26/04/2024 - Edição 540

Poder

Mesmo fora da cadeia, Lula só poderia disputar eleição em 2035, aos 89 anos

Publicado em 26/04/2019 12:00 -

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A redução da pena do ex-presidente Lula, definida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no último dia 23, terá impacto na discussão do caso do petista no STF (Supremo Tribunal Federal). A expectativa é que a 2ª Turma da corte reveja a condenação dele por lavagem de dinheiro.

Magistrados tanto do STJ quanto do STF afirmam que a decisão foi um marco, facilitando uma discussão mais serena do caso.

A declaração do ministro Marco Aurélio Mello, que disse ter “dúvida seríssima” sobre os dois crimes dos quais Lula é acusado —além de lavagem, também corrupção—, mostraria um pouco do clima de parte do STF em relação às condenações.

Lula disse que não se surpreendeu com o julgamento de seu recurso. “Não se trata de reduzir a pena, mas de pena nenhuma”, disse ele, por intermédio do deputado federal Emídio de Souza (PT-SP), que acompanhou a sessão ao lado de Lula na detenção da Polícia Federal em Curitiba. “Lula reitera que até agora não teve direito a um julgamento justo. E quer saber quando será julgado com um cidadão, não acima da lei, mas não abaixo dela”, descreveu o parlamentar.

“Nesse prédio há um homem que quer sair daqui, que se sente injustiçado, mas não sairá de cabeça baixa. Quer sair, mas quer sua inocência provada. Quer mostrar ao país que todas as acusações que fazem contra ele são rigorosamente falsas, não tem um dedo de verdade”, disse.

Para Emídio, que é advogado de Lula, o resultado do julgamento demonstra que o tribunal agiu de maneira combinada entre os juízes. “Não foi uma coincidência. Eles tinham uma combinação como já tiveram no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em janeiro de 2018, quando condenaram por três a zero”, afirma, destacando que o julgamento desta terça é mais um capítulo de um processo totalmente político. “É assim que o presidente enxerga. Um julgamento onde não vale prova, onde as provas da defesa são desconsideradas, onde a palavra do delator vale mais que qualquer outra coisa. Essa turma do STJ hoje, ao julgar, se colocou na linha de sequência do que se vem fazendo até aqui”, avaliou.

“Apesar da redução, podem apressar outros julgamentos que estão na fila. Lutas vão continuar e se intensificar a partir daqui. Reduziram parte da pena, mas continua sendo uma condenação injusta”, acentuou Emídio.

E voltou a afirmar que o sistema de Justiça criou um “problema”, pela forma abusiva como o processaram, o julgaram e o condenaram. “Eles criaram um problema e têm de resolver esse problema. Desde o power point inventado pelo Dallagnol, seguido pelo Moro, pelo TRF4 e agora pelo STJ”, criticou o deputado.

Cristiano Zanin Martins, advogado que integra a equipe de defesa de Lula, considerou a decisão da Quinta Turma do STJ um pequeno avanço. “Houve um primeiro avanço em relação à necessidade de debelar arbitrariedades e abusos praticados contra o ex-presidente Lula. Pela primeira vez um tribunal reconheceu que a pena aplicada pelo ex-juiz Sergio Moro (9 anos e 6 meses) quanto pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4, 12 anos e 1 mês) são abusivas”, observou. “É pouco, mas é o início.”

Zanin considera abertas as possibilidades nas instâncias superiores que ainda irão julgar o caso. “Esperamos que o Supremo Tribunal Federal e o Comitê de Direitos Humanos da ONU passam restabelecer a plenitude do Estado de direito.”

Conteúdo político

O advogado Luiz Carlos Rocha, que diariamente visita o presidente, também falou aos integrantes na Vigília Lula Livre, em Curitiba, ao lado de Emídio de Souza. “Não podemos esquecer que o mundo continua girando em torno da luta de classes. O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva está sendo julgado por inimigos naturais e históricos, que são seus adversários de classe”, comparou, criticando a composição elitista do Judiciário.

“Esse julgamento segue tendo um conteúdo político e que precisa ser dividido em duas parcelas: o que esses tribunais estão fazendo e o julgamento que nós temos de fazer, do que representou, representa e vai representar o presidente Lula daqui pra frente.”

Rocha estima que a redução de pena possa permitir ao ex-presidente, em setembro, mudar para um regime semiaberto. “Nós avançamos, mas a luta é dura, os adversários são terríveis. Por isso nossa resistência tem de ser tão dura, impetuosa e empedernida como a disposição deles em nos condenar.”

Só em 2035

Ainda que não seja condenado por um tribunal nas outras sete ações em que é réu, o ex-presidente só poderia se candidatar a partir de 2035, quando terá 89 anos, se mantida a decisão do STJ.

Lula está preso desde abril do ano passado na sede da Polícia Federal em Curitiba, após ter sido condenado por juízes do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). A partir dessa condenação, passou a ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.

Segundo a lei, ficam inelegíveis políticos condenados em decisão transitada em julgado ou por órgão colegiado "desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena" por uma lista de crimes que inclui lavagem de dinheiro.

Ou seja, supondo que a situação atual do ex-presidente com a Justiça se mantenha, ele não poderá concorrer às eleições até oito anos após o fim da pena. 

Como já cumpriu um ano, restam sete anos e dez meses. Mesmo que ele consiga a progressão de regime e fique em liberdade condicional, é contado todo o período.

Depois disso, seriam mais oito anos sem direito de concorrer às eleições. A proibição acabaria em fevereiro de 2035, quando ele teria 89 anos —em outubro, completaria 90.

Se as regras eleitorais continuarem como as de hoje, em 2035, ano ímpar, não haverá eleição —ele só poderia se lançar candidato em 2036, a prefeito ou vereador.

Há, no entanto, muitas hipóteses que podem modificar esses cálculos. A primeira delas é a futura decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) na análise do mérito do caso tríplex. O Supremo pode reduzir a pena ou ainda absolver Lula ou anular totalmente o processo.

Nesse caso, Lula estaria apto novamente a disputar as próximas eleições.

Outra possibilidade é a de que o TRF-4 condene Lula novamente em outro processo da Lava Jato. Em fevereiro, o petista foi condenado a 12 anos e 11 meses pela juíza Gabriela Hardt, na primeira instância em Curitiba, pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. A ação é referente ao caso do sítio de Atibaia (SP).

A defesa do ex-presidente recorre da decisão, que será analisada pelos três juízes da Oitava Turma da corte. Ainda há outros seis processos penais em andamento contra Lula no DF, SP e PR. ​

Os advogados também podem tentar argumentar na Justiça contra a inelegibilidade do ex-presidente, embora o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já tenha analisado o caso do petista quando ele tentou concorrer à Presidência no ano passado. Na época, o PT foi obrigado a trocar de candidato a presidente restando menos de um mês para o primeiro turno.

"Não acredito que o STF reduza a pena [de Lula]. E já foi discutido se essa condenação em particular gera inelegibilidade, e o TSE entendeu que sim", diz Márlon Reis, ex-juiz eleitoral. Ele foi um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa e deixou a magistratura para se candidatar a governador do Tocantins em 2018, pela Rede.

No último dia 24, o novo juiz da Lava Jato no Paraná, Luiz Bonat, que ocupa o posto que era de Sergio Moro, determinou no caso do sítio que as defesas apresentem em um prazo de oito dias suas contrarrazões, uma das últimas etapas do processo na primeira instância. Ainda faltarão formalidades para o envio ao segundo grau.

Pelo histórico dos trabalhos na segunda instância da Justiça Federal, o ex-presidente atingirá a marca que possibilita a sua saída da prisão em setembro, antes da definição do caso que pode barrar esse benefício.

Se a condenação do sítio for confirmada pelo TRF da 4ª Região, Lula ficará sem a possibilidade de ter a sua saída da prisão revista em prazo tão curto, sem depender do STF.

TRF-4 pode interceptar Lula a caminho do céu

Ao injetar no drama criminal de Lula a perspectiva de migrar da cela de 15 m² para o regime semiaberto, antessala da prisão domiciliar, o STJ colocou o preso numa espécie de trilha para o céu. Mas criminalistas companheiros acreditam que Lula será devorado por um tribunal-antropófago, o TRF da 4ª Região, a caminho do inferno.

Acredita-se que o TRF-4 jogará água no chope que o STJ acaba de servir a Lula confirmando rapidamente a sentença de 12 anos e 11 meses que a juíza Gabriela Hardt lhe impôs em fevereiro. Nessa hipótese, a nova pena seria somada à do tríplex, que o STJ acaba de reduzir para 8 anos e dez meses. O castigo de Lula subiria para 21 anos e 9 meses.

Se já estiver no semiaberto ou arrastando uma tornozeleira em casa, Lula terá de voltar para o regime fechado. Mesmo descontando-se o tempo de prisão que já cumpriu, o ex-presidente petista só atingiria a marca de um sexto da pena no alvorecer de 2022.

Até lá, apenas o Supremo poderia salvá-lo, revertendo a jurisprudência que permite a prisão de condenados em segunda instância.

Para desassossego de Lula, o TRF-4 não tem o hábito de segurar o relógio. No caso do tríplex, demorou seis meses e 12 dias para confirmar a sentença proferida pelo então juiz Sergio Moro.

Mantido o mesmo ritmo, não seria negligenciável a hipótese de que a sentença emitida pela doutora Gabriela em fevereiro seja ratificada na segunda instância até setembro, mês em que Lula terá direito de reivindicar a progressão de regime. Talvez por isso, a defesa do presidiário ainda não protocolou recurso sobre o sítio de Atibaia no TRF-4.

Para Lula, a fronteira entre o céu e o inferno passou a ser demarcada pela capacidade dos seus advogados de atrasar o relógio dos desembargadores do TRF-4, enquanto tentam a sorte no STF. Há outras seis ações penais voando. Mas encontram-se em estágio menos avançado.


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