25/04/2024 - Edição 540

Especial

A corrupção nossa de cada dia

Publicado em 11/08/2014 12:00 -

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Corrupção. Segundo o Aurélio, “Ação ou efeito de corromper, de fazer degenerar; depravação. / Ação de seduzir por dinheiro, presentes etc., levando alguém a afastar-se da retidão; suborno”. Santo Agostinho explica a etimologia: corrupção é ter um coração (cor) rompido (ruptus) e pervertido. O pessoal da ONG Transparência Internacional – tem uma definição mais contemporânea: “Corrupção é o abuso do poder para benefício privado”.

Ocorre que estas definições encontram variantes dependendo de a quem o ato de corromper ou ser corrompido se refere. No Brasil, o eterno “jeitinho” muitas vezes transita pela corrupção sem que as pessoas se deem conta de que é exatamente ali, nas coisas comuns do dia a dia, que é plantado o fruto da permissividade que transforma o Brasil na 72ª nação mais corrupta do planeta.

Segundo recente estudo da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) anualmente a corrupção suga R$ 84.5 bilhões dos cofres públicos. Se aplicado na saúde, este montante permitiria um aumento de 89% no número de leitos nos hospitais. Na educação, abriria 16 milhões de novas vagas nas escolas, Na construção civil, viabilizaria a construção de 1,5 milhões de casas.

Segundo recente estudo da Federação das Indústrias de São Paulo anualmente a corrupção suga R$ 84.5 bilhões dos cofres públicos.

Para o jornalista e analista político Eron Brum, o jeitinho brasileiro, que era uma qualidade nossa – enfrentar as dificuldades com otimismo, rir das próprias desgraças, dar nó em pingo d’água para dar a volta por cima e não medir esforços para ajudar o próximo – se transformou em atividade ilícita, criminosa.

“Hoje o tal jeitinho é sinônimo de levar vantagem, custe o custar, doa a quem doer. As ‘pequenas corrupções’, como furar a fila do banco ou do supermercado ou tentar subornar o guarda, ganharam corpo e se transformaram em milhões, bilhões de reais assaltados dos cofres públicos por alguns governantes”, afirma Brum.

Uma pesquisa realizada pela Semana On no Facebook e nas ruas de Campo Grande (MS) mostrou que a maioria das pessoas considera que a corrupção que se comete nos altos escalões da política é mais grave do que àquela cometida pelo simples cidadão. Entre os entrevistados 54,26% concordaram com esta afirmativa. Apesar disso, 89,09% dos entrevistados disseram que o ato de oferecer dinheiro a um policial para escapar de uma multa – exemplo típico das “pequenas corrupções” citadas por Brum – pode ser considerado um ato de corrupção.


Outros números que chamam a atenção são os que se referem à aceitabilidade da corrupção como prática individual. Arguidos se em algum momento de suas vidas já haviam apelado para a corrupção para resolver algum problema, 45,45% dos entrevistados disseram que sim. No entanto, quando incitados a reconhecerem a prática ilícita nos outros, este percentual aumentou significativamente: 76,36% dos entrevistados disseram conhecer pelo menos uma pessoa que já apelou para a corrupção para resolver algum problema.

Finalmente, a pesquisa pediu que se atribuísse uma nota de 1 a 5 para a corrupção como algo que prejudica a vida das pessoas. Os entrevistados deram uma nota média de 2,95 a este aspecto. No entanto, quando lhes foi pedido que atribuíssem uma nota de 1 a 5 à corrupção como algo que prejudica o país, a nota média subiu para 4,67%.

“É uma relação de conveniência e o exemplo que considero mais comum é o das eleições. O nosso interesse eleitoral acontece apenas algum tempo antes de apertar a tecla para votar. Não temos o costume de analisar a vida do candidato, até nos esquecemos em quem votamos e, para nós, todos os políticos são corruptos. Ora, se consideramos todos os políticos corruptos será que não temos a nossa parcela de culpa? E se fizermos uma espécie de operação pente fino no nosso cotidiano será que também não cometemos as nossas falhas, até para depois contar aos amigos que levamos vantagens nisto ou naquilo? Há alguns anos, no auge do famoso Mensalão, um instituto de pesquisa realizou consulta nacional sobre corrupção e o resultado foi desolador: a maioria dos brasileiros confessou que, se tivesse oportunidade, cometeria o mesmo crime”, analisa Eron Brum.

Público e privado

Para Paulo Silvino Ribeiro, professor de sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a corrupção e a falta de "sensibilidade moral" acontece quando se confunde as esferas públicas e privadas, coisa historicamente comum no Brasil. "As duas coisas, que deveriam ser distintas, onde aquilo que é de meu interesse é privado e o que é público é de interesse coletivo, se tornaram indistintas na nossa cultura. Hoje, entendemos melhor o privado e o publico, mas há um ranço histórico muito grande", explica. 

Marcos Otávio Bezerra, professor de sociologia e antropologia da Universidade Federal Fluminense, diz que a formulação de falta de delimitação entre o público e privado pode ser fraca quando se pensa praticamente. “As pessoas que se apropriam dos recursos públicos sabem que estão fazendo isso. Inclusive, por serem públicos, elas acham que podem dar um outro destino, voltado para seu interesse”.

Segundo ele, a corrupção dentro das instituições públicas é agravada pelo exemplo que as autoridades deveriam dar e pela total consciência do que se está sendo feito. “Essas pessoas estão ocupando funções publicas, os políticos e pessoas que ocupam posições no executivo têm a obrigação de dar o exemplo. Elas estão numa posição que trabalham em prol do publico, pelo menos deveriam. E tem essa visibilidade. As pessoas pensam ‘se eles fazem eu vou fazer também’, então é um mau exemplo. Elas estão nas posições mais altas na hierarquia brasileira e funcionam como um contraponto para o cidadão”, critica.

“Além disso, as pessoas que ocupam essas posições tiveram as melhoras oportunidades de vida, moraram bem, estudaram, tem salários adequados para a vida delas, elas, em tese, não precisariam fazer o que elas fazem. Não é por falta de informação, recursos econômicos”, completa.

Entre os mais corruptos

O Brasil ficou com a 72ª colocação no ranking do Índice de Percepção da Corrupção, divulgado no fim do ano passado pela Transparência Internacional.

O índice, analisado em 177 países, é um levantamento de como instituições veem o setor público. Cada país recebe uma nota, de 0 a 100. A maioria ficou abaixo de 50, o que – como num boletim escolar – significa que foram reprovados. O Brasil é um dos repetentes.

"Isso não é uma boa notícia, porque o Brasil é um líder que deveria mostrar um melhor resultado. O país é uma economia emergente de primeiro nível e quer se colocar como um ator internacional relevante, mas, quando se trata de boa governabilidade, está indo mal”, afirma Alejandro Salas, diretor regional para as Américas da Transparência Internacional.

A pontuação média dos países da América Latina é de 39 – valor muito próximo dos países árabes (37) e dos países africanos (33). Em comparação, países da Europa Ocidental obtiveram, em média, 66 pontos – entre eles, a líder do ranking, Dinamarca (91), empatada com a Nova Zelândia –, além da Finlândia (89), com a mesma pontuação da Suécia. A Alemanha ficou na 12ª posição, com 78 pontos.

"Nada contra os países africanos ou árabes, mas a América Latina, onde existem sistemas eleitorais democráticos funcionando, eleições e um pouco mais de liberdade de expressão – coisas que vários países árabes e africanos não têm –, deveria estar mais próxima da pontuação média da Europa do que da África", diz Salas.

Ele cita que a região latino-americana possui instituições públicas e organizações da sociedade civil que atuam contra a corrupção, além de os países terem assinado tratados e convenções internacionais contra a corrupção e a maioria dos países possuírem leis de acesso à informação pública.

"Mas é preciso usar essa infraestrutura. É como construir uma ponte muito moderna e não poder usá-la. Isso é o que está acontecendo na América Latina: os líderes políticos e a sociedade civil têm a responsabilidade de fazer funcionar essa infraestrutura. Isso explica, na minha opinião, porque estamos tão abaixo e próximos, na pontuação média, de países africanos e árabes", afirma.

O que pensam os brasileiros

Segundo a pesquisa da Transparência Internacional, 35% dos brasileiros acreditam que o nível de corrupção no país continua igual nos últimos dois anos e 47% consideram que ela aumentou.  Em relação à corrupção no setor público, 70% da população acredita que é um problema gravíssimo. A pesquisa revela ainda que 56% dos brasileiros acham que a ação do governo no combate à corrupção é ineficaz.

Outros dados importantes revelados pelo estudo: os partidos políticos são de longe os mais afetados pela corrução no Brasil segundo 81% dos entrevistados. Os deputados e senadores aparecem em segundo lugar entre os mais envolvidos em corrupção com 72%.

Ainda de acordo com a pesquisa, 70% dos brasileiros acreditam que há corrupção na polícia, 55% nos serviços médicos e hospitais e 50% consideram que a justiça também não escapa da corrupção. Por outro lado, 81% dos brasileiros entrevistados disseram acreditar que pessoas comuns podem ajudar a combater a corrupção.

Para Alejandro Salas, apesar de o mundo continuar muito corrupto, há razões para otimismo porque há mais manifestações populares. "Isso mostra que as pessoas estão alertas e dispostas a lutar por seus direitos", afirma.

Os três pilares da corrupção no Brasil

O filósofo e escritor Leonardo Boff atribui três causas para a corrupção endêmica no Brasil. A primeira, histórica: “Somos herdeiros de uma perversa herança colonial e escravocrata que marcou nossos hábitos”. Segundo Boff, a colonização e a escravatura são instituições objetivamente violentas e injustas. “Então as pessoas, para sobreviverem e guardarem a mínima liberdade eram levadas a corromper. Quer dizer: subornar, conseguir favores mediante trocas, peculato (favorecimentoilícito com dinheiro público) ou nepotismo. Essa prática deu origem ao jeitinho brasileiro, uma forma de navegação dentro de uma sociedade desigual e injusta e à lei de Gerson que é tirar vantagem pessoal de tudo.”

A segunda causa é política: “A base da corrupção política reside no patrimonialismo, na indigente democracia e no capitalismo sem regras”. Para ele, no patrimonialismo não se distingue a esfera pública da privada. “As elites trataram a coisa pública como se fosse sua e organizaram o Estado com estruturas e leis que servissem a seus interesses sem pensar no bem comum. Há um neopatrimonialismo na atual política que dá vantagens (concessões, médios de comunicação) a apaniguados políticos”.

Finalmente, Boff aponta a cultura como a terceira causa da corrupção brasileira: “A cultura dita regras socialmente reconhecidas. Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: ‘Hoje sabemos que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições’.”. De acordo com o filósofo, os corruptos são vistos como espertos e não como criminosos que de fato são. “Via de regra, podemos dizer que quanto mais desigual e injusto é um Estado e ainda por cima centralizado e burocratizado como o nosso, mais se cria um caldo cultural que permite e tolera a corrupção”.

Como combater a corrupção? Segundo Leonardo Boff pela transparência total, pelo aumento dos auditores confiáveis que a atacam antecipadamente.


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