24/04/2024 - Edição 540

Poder

PF vê participação de ministro do Turismo em esquema de laranjas

Publicado em 05/04/2019 12:00 -

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Após 30 dias de investigação, a Polícia Federal vê elementos de participação de Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo, no esquema de candidaturas de laranjas do PSL em Minas Gerais na eleição de 2018.

Investigadores apuram inicialmente a suspeita do crime de falsidade ideológica. Outro crime em apuração é o de lavagem de dinheiro.

Depoimentos prestados (entre eles o de um nome inédito até aqui), áudios obtidos pela PF e documentos colhidos levam a investigação do caso ao ministro do Turismo do governo Jair Bolsonaro. O próximo passo é aprofundar as investigações para identificar qual foi a participação do ministro em eventuais crimes.

O jornal Folha de SP revelou em fevereiro que Álvaro Antônio, que era presidente do PSL em Minas Gerais na última eleição, patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas com uso de verba pública eleitoral. Ele nega irregularidades.

O jornal mostrou também outros casos em Pernambuco. O escândalo levou à queda do ministro Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência —ele era presidente nacional do PSL no ano passado.

O presidente Jair Bolsonaro tem dito que a situação do ministro do Turismo causa desgaste para o governo e que espera a conclusão da apuração da PF para decidir o destino de Álvaro Antônio.

Além de depoimentos de candidatas usadas como laranjas, a PF colheu e recebeu documentos que estão sendo considerados importantes para o inquérito —que não tem previsão para ser concluído.

Zuleide Oliveira, 42, de Santa Rita de Caldas (MG), que envolveu o ministro diretamente no caso, entregou recibos de pedágio como forma de provar que se deslocou para Belo Horizonte no dia em que disse ter tido uma reunião com Álvaro Antônio, em setembro do ano passado.

Ela reafirmou à polícia que o ministro lhe ofereceu dinheiro do fundo partidário para sua campanha, no valor de R$ 60 mil, com a condição de que ela devolvesse R$ 45 mil.

O encontro ocorreu, segundo Zuleide, no escritório do político na capital mineira, em um prédio que exige identificação na entrada, até com foto. A PF busca esses registros.

Três testemunhas que estavam na sala, segundo seu depoimento, também serão ouvidas –e são consideradas peças-chave na apuração.

No celular de Zuleide, que agora está com os investigadores, foram encontrados diversos áudios com dirigentes do PSL de Minas, incluindo assessores de Álvaro Antônio.

Uma outra candidata, Neia Rodrigues, 37, cujo relato ainda não era conhecido, prestou depoimento e disse ter sido usada como laranja também. Ela foi ouvida em Belo Horizonte na semana passada.

Com Neia e Zuleide, já são quatro denúncias feitas sobre o esquema. Cleuzenir Barbosa, 47, que disse que o ministro tinha conhecimento do escândalo, e Adriana Borges, 54, afirmou ter recebido um pedido de um assessor de Álvaro Antônio para devolver R$ 90 mil de dinheiro público ao partido.

Depoimentos de uma quinta e uma sexta denunciante são esperados pela polícia nos próximos dias.

O Ministério Público de Minas também investiga o caso.

O ministro patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas em Minas que direcionou verbas públicas de campanha para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara.

De R$ 279 mil repassados pelo PSL a quatro candidatas, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na conta de quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores de Álvaro Antônio.

As quatro candidatas foram ouvidas, mas negaram irregularidades ou que tenham atuado como laranjas. A investigação está sob sigilo.

O ministro tem negado participação no esquema e tem dito que seguiu a lei na eleição.

Na semana passada, a reportagem acompanhou sua visita à Câmara para uma reunião na comissão do Turismo.

Ele conversou de forma privada com alguns parlamentares e atacou a imprensa. "Tirando a Folha de S.Paulo e a Globo, está tudo bem", respondeu a um deputado que o cumprimentou, após a pergunta "opa, ministro, tudo certo?".

A um dos colegas com quem conversou, disse que a PF não encontrou nada sobre ele na investigação e que o problema são as reportagens da Folha.

Além do caso de Minas, houve situação similar em Pernambuco.

O grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em seu estado que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL no país, mais do que Jair Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos.

A série de reportagens da Folha de SP levou o governo à primeira grande crise, culminando na queda de Bebianno em 18 de fevereiro.

Representante do Ministério Público no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, defende que, em casos de uso de candidatas laranjas para burlar a cota de 30% de candidaturas femininas, todos os integrantes da coligação sejam punidos com inelegibilidade e/ou perda do mandato.

"Se há algo de errado, cai o conjunto inteiro, todo mundo que participou da fraude e se beneficiou dela", disse Medeiros no mês passado.

O TSE começou a julgar em meados de fevereiro um processo sobre laranjas na eleição municipal de 2016. O ministro Edson Fachin pediu vista e a análise deve ser retomada nas próximas semanas.

Em nota enviada por sua assessoria, o ministro disse que "mais uma vez, a Folha de S.Paulo age de forma política e partidária para fazer ilações sem qualquer base. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, aguarda o fim das investigações com tranquilidade e confiança na seriedade e profissionalismo da Polícia Federal".

ENTENDA AS EVIDÊNCIAS E AS VERSÕES DOS ENVOLVIDOS

Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL? A Folha revelou, em 4 de fevereiro, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais, patrocinou um esquema de quatro candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL. 

Como funcionou esse esquema? Marcelo Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil da verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 candidatas que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro.

Desse montante, pelo menos R$ 85 mil foram destinados a quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro de Bolsonaro.

Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas? Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. Ao final, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos, apesar do montante recebido para a campanha.

Há algum relato formal sobre esse assunto? Sim. Cleuzenir Barbosa, candidata a deputada estadual pelo PSL de Minas, prestou depoimento ao Ministério Público em 18 de dezembro e afirmou que foi coagida por dois assessores de Álvaro Antônio a devolver R$ 50 mil dos R$ 60 mil de verba pública de campanha que ela havia recebido da legenda.

Ela disse ter havido um esquema de lavagem de dinheiro pela legenda no estado e que o ministro do Turismo sabia de toda a operação.

Cleuzenir entregou também ao Ministério Público mensagem em que um assessor de Álvaro Antônio cobra a devolução de verba pública de campanha para destiná-la a uma empresa ligada a outro assessor do político. A mensagem contradiz a versão do ministro.

Em um vídeo gravado quando Cleuzenir assinou sua ficha de registro no PSL, ela aparece com o então candidato a deputado federal Álvaro Antônio e o então presidenciável Jair Bolsonaro.

Outra candidata, Zuleide Olveira, de Santa Rita de Caldas, afirmou em depoimento à Polícia Federal que Álvaro Antônio pediu que ela devolvesse ao partido parte do dinheiro público do fundo eleitoral.

O que a Polícia Federal apurou até agora? A investigação da PF, iniciada há cerca de um mês, vê elementos da participação de Álvaro Antônio no esquema. Alguns dos indícios são recibos de pedágio entregues por Zuleide para provar que ela esteve em Belo Horizonte no dia em que afirmou ter se reunido com o ministro. O encontro teria ocorrido no escritório de Álvaro Antônio, localizado em um prédio que exige identificação com foto na entrada —a polícia tenta obter esses registros. Também foram obtidos arquivos de áudio e outros depoimentos que corroboram a suspeita. São apurados os crimes de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

O que diz Álvaro Antônio? O ministro afirma que “a distribuição do fundo partidário do PSL de Minas Gerais cumpriu rigorosamente o que determina a lei” e que “refuta veementemente a suposição com base em premissas falsas de que houve simulação de campanha com laranjas no partido”.

Em entrevista veiculada em 25 de fevereiro, Álvaro Antônio afirmou que "não existe chance de me afastar".

O ministro tentou censurar a Folha de SP, pedindo que o jornal retirasse do ar as reportagens que revelaram a ligação dele com o esquema dos laranjas em Minas Gerais.

A juíza Grace Correa Pereira Maia, da 9ª Vara Cível de Brasília, negou o pedido de liminar, alegando que os documentos apresentados pelo ministro "não estão aptos a atestar, de maneira idônea e inconteste, que as matérias jornalísticas veiculam conteúdo inverídico e/ou ilegal e/ou ofensivo à pessoa do autor". Cabe recurso à decisão.

O que se sabe sobre candidatura laranja em Pernambuco? A Folha revelou em 10 de fevereiro que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Como funcionou esse esquema? Maria de Lourdes Paixão, 68, virou candidata de última hora para preencher vaga remanescente de cota feminina. O PSL repassou R$ 400 mil do fundo partidário no dia 3 de outubro, quatro dias antes da eleição —ela foi a terceira que mais recebeu dinheiro do partido no país.

Quais as evidências de que ela era laranja? A candidata sustenta que gastou 95% do dinheiro em uma única gráfica para a confecção de 9 milhões de santinhos e 1,7 milhão de adesivos. Para isso, cada um dos quatro panfleteiros que ela diz ter contratado teria, em tese, a missão de distribuir, só de santinhos, 750 mil unidades por dia —sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas.

Nos endereços vinculados à gráfica não havia sinais de que ela tenha funcionado durante a eleição. Não há também sinais de que a candidata tenha de fato feito campanha. Lourdes teve somente 274 votos.

O advogado que defende Lourdes na investigação tem seus honorários pagos pelo PSL.

O que é a cota de gênero? A atual legislação exige que 30% das candidaturas sejam do sexo feminino e que 30% do fundo partidário e do fundo eleitoral sejam destinados para mulheres. 

O que dizem os responsáveis pelo partido? Luciano Bivar (presidente do PSL) nega que a candidata de Pernambuco tenha sido laranja e disse que a decisão do repasse de R$ 400 mil foi da direção nacional, na época presidida por Gustavo Bebianno, demitido por Bolsonaro em meio à crise dos laranjas. Afirmou também que é contra as cotas e que mulher não tem vocação para política.

Bebianno contradisse Bivar e afirmou que decisões de repasses são das direções estaduais. Em Pernambuco, o partido é presidido por Antônio de Rueda, advogado particular de Bivar. O ex-ministro disse ainda que nunca viu a candidata-laranja.

Qual a resposta da Polícia Federal ao caso? A PF intimou Maria de Lourdes Paixão a prestar depoimento, que foi dado no Recife. O presidente Bolsonaro determinou a abertura de inquérito pela instituição.

O Ministério Público eleitoral de Minas Gerais também está investigando as candidaturas? Sim. A Procuradoria Regional Eleitoral de Minas Gerais decidiu investigar o caso das quatro candidatas-laranjas do PSL de Minas Gerais vinculadas ao atual ministro do Turismo.

Em despacho do dia 4 de fevereiro, em que disse considerar graves as suspeitas, o chefe do Ministério Público eleitoral do estado, Angelo Giardini de Oliveira, encaminhou o caso para apuração da Promotoria Eleitoral afirmando que "os fatos narrados podem configurar, em tese, os crimes de apropriação indébita eleitoral, falsidade ideológica eleitoral (…) e ameaça", com pena que podem chegar a seis anos de reclusão.

De que forma o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, está relacionado com as suspeitas? Coordenador de campanha de Jair Bolsonaro, Bebianno liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada —sem maquinário para impressões em massa.

À época Bebianno era o presidente nacional do PSL, responsável formal por autorizar repasses dos fundos partidário e eleitoral a candidatos da legenda. 

O que Bebianno diz sobre essa liberação? Bebianno nega ter envolvimento com candidaturas de laranjas do PSL. "A minha parte está feita com perfeição. As contas foram aprovadas pelo TSE", disse. 

Ele afirmou que não cabia ao diretório nacional acompanhar a escolha de candidatos e a distribuição de recursos nos estados, e que isso era atribuição regional. "A escolha dos candidatos, a disponibilização das legendas para candidatos a deputado estadual, deputado federal, senador e governador é de responsabilidade de cada estado", disse.

Em áudios divulgados pela revista Veja em fevereiro, Bebianno diz a Bolsonaro que em nenhum partido o diretório nacional é responsável pela formação das chapas nos estados. "Cada chapa foi montada pela sua estadual. No caso de Pernambuco, pelo Bivar, logicamente. Se o Bivar escolheu candidata-laranja, é um problema dele, político", afirma Bebianno.

A Comissão de Transparência e Fiscalização do Senado aprovou um convite para Bebianno prestar esclarecimentos sobre o escândalo. Como ele não ocupa mais um cargo no Executivo, porém, não é obrigado a comparecer.

A crise muda a relação dos filhos de Bolsonaro com o comando do Planalto? O ataque feito por Carlos Bolsonaro, que chamou Bebianno de mentiroso, foi considerado inadmissível pela cúpula militar. Os generais da reserva e ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Fernando Azevedo (Defesa) e Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) pediram um freio de arrumação. O caso culminou na demissão do ministro, dias depois do início da crise com o presidente.

Ministério Público e PF têm prazo para finalizar a apuração dos laranjas? Não há um prazo determinado, mas por causa do pedido oficial do presidente Bolsonaro pelas investigações, os órgãos estão dando prioridade ao caso.


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