19/04/2024 - Edição 540

Camaleoa

A maconha que mata e os nossos jovens mimados

Publicado em 08/08/2014 12:00 - Cristina Livramento

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As abordagens sobre maconha para adolescente se baseiam quase sempre na construção de um monstro que ​mata. O discurso, o tom da fala, a abordagem com o jovem se norteia, muitas das vezes, como se ele fosse burro e incapaz de pensar com sua própria cabeça, não a respeito da droga, mas a respeito da própria vida e suas responsabilidades perante o amanhã.

O discurso geralmente parte do princípio que a maconha leva às outras drogas e mata. Existe uma insistência em abordar o tema como se a maconha estivesse completamente desassociada do álcool, por exemplo. Por que o foco central dessa discussão não é a bebida? Não falo também como especialista, mas posso falar como mãe e das coisas que vivi e vejo ao meu redor desde a minha própria adolescência.

Tudo começa dentro de casa, quando os pais permitem e acham bonitinho os filhos beberem ainda adolescentes, quando não, quando crianças. "É só um golinho" e tudo bem. Quantas reuniões de família, de amigos, eu e você já vimos isso acontecer?

O álcool, a droga estão em todos os lugares e eu sempre me pergunto quando ouço absurdos como "a maconha vai te levar à morte" por que não conseguimos ainda desenvolver um diálogo aberto? Até quando vamos mentir para nós mesmos que temos controle sobre nossos jovens, até quando vamos agir com hipocrisia e irresponsabilidade ao criarmos mais uma geração mimada e sem o mínimo de noção de responsabilidade pessoal, social e profissional?

Até quando vamos mentir para nós mesmos que temos controle sobre nossos jovens, até quando vamos agir com hipocrisia e irresponsabilidade ao criarmos mais uma geração mimada e sem o mínimo de noção de responsabilidade pessoal, social e profissional?

A grande maioria já experimentou, experimenta ou em algum momento vai experimentar um tipo de entorpecente. Alguns desses, já virou um usuário ou se tornará. Para alguns, isso será um momento passageiro, para outros não. Uma porcentagem se tornará refém efetivamente da droga e do álcool, da maconha, e de outros entorpecentes mais pesados. Essa é a história que observamos se repetir de geração em geração.

Muito mais importante do que dizer que a droga mata é conseguir ensinar a esse adolescente a responsabilidade sobre seus atos. Se o álcool e as drogas fossem realmente ruins, ninguém usava. Não teríamos, por exemplo, profissionais – de diversas áreas – consumidores cativos da cocaína e de coquetéis de remédio.

Nossos adolescentes vão para as ruas e lá não temos controle nenhum sobre suas ações. Eles frequentam festas, eventos em praças, bares e estão a mercê da curiosidade. Por que ao invés de insistirmos no discurso do "monstro" da droga, não ensinamos a eles que é possível se divertir enlouquecidamente sem nenhum destes aditivos? Por que não conversamos abertamente sobre as consequências não a longo prazo, mas a curto prazo do uso desses entorpecentes?

E temos exemplos suficientes. Enquanto nossos jovens assistirem dentro de casa os próprios pais se embebedarem a ponto de perder a razão, fazer escândalo, brigar com quem estiver pela frente, vai ser difícil desenvolver uma abordagem mais realista sobre a maconha, por exemplo.

Ninguém – fora do circuito da adicção – quer passar mal, ter uma "bad trip", entrar em coma alcoólico, ou desenvolver qualquer tipo de doença a partir do uso da droga. Dizer para esse jovem que ele é responsável pelo próprio corpo e que suas atitudes podem levar a consequências irreparáveis e que, por mais que os pais os amem, a medicina esteja avançada, essas consequências não poderão ser transferidas a mais ninguém que somente eles terão que arcar com a nova realidade de um vício, me parece o caminho mais honesto.

Não existe receita para impedir nossos filhos de consumirem drogas ou fazer com que eles não tenham curiosidade sobre o assunto, mas é possível fazer com que entendam a gravidade das consequências de um ato, seja ele qual for, ao longo de uma vida. Não só relativo às drogas, mas esse é um diálogo que a meu ver é a única maneira de construirmos uma sociedade com cidadãos responsáveis, não só consigo mesmo, mas conscientes de que cada ato atinge a ele mesmo, seus familiares e toda uma sociedade.

Leia o LIVRO

Laranja Mecânica de Anthony Burgess 

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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