08/05/2024 - Edição 540

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Em derrota de Toffoli, Moraes recua e revoga censura a sites

Publicado em 19/04/2019 12:00 -

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O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), revogou na quinta-feira (18) decisão dele próprio que censurou os sites da revista Crusoé e O Antagonista após publicarem reportagens sobre o presidente da corte, Dias Toffoli.

A decisão foi tomada depois de duras críticas de juristas, entidades de jornalismo, Ministério Público, e de ministros do Supremo, entre eles o decano, Celso de Mello, à censura. O recuo é uma derrota para Toffoli, que chegou a defender a censura em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Relator de inquérito aberto para apurar fake news, ofensas e ameaças contra o Supremo, Moraes determinou que fossem retiradas do ar reportagens que faziam menção ao apelido de Toffoli na Odebrecht com base em um documento entregue pela empreiteira à Lava Jato em Curitiba.

A ordem, divulgada no dia 15, foi dada após um pedido de providências do presidente da corte. A reportagem inicial da revista Crusoé foi publicada na noite do dia 11.

Os veículos censurados publicaram textos com uma menção a Toffoli feita pelo empresário e delator Marcelo Odebrecht em um email de 2007, quando o atual presidente do Supremo era chefe da AGU (Advocacia-Geral da União) do governo Lula (2003-2010).

No email, enviado agora à Polícia Federal pelo empresário no âmbito de uma apuração da Lava Jato no Paraná, Odebrecht pergunta a dois executivos da empreiteira: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?". Não há menção a pagamentos ou irregularidades.

O recuo de Moraes em relação à censura evita mais desgaste para ele e Toffoli, que ficaram isolados na defesa da decisão. Deve impedir também um provável revés no plenário, caso um recurso levasse o caso para julgamento no colegiado.

Em sua decisão, Moraes alega que comprovou-se que o documento publicado pela revista Crusoé, com menção a Toffoli, "realmente existe", segundo ele escreveu, e fora enviado pelas autoridades de Curitiba à Procuradoria-Geral da República.

Na reportagem publicada no dia 11, a Crusoé informou que o documento da Odebrecht havia sido remetido à procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Ao determinar a censura, Moraes argumentou que a PGR havia negado ter recebido o material citado pela revista. Por isso, na avaliação do ministro, a informação publicada até então era falsa.

Na verdade, o material, autêntico, foi enviado no início da noite daquele dia à Procuradoria, em Brasília. "Na matéria jornalística, ou seus autores anteciparam o que seria feito pelo MPF do Paraná, em verdadeiro exercício de futurologia, ou induziram a conduta posterior (do Ministério Público)", diz Moraes.

Com isso, segundo o ministro, torna-se "desnecessária a manutenção da medida determinada cautelarmente", no caso, a censura. Moraes afirmou ainda no despacho que são "infundadas alegações de que se pretende restringir a liberdade de expressão".

Em nota, o publisher da revista Crusoé, Mário Sabino, e o diretor de Redação, Rodrigo Rangel, agradeceram o apoio recebido "mostrando o absurdo da decisão do ministro do STF e exigindo que a liberdade de imprensa fosse plenamente restabelecida". "Importante também foi o apoio de diversos juristas e entidades dos mais variados campos. Agora é enfrentar o inquérito inconstitucional", disseram.

Advogado das publicações, André Marsiglia Santos disse ver o recuo como "uma importante vitória da liberdade de imprensa e de expressão".

"Com essa decisão, as publicações que foram censuradas poderão ser trazidas de volta ao espaço público, de onde nunca deveriam ter saído", afirmou ele. Os sites aguardam ser notificados oficialmente para encaminhar a republicação dos conteúdos.

"O entendimento da defesa é o de que a primeira decisão do ministro foi um ato de censura. Certamente, foi equivocada, mas creio que, de alguma maneira, retomou-se o bom senso", acrescentou Santos.

Em mensagem divulgada nesta quinta-feira, pouco antes do recuo de Moraes, o ministro Celso de Mello chamou a censura de intolerável e disse que é uma perversão da ética do direito. “A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, escreveu.

Mello não fez referência direta à decisão de Moraes contra os sites.

O ministro Marco Aurélio Mello classificou a primeira decisão de Moraes de mordaça. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Marco Aurélio disse ainda que, na opinião dele, a maioria dos ministros do Supremo era contra a determinação de Moraes de retirada de reportagens.

"Penso que o convencimento da maioria é no sentido diametralmente oposto ao do ministro Alexandre de Moraes. Eu o conheço bem, ele (Moraes) deve estar convencido disso. Aguardo um recuo", afirmou Marco Aurélio.

Ao ser questionado se havia outra palavra, além de censura, para tratar a ordem judicial de Moraes, Mello respondeu: "Mordaça. Isso não se coaduna com os ares democráticos da Constituição de 1988. Não temos saudade do regime pretérito. E não me lembro nem no regime pretérito, que foi regime de exceção, de medidas assim, tão virulentas como foi essa".

Em entrevista publicada no jornal Valor Econômico, Toffoli defendeu a censura que havia sido determinada por Moraes. "Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim", disse. Toffoli completou: "É necessário mostrar autoridade e limites. Não há que se falar em censura neste caso da Crusoé e do Antagonista".

Toffoli disse que o documento com o apelido "não diz nada com nada". "Daí tirem as suas conclusões. Era exatamente para constranger o Supremo. Quando eu era ministro, sem ser presidente, nunca entrei com ação [contra uma publicação], nunca reclamei. Mas agora é uma questão institucional. Ao atacar o presidente, estão atacando a instituição."

De acordo com Toffoli, a revista e o site publicaram essa informação sobre o apelido para constranger o Supremo dias antes de a corte analisar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

"É ofensa à instituição à medida que isso tudo foi algo orquestrado para sair às vésperas do julgamento em segunda instância. De tal sorte que isso tem um nome: obstrução de administração da Justiça."

O julgamento estava marcado para o último dia 10 de abril, mas foi adiado por Toffoli uma semana antes. Já a reportagem do site e da revista foi ao ar somente na noite de quinta-feira da semana passada, dia 11 —e o documento da Odebrecht foi anexado nos autos da Lava Jato no dia 9 de abril.

Ainda na entrevista ao jornal, o presidente do STF sugeriu existir 'interesses internacionais' por trás dos ataques à corte. "A destruição das instituições e de reputações faz parte de uma campanha de ódio. Temos que saber se não há interesses internacionais por trás disso, de desestabilizar as instituições. Interesses nada republicanos."

Toffoli comentou também a decisão da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de anunciar o arquivamento do inquérito aberto por ele para apurar fake news e ofensas aos integrantes da corte. "A PGR opina, dá parecer. Quem decide é a magistratura, é o Poder Judiciário."

Entenda o vaivém do Supremo

Anúncio Em 14.mar, presidente do STF, Dias Toffoli anuncia inquérito, que corre sob sigilo, para investigar fake news e ameaças contra membros da corte e seus familiares. O ministro decide que a relatoria fica a cargo de Alexandre de Moraes, sem que seja feito sorteio, como é de praxe

Esclarecimentos Um dia depois, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge pede esclarecimentos sobre o inquérito e sugere que Supremo extrapola suas prerrogativas

Polícia Federal Em 21 de março, Moraes determina, no âmbito do inquérito, o cumprimento de dois mandados de busca e apreensão, em SP e em Alagoas

Reportagem No dia 11, sites da revista Crusoé e O Antagonista publicam reportagem ligando Toffoli à empreiteira Odebrecht

Censura Na segunda (15) é divulgada decisão de Moraes que censura sites e determina que reportagens sejam tiradas do ar

Mandados A mando de Moraes, Polícia Federal cumpre, na terça (16), mandados de busca e apreensão contra sete pessoas por supostamente atacarem o Supremo nas redes sociais. Ministro determina a suspensão de suas contas nas plataformas

Arquivamento Logo depois, no mesmo dia, Dodge envia ofício ao STF em que afirma ter arquivado o inquérito

Prorrogação Mais tarde, Moraes afirma que decisão da PGR não tem amparo legal. Ele mantém o inquérito, que é prorrogado por 90 dias

Reversão Na quinta (18), após sofrer fortes críticas, inclusive de ministros do STF, Moraes volta atrás e derruba censura contra Crusoé e O Antagonista

Liberdade de imprensa

A decisão de Alexandre de Moraes foi bem recebida por entidades que defendem a liberdade de imprensa.

Em nota conjunta, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) afirmaram que o recuo "restabelece o princípio maior da liberdade de imprensa".

"Neste episódio, a sociedade brasileira, de maneira quase unânime, mais uma vez demonstrou que repele toda e qualquer forma de censura aos meios de comunicação", disseram as duas associações.

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também comemorou a mudança de entendimento do magistrado. "A Abraji espera que nunca mais a suposta difusão de fake news seja usada como pretexto para restringir o trabalho de jornalistas", afirmou o presidente da entidade, Daniel Bramatti. "Como bem demonstra esse episódio, não é papel do Judiciário definir o que é notícia ou não", completou.

A Human Rights Watch também celebrou a decisão como "uma vitória para a liberdade de expressão no Brasil" e destacou, em uma rede social, que o revés ocorreu após duras críticas de entidades de jornalismo e juristas.

Além de ANJ, Aner e Abraji, entidades como ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Transparência Internacional e Artigo 19 vieram a público durante a semana criticar a iniciativa do STF.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também criticou nesta terça-feira (16) a retirada de notícias do ar. “Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional”, afirma a nota da diretoria nacional da OAB.

"Pensar diverso é violar o princípio tão importante que foi construído depois de tempos de ditadura e se materializou no art. 220 da Constituição Federal, mesmo havendo sempre a preocupação para que toda a sociedade contenha a onda de fake news que tem se proliferado em larga escala”, continua o texto.

A OAB afirma ser legítima defensora das liberdades e manifestou “preocupação com a decisão”.

“Em qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente após obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal”, diz a nota.

Renato Jorge de Mello Silveira, presidente do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), também divulgou nota em que "expressa sua preocupação" com a decisão do STF. "Não é aceitável a retirada liminar do conteúdo da publicação jornalística, o que se confunde com censura de todo reprovável", disse.

Explicações

Dias Toffoli, inventou a censura em causa própria. Valendo-se de um inquérito secreto que ele mesmo abriu em março, pediu providências ao relator que ele próprio indicou —Alexandre de Moraes—,  contra uma notícia em que ele mesmo é o protagonista. Acionado, Moraes mandou a revista eletrônica Crusoé e o site O Antagonista retirarem do ar uma notícia que pede uma explicação de Toffoli, não censura.

A reportagem censurada baseou-se num documento. Trata-se de uma resposta de Marcelo Odebrecht à Polícia Federal. Instado a revelar o nome que se esconde atrás do pseudônimo "amigo do amigo do meu pai", mencionado em e-mail de 13 de julho de 2007, apreendido em seu computador, Odebrecht disse tratar-se de Dias Toffoli. Na época, Toffoli era advogado-geral da União do governo Lula.

A resposta de Marcelo Odebrecht foi anexada aos autos do inquérito, em Curitiba, no dia 9 de abril. Informou-se que uma cópia fora enviada à Procuradoria-Geral da República, em Brasília. No último dia 12, um dia depois da veiculação da notícia, a 13ª Vara Federal de Curitiba pediu explicações à PF e à Procuradoria. A resposta de Marcelo Odebrecht foi retirada do processo.

A procuradora-geral Raquel Dodge divulgou nota para informar que não havia recebido cópia da manifestação de Marcelo Odebrecht. Agarrando-se à manifestação de Dodge, Dias Toffoli pediu providências a Alexandre de Moraes. Que chamou a reportagem de "fake News" e mandou retirar do ar, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100 mil.

Quer dizer: o pedido de esclarecimento da PF a Marcelo Odebrecht existiu. O documento com a resposta do empreiteiro é real. Está disponível na internet. Não há vestígio de dúvida quanto à citação de Dias Toffoli. Instado a se manifestar antes da publicação, Toffoli preferiu o silêncio.

Consumada a veiculação, o presidente do Supremo tinha diante de si várias alternativas. Poderia trazer à tona meia dúzia de verdades capazes de sepultar as "mentiras" que enxergou na notícia. Poderia também criticar os jornalistas por exageros, imperfeições ou incorreções. No limite, Toffoli poderia ter acionado judicialmente Marcelo Odebrecht, exigindo que explicasse, tintim por tintim, que história é essa de identificá-lo como "amigo do amigo do meu pai."

Entre todas as possibilidades ao seu alcance, Toffoli recorreu à única que é inconstitucional: a censura. Em condições normais, a censura seria lamentável. Tomada por um relator escolhido por Toffoli, no âmbito de um processo secreto aberto por Toffoli, a censura à reportagem sobre Toffoli é uma aberração jurídica estarrecedora. O plenário da Suprema Corte precisa salvar a instituição desse vexame.

A notícia continua requerendo uma boa e definitiva explicação. Quem sabe Dias Toffoli se anima a interpelar judicialmente Marcelo Odebrecht.


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