrar que quem manda é ele.


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