24/04/2024 - Edição 540

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STF e Dodge se enfrentam, e ministro prorroga inquérito sobre fake news por 3 meses

Publicado em 19/04/2019 12:00 -

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A Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal se enfrentaram por causa do inquérito aberto em março pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli, para apurar fake news, ofensas e ameaças contra os ministros.

A procuradora-geral, Raquel Dodge, enviou manifestação ao STF avisando o ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito, sobre sua decisão de arquivar o caso.

Moraes rebateu a manifestação, afirmando que ela não tem respaldo legal e que o inquérito prossegue. O ministro afirmou que a investigação foi prorrogada por Toffoli por mais 90 dias. Só depois desse período ela será enviada à PGR para conhecimento e eventuais providências solicitadas pelo órgão. Até lá, o procedimento é sigiloso, inclusive para o Ministério Público.

O ministro do STF Edson Fachin deu cinco dias de prazo para Moraes apresentar informações sobre o inquérito que apura as fake news. A decisão foi tomada após a Rede acionar o Supremo contra a censura aos sites — Fachin  é relator nesta ação. 

O enfrentamento entre PGR e Supremo se deu em meio a uma operação da Polícia Federal, ordenada por Moraes, que apreendeu computadores e celulares de sete suspeitos —um deles, general da reserva— de divulgar informações criminosas contra magistrados do STF. 

O controverso inquérito sobre fake news foi aberto por Toffoli de ofício (sem provocação de outro órgão) no mês passado, num momento em que o Supremo esteve no alvo das críticas de procuradores da Lava Jato após decisão do plenário de enviar casos de corrupção para a Justiça Eleitoral, e não Federal.

Toffoli escolheu, sem sorteio, Moraes para presidir a investigação e excluiu o Ministério Público dela —o que gerou críticas de colegas da corte, que disseram nem terem sido consultados, como o ministro Marco Aurélio.

Na manifestação desta terça, a PGR afirmou que, apesar de não participar do inquérito, é a titular da ação penal —o único órgão com legitimidade para levar adiante uma acusação. Portanto, no entendimento de Dodge, só cabe a ela decidir pelo arquivamento ou continuidade do caso.

Dodge disse a Moraes que o órgão não vai promover ações penais que resultem desse inquérito, pois ele desrespeitou o devido processo legal.

“Registro […] que nenhum elemento de convicção ou prova de natureza cautelar produzida [nesse inquérito] será considerada pelo titular da ação penal […]. Também como consequência do arquivamento, todas as decisões proferidas estão automaticamente prejudicadas”, escreveu Dodge.

Se o entendimento dela vingasse, as medidas de busca e apreensão e a censura aos sites seriam invalidadas.

“A situação é de arquivamento deste inquérito. No sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, exerce funções penais indelegáveis”, continuou Dodge.

“O sistema penal acusatório estabelece a intransponível separação de funções: um órgão acusa, outro defende e outro julga. Não admite que o órgão que julgue seja o mesmo que investigue e acuse”, sustentou a procuradora-geral.

“O pleito da procuradora-geral da República não encontra qualquer respaldo legal, além de ser intempestivo [fora do prazo], e, se baseando em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da corte e anular decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal”, rebateu Moraes em sua decisão.

O ministro afirmou que o sistema acusatório implantado em 1988 deu ao Ministério Público a exclusividade da ação penal, mas não a estendeu à fase de investigação, pois manteve a presidência de inquéritos com os delegados de polícia “e, excepcionalmente, no próprio STF, por instauração e determinação de sua presidência, nos termos do [artigo] 43 do regimento interno”.

Esse artigo estipula que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito”.

Críticos da interpretação que Toffoli deu a esse trecho do regimento argumentam que os ataques pela internet não são na sede do Supremo. Porém, pelo entendimento adotado por Toffoli, os ministros atacados na internet representam o próprio tribunal. O regimento interno do Supremo tem força de lei.

Ao tratar do hibridismo do sistema investigatório no Brasil, que admite participação do Ministério Público e também da polícia, a decisão de Moraes tocou em pontos caros para os procuradores, como a questão de quem pode assinar acordos de delação premiada.

Moraes lembrou que o plenário do STF autorizou que delegados de polícia também celebrem esses acordos —a PGR pedia para ter exclusividade. A mensagem foi vista como uma forma de mostrar ao órgão que sua atuação tem limites.

Outras entidades entraram no enfrentamento com o Supremo nesta terça. A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) pediu ao Supremo um mandado de segurança para suspender o inquérito sobre fake news, sob o argumento de que abertura foi um “claro abuso de poder”.

Caso a corte entenda que a investigação deve prosseguir, a ANPR requereu que a PGR seja previamente comunicada de qualquer ação contra procuradores, como depoimentos, prisões, ordens de busca e apreensão e censura.

Quando Toffoli instaurou o inquérito, havia a expectativa de que entre os alvos estivessem procuradores da República, como um ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, Diogo Castor, que escrevera em um artigo para o site O Antagonista que o STF preparava um golpe contra a operação.

Ala do STF quer o fim do ‘inquérito fake’ de Toffoli

A revogação da censura à notícia que encostou o delator Marcelo Odebrecht em Dias Toffoli não encerrou o pesadelo que atormenta o Supremo Tribunal Federal. Cresce entre os ministros da Corte a onda de críticas ao inquérito sigiloso que Toffoli abriu no mês passado, invocando seus poderes de presidente. Uma ala do tribunal deseja o fim do processo. Avalia-se que o próprio Toffoli deveria articular a providência, sob pena de sofrer um revés no plenário.

Um dos ministros que criticam a iniciativa de Toffoli referiu-se à investigação sobre ataques à Suprema Corte nas redes sociais e ameaças virtuais aos seus membros com uma expressão ácida: "inquérito fake". Ecoou em reservadamente críticas que o colega Marco Aurélio Mello trombeteia em público

O inquérito não deveria ter sido aberto de ofício, à revelia do Ministério Público Federal, declarou. Alexandre de Moraes, o relator escolhido por Toffoli sem sorteio, não deveria ter ignorado a porta do arquivamento, aberta por uma petição da procuradora-geral da República Raquel Dodge.

Mesmo ministros que nutriam simpatia pela ousadia de Toffoli admitem que o inquérito inaugurado por ele revelou-se um tiro contra o próprio pé. Em vez de inibir as críticas ao Supremo e aos seus ministros, a iniciativa multiplicou os ataques, magnificando a agressividade. A ala que foge do contágio imagina que o melhor remédio é um pronunciamento do plenário do Supremo.

Caberá ao ministro Edson Fachin, relator dos recursos protocolados no Supremo contra o "inquérito fake", submeter a encrenca ao jugamento do plenário. Se quisesse, Fachin poderia abreviar o drama suspendendo o inquérito por meio de uma decisão liminar (provisória). Entretanto, considerando-se o tamanho da polêmica, Fachin talvez prefira dividir a decisão com os colegas, mesmo antevendo a exposição de fraturas internas diante das lentes da TV Justiça.

Fachin aguarda as informações que requisitou ao relator Alexandre de Moraes para anunciar sua decisão. Se optar pelo julgamento em plenário, terá de requisitar a Tofolli a inclusão do tema na pauta. Uma alternativa menos custosa seria o próprio Toffoli se entender com Moraes para construir uma saída honrosa —ou menos desonrosa.

Por exemplo: Moraes daria por encerrado o inquérito no âmbito do Supremo. Como não há investigados com foro privilegiado, o relator transferiria os indícios colecionados até aqui para a primeira instância. E a Suprema Corte mudaria de assunto. O problema é que, tomado por suas declarações mais recentes, Toffoli não parece disposto a dar o braço a torcer.

Para entender

Em março, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para apurar fake news, ameaças e ofensas caluniosas, difamatórias e injuriosas a ministros e seus familiares.

No último dia 16, após a Polícia Federal cumprir mandados de busca e apreensão, a procuradora-geral, Raquel Dodge, enviou ofício ao STF em que afirma ter arquivado o inquérito. Ela já havia pedido esclarecimentos sobre a investigação e sugerido que o STF extrapolou suas atribuições. Moraes, contudo, decidiu manter o inquérito, que foi prorrogado e corre em sigilo.

Também no âmbito do inquérito, o ministro mandou tirar do ar, no dia 12, reportagem dos sites da revista Crusoé e O Antagonista que ligavam Toffoli à empreiteira Odebrecht. No dia 18, Moraes voltou atrás e derrubou a censura.

A investigação foi aberta em uma semana marcada por derrotas da operação Lava Jato no STF e troca de farpas entre magistrados, congressistas e membros da força-tarefa em Curitiba.

O anúncio causou descontentamento no Congresso e no Ministério Público. Podem ser alvo parlamentares e procuradores que, no entendimento dos ministros, tenham levado a população a ficar contra o tribunal.

O inquérito também tem enfrentado críticas dentro da própria corte. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, defende que a apuração seja encaminhada ao Ministério Público, uma vez que a competência do Supremo é julgar, não acusar. A ideia também é defendida por Luiz Fux.

Quais os últimos desdobramentos ligados ao inquérito?
Na terça (16), a Polícia Federal realizou operação em Brasília e em São Paulo para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados a pessoas que supostamente teriam promovido ataques ao STF. O relator do inquérito, Alexandre de Moraes, também pediu o bloqueio de redes sociais de sete suspeitos. Em março, a PF já havia cumprido dois mandados de busca e apreensão em Alagoas e São Paulo.

Além disso, na sexta (12), Moraes determinou que os sites da revista Crusoé e O Antagonista retirassem do ar reportagem e notas publicadas sobre uma menção ao presidente do STF, Dias Toffoli, feita em um email pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht. Nesta quinta (18), Moraes voltou atrás e derrubou a censura.

O que pensa a PGR sobre o inquérito?
Na terça (16), a procuradora-geral, Raquel Dodge, enviou ao STF um ofício no qual afirma que suspendeu o inquérito. Para Dodge,  como o Ministério Público é o único órgão com legitimidade para levar adiante uma acusação, caberia a ele decidir se arquiva ou se dá continuidade ao caso.

E o que fez o STF a respeito da decisão de Dodge?
Moraes disse que a manifestação da PGr não tem aparo legal. Para ministros e juristas, a palavra final sobre um inquérito cabe ao juiz, não ao Ministério Público.

Moraes decidiu manter o inquérito, que foi prorrogado por mais 90 dias. 

O que diz a lei?
Pelo Código de Processo Penal, o arquivamento de um inquérito passa pela avaliação do juiz (artigo 28). No mesmo sentido, o Regimento Interno do STF dispõe que é atribuição do relator determinar a abertura ou o arquivamento de um inquérito quando a Procuradoria assim requerer (artigo 21).

O que Dodge afirma é que, em casos em que o Ministério Público aponta a impossibilidade de abrir ação penal sem violar o devido processo legal, só resta ao juiz determinar o arquivamento.

O que pode acontecer agora?
Há a expectativa de que o arquivamento do inquérito e medidas relacionadas a ele sejam discutidos no plenário, pelos 11 ministros.

Um caminho para que isso aconteça é Dodge recorrer da decisão individual de Moraes de não arquivar a investigação, como ela queria. A procuradora-geral pode pedir que o ministro reconsidere ou, se assim não for, que remeta o caso ao colegiado.

Outro meio é por questionamentos feitos em processos separados, como um ajuizado pela Rede e outro pela ANPR (associação dos procuradores), que argumentam que o inquérito desrespeitou o ordenamento jurídico.

Quais as chances de o inquérito se transformar em ação penal?
Para que isso aconteça, é preciso que o Ministério Público apresente a denúncia, e Dodge defende o arquivamento. Se a posição da procuradora-geral não mudar, o inquérito não deve resultar em punições.

Moraes, no entanto, disse anteriormente que não caberá à PGR oferecer eventuais denúncias. As provas coletadas deverão ser enviadas para membros do Ministério Público que atuam na primeira instância no local onde os supostos crimes tiverem sido cometidos.

Que pontos do inquérito estão sendo questionados?

Ato de ofício
Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: uma investigação aberta de ofício pela 2ª Turma no ano passado para apurar o uso de algemas na transferência de Sérgio Cabral (MDB-RJ).

Competência
A investigação foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga, pois isso pode comprometer sua imparcialidade.

Relatoria
O presidente da corte designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas em plenário. Moraes vai determinar as diligências investigativas.

Foro
O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigação não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial. Moraes disse que, localizados os suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los.

Regimento
Toffoli usou o artigo 43 do regime interno do STF como base para abrir a apuração. O artigo diz que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito”. Críticos dizem que os ataques pela internet não são na sede do Supremo, mas Toffoli deu uma interpretação ao texto de que os ministros representam o próprio tribunal.

Liberdade de expressão
Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas consideradas "suspeitas de atacar o STF". A decisão tem sido criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura à Crusoé e ao site O Antagonista.


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