19/04/2024 - Edição 540

True Colors

Secret, homofobia sem segredo algum

Publicado em 08/08/2014 12:00 - Guilherme Cavalcante

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Na era da vida superconectada, aplicativos para smartphones surgem com frequência, sempre causando do frisson ao rebuliço. A mais nova (e, possivelmente, efêmera) polêmica é a gerada pelo app Secret, no qual a única graça é tornar público anonimamente aquilo que você nega de meias.

Nos EUA, é utilizado até como uma forma de conseguir ajuda e apoio para algumas confissões, mas aqui no Brasil as coisas se subvertem com muita facilidade, e o app se tornou um canal de difamações gratuitas, como já tem sido noticiado por aí.

Basta acessar o Secret e ver que a maioria das postagens não são os segredos de quem postou, mas os de terceiros. Coisas do tipo “já c*mi fulano”, “fulana ch*pa bem” e “fulano é passivão”, isso quando não rola uma foto não autorizada que expõe a nudez de alguém. Por isso, é bem possível que o app saia do ar nos próximos dias, até porque a forma como está sendo utilizado viola leis brasileiras, tais como a Constituição e a novíssima lei do Marco Civil na Internet.

É bem provável que no primeiro acesso ao Secret, no seu mural de “amigos” (que normalmente são seus contatos do Facebook), você se depare com anônimos cujos comentários ou segredos revelados deem a entender que se tratem de usuários gays – é uma leitura fácil, simples, quase automática, não tem “segredo”, com o perdão do trocadilho. E aí onde começam as campanhas difamatórias, onde as pessoas são tiradas do armário, seja em relação à sexualidade ou até mesmo coisas mais graves (ultragraves, na verdade), como a sorologia do HIV. Absolutamente lamentável.

Os desenvolvedores do Secret não apoiam as campanhas difamatórias e disponibilizam meios de denunciar as postagens ofensivas, no próprio aplicativo.

Mas a questão para qual chamo a atenção é um pouco menos óbvia, infelizmente: o discurso homofóbico vindo dos próprios homossexuais. Cansei, literalmente cansei do número de postagens higienistas que trazem discursos homofóbicos, enaltecendo virilidade e submetendo afeminados, passivos, pobres, negros (alguns exemplos estão na galeria acima).

É triste, muito triste que em pleno 2014, um ano decisivo na vida da comunidade LGBT, ainda tenha tanta gente que discrimine as diferenças de uma comunidade que se pretende diversa. E para continuar a discussão, vamos fazer uma pequena pausa para recuperar um conceito crucial e que deveria estar na ponta da língua de qualquer LGBT, militante ou não, que valorize ser respeitado.

Heteronormatividade é um conceito da Teoria Queer que descreve bem a comunidade LGBT não politizada (composta sobremaneira por gays) e que traduz a defesa de um modelo de conduta social heterossexual como o único moralmente correto e aceito, de forma que assim se normatizem as relações sociais. Os estudos queer, portanto, surgem com o objetivo de desconstruir este argumento: a sexualidade humana não segue um curso natural, essencial ou biológico, mas é construída socialmente.

Dessa forma, acreditamos que não existe o certo e o errado, que haja uma norma a ser seguida, ao exercer a sexualidade humana, seja ela homo ou heterossexual. Quer dizer, se o gay é afeminado, “pão com ovo”, passivo, gosta de dublar “O Amor e o Poder” da Rosana ou o que quer que seja, ele não vai ser mais gay ou menos merecedor de respeito que o bofe másculo, sarado, phyno, inteligente, rico ou bem nascido.

Mas é o contrário disso o que se vê no Secret, a cada postagem anônima. O aplicativo é um sintoma da nossa doença, que revela como os gays brasileiros pensam sobre os “irmãos e irmãs” que fogem do padrão heteronormativo.

Quer dizer, não conseguimos fazer a faxina nos nossos próprios preconceitos e queremos que a ignorância alheia seja extinguida do dia para a noite. Não funciona assim, claro. Mas enquanto o Secret estiver no ar ou houver uma forma de se arrotar discriminação sem ser identificado, é o que veremos por aí.

PS.: Os desenvolvedores do Secret não apoiam as campanhas difamatórias e disponibilizam meios de denunciar as postagens ofensivas, no próprio aplicativo.

Ela está descontrolada!

Vale tudo por um voto, desde ludibriar comunidades à negociar direitos fundamentais de comunidades oprimidas. Ou seja, o placar não vai mudar em nada nesta corrida eleitoral. Vai ser mais do mesmo: baixaria, falsas promessas. Falta de vergonha na cara.

A única diferença é que os candidatos perderam completamente o pudor. Eles nem disfarçam mais o que realmente pensam ou do que são capazes.

Na manhã dessa sexta-feira (08) a presidenta Dilma Roussef participou do Congresso Nacional de Mulheres das Assembleias de Deus, em São Paulo. Com um discurso voltado àquela comunidade, Dilma deixou bastante claro que não está em cima do muro na cruzada entre o fundamentalismo e o direito de minorias desamparadas pela própria palavra de Deus (mulheres, bichas, trans, lésbicas, negros, etc, etc, etc…):

“O estado brasileiro é um estado laico. Mas, citando o salmo de Davi, queria dizer que feliz é a nação cujo Deus é o Senhor”, disse a presidenta.

Perdeu-se completamente a vergonha. O discurso conservador foi até publicado na fanpage da candidata à reeleição (duvida? clique AQUI) e mesmo bombardeada por críticas nem sequer cogitaram apagar a postagem, que visivelmente é uma afronta contra a laicidade do estado, vinda da presidenta em exercício.

O que dizer disso? Estou sem palavras. Olho vivo nestas eleições. Que Deus nos proteja.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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