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Artigo da Semana

A Quinta Gospel é para todos, ou ao menos devia ser

Publicado em 08/08/2014 12:00 -

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Aprendi com minha família que todas as pessoas devem ser respeitadas, independentemente, de religião. Sou cristão, sou de família católica, mas como vereador por Campo Grande defendemos todos os cidadãos. A Constituição resguarda todos os brasileiros amparados no Estado Laico, ou seja, um governo que olha para a sociedade como um todo, sem discriminar pela fé, não há religião oficial. O mesmo Estado que não delimita, garante liberdade de credo aos cidadãos.

Na ultima quinta-feira, sete de agosto, tivemos uma grande discussão na Câmara Municipal de Campo Grande (MS) sobre a Quinta Gospel, importante projeto que conta com recursos públicos e beneficia milhares de campo-grandenses, promovendo alegria e espiritualidade por meio da música. E que tem privilegiado o segmento evangélico.

Ocorre que as religiões de matriz africana também querem espaço no evento. O dirigente de um templo religioso de Umbanda, Elson Borges dos Santos, encaminhou ofício à Fundação Municipal de Cultura (Fundac) questionando a viabilidade da contratação do show de uma cantora que homenageia religiões de matriz africana para o evento “Quinta Gospel”, que ocorre sempre na quinta-feira que antecede a Noite da Seresta na Praça do Rádio, região central.

Música Gospel qualquer estilo ou gênero que faça menção à religiosidade, contendo apelo ao divino, sob qualquer denominação religiosa.

Em resposta ao dirigente, a Fundac se posicionou contrária à solicitação, por “fugir a proposta do evento, destinado ao público evangélico cristão”. No documento assinado pela diretora presidente da Fundação, há ainda um resgate da tramitação do projeto que deu origem a Quinta Gospel, instituída pela lei 5.092/12. De acordo com a resposta, “a Quinta Gospel foi assinada pela maioria dos vereadores evangélicos, com o proposito de oferecer atrações regionais e nacionais do meio Gospel Evangélico… A lei reconhece como manifestação cultural as músicas e eventos gospel evangélico”.

A interpretação da lei pela Fundac está equivocada. Esta situação é destoante com a realidade, pois entre os autores existem representantes de outras denominações religiosas, e em nenhum dos quatros curtos e claros parágrafos da Lei há menção ou restrição a este ou aquele segmento. Composta por apenas quatro parágrafos, a lei municipal determina apenas que o evento fica instituído na Praça do Rádio Clube (artigo 1º), que será realizada na quinta-feira que antecede a Noite da Seresta, utilizando a mesma estrutura (artigo 2º) e que deverá ser realizada com artistas nacionais e regionais (artigo 3º).  O quarto e último artigo diz que a lei entra em vigor na data de sua publicação, que se deu no dia 23 de julho de 2012.

De acordo com as definições dos dicionários Michaelis e Priberam da Língua Portuguesa, "Gospel" é um "estilo musical caracterizado pelas letras com mensagens religiosas e ritmos variados" e  "musica religiosa originária de comunidades negras norte-americanas". Gospel é uma palavra de origem americana, oriunda da contração de "God" e "Spell", que significam, respectivamente, "Deus" e "Apelar, Soletrar". Derivada dos "Spirituals", o cântico religioso dos escravos negros americanos. Sendo, então, caracterizada como Música Gospel qualquer estilo ou gênero que faça menção à religiosidade, contendo apelo ao divino, sob qualquer denominação religiosa.

O Estado Laico, explícito na Constituição Federal Brasileira, preconiza que o país não segue nenhuma denominação religiosa, mas abrange a todas, sem distinção. Nesse contexto temos que ressaltar que a Quinta Gospel é um evento destinado aos campo-grandenses, custeado com o imposto de todos, inclusive dos que não têm religião, não somente do segmento evangélico.

O Estado Laico, explícito na Constituição Federal Brasileira, preconiza que o país não segue nenhuma denominação religiosa, mas abrange a todas, sem distinção.

Não podemos admitir a ideia de que tenhamos que criar mais eventos, utilizando recurso público, para contemplar cada religião. Se levarmos em conta o fato da religiosidade, nem a própria Quinta Gospel seria adequada ser custeada pelo Poder Público. Mas, ao considerar a música gospel como manifestação cultural e sendo realizada em espaços públicos, se torna no mínimo coerente que não haja predileção a este ou aquele segmento.

Somos legisladores e devemos ser legalistas, o que nos torna representantes de todos os munícipes. Devemos pensar como gestores públicos e deixar pra dizer quem entra e quem não entra cada qual em seu templo religioso. Não podemos permitir que a Fundac  promova um afunilamento religioso em nossa cidade, e ainda mais financiado por dinheiro público.

Ressalto que a discussão ocorrida na Câmara não tem caráter religioso ou ideológico. Defendemos que os investimentos públicos devem atender a todos. O projeto Quinta Gospel , em sua Lei Municipal, não delimita religião. Não estamos brigando com os evangélicos, aliás, temos várias comunidades religiosas deste segmento que visitamos nas comunidades e recebemos em nosso gabinete.

Expedimos ofício à Fundac contendo as argumentações expostas e reportamos o caso à promotoria dos Direitos Humanos solicitando providências. Afinal de contas a Quinta Gospel é de todos.

Eduardo Romero – vereador PTdoB, vice-presidente da Comissão Permanente de Cultura na Câmara Municipal de Campo Grande (MS), professor, jornalista, artista.


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