19/04/2024 - Edição 540

Poder

Cinco pontos da Reforma da Previdência que atingem em cheio os pobres

Publicado em 05/04/2019 12:00 -

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O ministro da Economia Paulo Guedes defendeu, mais uma vez, em audiência na Câmara dos Deputados, na quarta (3), que os mais pobres não devem ser os mais atingidos pela Reforma da Previdência.

Citou a progressividade nas alíquotas, que cobrarão mais de quem ganha mais, inclusive no funcionalismo público, e menos de quem recebe menos. Segundo ele, quem terá que trabalhar e contribuir com parcelas maiores é a "moça de classe média alta". Ele usou o exemplo ao debater com os deputados a questão da imposição de uma idade mínima de 65 anos (homens) e 62 (mulheres).

A idade mínima não será o principal obstáculo a ser superado pelos trabalhadores pobres e miseráveis para poderem se aposentar. E o ministro sabe disso.

Abaixo, cinco pontos da Reforma da Previdência que afetam diretamente os mais vulneráveis:

1) O governo propôs que o tempo mínimo de contribuição passe de 15 a 20 anos, ou seja, de 180 para 240 meses. Sem isso, mesmo tendo atingido a idade mínima, a pessoa não se aposenta. Não seria um grande problema se o país não contasse com altas taxas de informalidade. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), considerando-se a aposentadoria por idade, 50% das mulheres que acessaram essa forma de benefício conseguiram comprovar apenas 16 anos de contribuição. Do total de mulheres ocupadas, quase metade (47%) não possuía registro em carteira, dificultando a contribuição previdenciária.

O Dieese cita que em 2014, ou seja, antes do pior da crise, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada 12 devido à rotatividade do mercado de trabalho e à informalidade. Para cumprir 15 anos, uma pessoa precisaria, na prática, de 19,8 anos. Se forem 20 anos de contribuição, esse número subiria para 26,4 anos. Os cálculos são médias, mas servem para provar um ponto: se é difícil chegar aos 15 anos, imagina aos 20 então.

2) Quem se aposentar por idade, tendo contribuído 20 anos, receberá uma aposentadoria no valor de 60% da média salarial e não mais 90%, como é hoje para quem perfaz duas décadas.

3) A Reforma da Previdência quer que a pensão paga a viúvas e órfãos de aposentados seja de 60% do valor do benefício, acrescida de 10% para cada dependente adicional até 100%. E, pior: abre-se a porteira para receber pensões de menos de um salário mínimo. Hoje, o valor é integral. Ou seja, se um "conjê" (hehehe) que recebia um salário mínimo de aposentadoria morre, não há filhos ou eles já são maiores de 21 anos, o viúvo ou viúva receberia R$ 598,80.

4) O governo propôs que a idade mínima para que idosos em condição de miserabilidade (menos de R$ 249,50 de renda familiar mensal per capita) possam receber o salário mínimo mensal do Benefício de Prestação Continuada (BPC) passe de 65 para 70 anos. Em contrapartida, quer desembolsar uma fração desse total – R$ 400,00 – dos 60 aos 69 anos. Vale lembrar que é mais fácil conseguir um bico para complementar a renda aos 60 aos 65 do que dos 65 aos 69 – sem contar que a demanda por recursos para custos de saúde e emergências aumenta exponencialmente nessa idade. Os deputados prometeram derrubar esse ponto e o próprio Guedes já se mostra resignado que seu "bode na sala" vá embora.

5) Quanto às aposentadorias no campo, a Reforma da Previdência demanda uma contribuição anual mínima de R$ 600,00 por família durante 20 anos, ao invés de apenas comprovar o trabalho no campo por 15 anos, como é hoje. A proposta ignora que o produtor, às vezes, termina o ano sem renda líquida, por fatores climáticos ou de preço no mercado, dependendo do Bolsa Família. Essa parte também vai ser defenestrada, principalmente pela chiadeira de políticos do Nordeste.

Mas ficam ainda os impactos contra os assalariados rurais. Após 2020, por conta de mudanças em lei, eles já teriam que contribuir por 15 anos – vale ler esse número sob a luz da taxa de informalidade no campo, que ultrapassa os 55%. Com a reforma, terão que contribuir por 20 anos. Ou seja, vai ter gente no campo que cairá invariavelmente no colo do BPC, a supracitada assistência a idosos muito pobres. Essa é uma das razões pela qual o governo quer mover a idade de acesso do benefício de 65 para 70 anos, porque sabem que outras mudanças na reforma farão chover gente nessa fila.

Há outros pontos, mas esses já bastam para mostrar que a discussão é mais completa do que a retórica quer fazer crer. A Reforma da Previdência traz propostas importantes, como a já citada cobrança de contribuição previdenciária de forma progressiva, que aumenta com o salário. Mas é bom que se saiba que as "maldades" com os pobres, que deveriam ser prioridade de proteção em momentos de crise, não se resumem às mudanças no BPC e na aposentadoria de trabalhadores rurais.

Um dos pontos mais discutidos na quarta foi a conversão do regime de repartição (em que os da ativa contribuem para os aposentados) para o de capitalização (em que cada um faz seu próprio pé de meia), sonho de consumo de Guedes. Para alguns dos deputados da oposição presentes, ele subverte a Constituição Federal de 1988.

Entre os objetivos fundamentais da República, previstos em seu artigo 3o, está o desenvolvimento nacional, mas também a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, a promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade livre, mas também justa e solidária. A proposta de uma capitalização sem contribuição patronal, sendo carregada apenas com o que vem do trabalhador, é um exemplo de subversão a isso.

A população espera debates abertos e francos de seu governo sobre a Previdência, para explicar o tamanho do ajuste fiscal, apresentar os cálculos detalhados disso, os dados sobre a projeção do envelhecimento da sociedade e analisar todas as fontes possíveis de financiamento das aposentadorias e da seguridade social.

Nova Previdência vai aumentar de 3% para 70% a parcela de idosos na pobreza

Ao longo das próximas décadas, o atual projeto de reforma da Previdência Social do governo Bolsonaro vai afetar decisivamente a situação dos idosos em todo o país. “Hoje no Brasil, a pobreza entre os idosos é de cerca de 2% a 3%. Estudos recentes do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que sem a previdência a pobreza atingiria 70% da população idosa”. É disso que estamos falando”, afirmou o professor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia da Unicamp.

Fagnani participou do debate “Nova Previdência ou o Fim da Previdência?”, organizado pela ADunicamp (Associação dos Docentes da Unicamp). O debate, mediado pela professora do IMECC (Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica) e diretora da ADunicamp Verónica Gonzáles-Lopez, teve também a participação do advogado Nilo Beiro e do dirigente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) João Cayres.

Durante o debate, Fagnani tratou da questão econômica. Segundo o professor, o objetivo deste projeto da Reforma da Previdência é acabar com a Seguridade Social conquistada no Brasil com a Constituição de 1988, no período de redemocratização do país. Mas ele lembra que haverá um impacto muito grande na economia das cidades brasileira.

“A previdência rural e a prestação continuada reduziram o êxodo rural no Brasil, reduziram o êxodo do Nordeste para o Sul. E entre 70% a 80% dos municípios brasileiros a transferência dos recursos da previdência é maior que os recursos transferidos pelo fundo de participação municipal”, relatou Fagnani. Esse montante de recursos aquece a economia nas cidades brasileira.

O sistema brasileiro de seguridade social, lembrou Fagnani, é composto no Brasil pelo SUS (Sistema Único de Saúde), pelo seguro desemprego, pelo BPC (Benefício da Prestação Continuada) – que beneficia idosos e deficientes físicos – e pelas previdências urbana e rural. “Mais de 70% dos brasileiros só têm o SUS como porta de entrada para a assistência à saúde”, apontou. Já o seguro desemprego beneficia cerca de sete milhões de trabalhadores e o BPC outros cinco milhões, enquanto a previdência urbana atende 20 milhões de aposentados e a rural 10 milhões.

“No total, são cerca de 42 milhões de benefícios. Se cada pessoa tiver dois membros na família, eu estou falando em 120 milhões de pessoas. E, deste total, 70% recebem apenas o piso do salário mínimo”, mostrou.

Fagnani comparou o projeto de reforma brasileiro com reformas feitas em outros países. E conclui: “Reformas da previdência são necessárias e são feitas em todos os lugares do mundo, porque você tem que ajustar a expansão demográfica às regras do sistema. Países sérios, civilizados, desenvolvidos já fizeram suas reformas da previdência e estão fazendo a todo o momento. Mas eles não destroem o seu sistema de proteção social, porque sabem que é importante para o combate à desigualdade”.

O professor de Economia também afirmou que a propalada crise da previdência é uma falsa crise e que os recursos que garantem a seguridade social não são o principal problema para o ajuste fiscal que o governo pretende impor. “O problema no Brasil é que não há um diagnóstico da questão. Eu garanto para vocês que nos últimos 30 anos há mais de uma dezena de emendas constitucionais alterando a previdência social. No regime geral da previdência, o do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), nesse que há cerca de 20 milhões de pessoas recebendo um salário mínimo por mês, não há nada o que fazer, não é necessário fazer nada, além de alguns ajustes pontuais, não há necessidade de uma reforma geral. Eu garanto para vocês”, argumentou.

Com a criação do fundo de previdência complementar, em 2012, com teto de 5,8 mil reais, a questão da aposentadoria do servidor público federal também foi resolvida. “E ele vai se aposentar em 2050. Então o problema do funcionário público federal, no futuro – e você faz reforma pensando no futuro – também está resolvido”. 

Regra para servidores anula idade de aposentadoria prometida por Bolsonaro

Uma trava nas regras de transição para servidores torna inócua a promessa feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) de elevar as idades apenas para 62 (homens) e 57 anos (mulheres) e deixar que futuros governos reavaliassem o caso.

Simulações (faça a sua aqui) mostram que, dentre 1.000 diferentes combinações de idade e tempo de contribuição para atuais servidores gerais que se aposentariam na próxima década, em só 1% dos casos, para homens, e 0,4% dos casos, para mulheres, será possível cumprir as regras aos 61 ou 56 anos, respectivamente.

Chegar lá aos 62 anos é possível em 15% dos casos, para homens, e só em 8,5% dos casos mulheres cumprirão os requisitos aos 57 anos.

A intenção do presidente foi anunciada em entrevista em janeiro, um mês antes da entrega da proposta de reforma previdenciária do governo (PEC) ao Congresso.

Ao SBT, Bolsonaro disse defender idades mínimas de 57 anos para mulheres e de 62 anos para homens até o final de 2022. “O futuro presidente, entre 2023 e 2028, reavaliaria a situação para passar para 63 ou 64 [anos]”, acrescentou.

A proposta de reforma de Bolsonaro, a PEC 6, mantém a menção a essas idades nas regras de transição, que procuram suavizar as mudanças para quem já está no mercado de trabalho. Mas inclui um aperto específico para servidores que dificulta sua aplicação.

Diferentemente do que acontece com trabalhadores do setor privado, funcionários públicos filiados a regimes próprios (RPPS) precisam cumprir cumulativamente duas regras de transição: além de idade mínima, a regra de pontos (soma da idade e do tempo de contribuição) que vão sendo elevados ano a ano. 

É essa obrigatoriedade de atingir os pontos que faz com que apenas a minoria dos atuais servidores cumpra as regras de transição antes de completar as idades anunciadas por Bolsonaro.

Além de cumprir as regras de idade e pontos, os atuais servidores precisam ter 35 anos (homens) ou 30 anos de contribuição (mulheres), 20 anos de serviço público e 5 anos no cargo.

Esse aumento na idade mínima vale para servidores em geral. Professores do ensino básico, policiais, agentes penitenciários ou socioeducativos, deficientes e quem exerce atividade em condições prejudiciais à saúde têm regras diferentes.

Mas simulações feitas a partir das regras para professores da rede pública mostram que, também no caso deles, a exigência de atingir um número mínimo de pontos eleva de cara a idade mínima para aposentadoria para pelo menos 59 anos (homens) e 52 anos de idade (mulheres).

Hoje, professores do ensino público precisam chegar aos 55 anos e 30 de contribuição (homens) ou 50 anos e 25 de contribuição.

Já para policiais civis, policiais federais, agentes penitenciários e agentes socioeducativos, a reforma permite aposentadorias mais altas, a partir dos 55 anos de idade.

ENTENDA A TRANSIÇÃO

Quando a reforma for aprovada, todos serão afetados?
Não. Quem já tiver cumprido os requisitos atuais de aposentadoria tem direito adquirido e não será afetado.

Quais os requisitos para o servidor público?
Depende do ano de ingresso no funcionalismo:

  • ingresso até dez/1998: 35 anos de contribuição (homens) ou 30 anos (mulheres); se aposentam antes da idade mínima (60 ou 55, respectivamente) se a soma de contribuição e idade chegar a 95 ou 85 pontos, respectivamente
  • ingresso após dez/98: 60 anos de idade e 35 de contribuição (homens), 55 anos de idade e 30 de contribuição (mulheres)

Existe aposentadoria por idade no serviço público?
É possível se aposentar com benefício menor, proporcional aos anos de contribuição, aos 65 anos (homem) ou 60 anos (mulher), com ao menos 10 anos de serviço público e 5 no cargo.

Quem atinge os requisitos precisa se aposentar?
O servidor que optar por continuar trabalhando pode fazer direito ao abono permanência, cujo valor pode equivaler ao da contribuição previdenciária (ou seja, na prática, é como se ele não pagasse mais a contribuição).

E quem não tiver cumprido os requisitos?
Se a PEC 6 for aprovada sem mudanças será preciso esperar um pouco mais. O tamanho dessa espera depende da idade e do tempo de contribuição do servidor quando a nova lei passar a valer.

O que são as regras de transição?
Servem para reduzir um pouco a espera que seria necessária para cumprir as novas regras, que têm idade mínima maior.

Quais as regras para o servidor?
É preciso ter 35 anos de contribuição (homem) ou 30 anos (mulher) e cumprir cumulativamente duas regras. 
A idade parte de 60 e 55, mas sobe para 61 e 56 em 2020 e 62 e 57 em 2022. Além disso, a soma de idade e tempo de contribuição começa em 96 pontos (homem) e 86 pontos (mulher) e sobe 1 ponto por ano até 105 pontos (homem) ou 100 pontos (mulher)

Todo atual servidor consegue se enquadrar na transição?
Em cerca de 80% dos casos, para mulheres, e 60% dos casos, para homens, não é possível cumprir as regras de transição antes da idade mínima das novas regras

O que acontece com quem não entra na transição?
Se aposenta pelas novas regras.
Para servidores em geral, a proposta é de 5 anos no cargo, 10 de serviço público, 25 anos de contribuição e 65 anos de idade (homens) ou 62 anos de idade (mulheres).


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