19/04/2024 - Edição 540

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Em Israel, Jair Bolsonaro consegue a façanha de ficar mal com todas as partes

Publicado em 03/04/2019 12:00 -

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Na novela da transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ficar mal com todas as partes.

A bancada evangélica, os grupos mais ideológicos de seu governo, além, é claro, do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, ficaram frustrados com o fato de o presidente ter recuado da promessa de campanha. Em vez de anunciar a mudança da embaixada durante sua visita ao Estado judeu, Bolsonaro limitou-se a dizer que abrirá um escritório comercial na cidade.

O problema é que mesmo esse pequeno prêmio de consolação basta para indispor o Brasil com os árabes. A Autoridade Palestina condenou a decisão e convocou seu embaixador para consultas. Há o receio de que outros países árabes e islâmicos adotem alguma represália comercial contra o Brasil. O alvo óbvio são as exportações de carne “halal” para o Oriente Médio, o que é motivo de preocupação para a bancada ruralista.

Nada disso é física nuclear. Se Bolsonaro tivesse consultado um especialista ou estudado ele mesmo a matéria por 20 minutos antes de fazer promessas, teria percebido que os ganhos potenciais não compensavam os riscos. É tolice incorrer na possibilidade de perdas reais para energizar um público que já estava fechado com a candidatura.

E isso nos leva ao ponto central da coluna. Das várias características do neopopulismo de direita que parece estar tomando conta do Ocidente, o anti-intelectualismo é a mais preocupante. A maior parte dos avanços socioeconômicos observados nos últimos 200 anos se deve ao acúmulo de conhecimento técnico, que passou a ser utilizado em políticas públicas. Pense em coisas como saneamento, programas de vacinação etc.

Ao desprezar o racionalismo e o saber de especialistas, a nova direita passa o rodo sobre o que deu certo ao longo da história e ainda abre flanco para criar novos problemas desnecessários, como fez Bolsonaro.

Três gols contra

Jair Bolsonaro desfilou em sua visita a Israel uma desastrosa autoconfiança. Sob o comando do chanceler Ernesto Araújo, o Itamaraty revelou-se incapaz de livrar o presidente de problemas. Mas a neo-diplomacia brasileira foi genial na organização da confusão. Numa única viagem internacional, produziram-se três desastres:

1) Sem debater adequadamente a ideia, Bolsonaro afagara a alma do premiê israelense Benjamin Netanyahu com o aceno de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Deu errado. Em visita a Jerusalém, Bolsonaro anunciou não a abertura da embaixada, mas de um escritório de representação comercial. Houve grande decepção no governo israelense.

2) O capitão recebera a informação de que sua meia-volta talvez evitasse uma reação dos palestinos. Não colou. A Autoridade Palestina, que torcia o nariz para a hipótese de o Brasil instalar sua embaixada em Jerusalém, manteve a cara feia. Além de condenar explicitamente a abertura do escritório comercial, chamou de volta seu embaixador no Brasil, Ibrahim Alzeben. Para complicar, a ministra Tereza Cristina (Agricultura) teme que a novidade resulte em prejuízos para o agronegócio brasileiro, pois parte do mundo árabe ameaça fazer sua feira noutras freguesias.

3) A coreografia diplomática impôs prejuízos também ao contribuinte brasileiro. Afora a embaixada em Tel Aviv, o Brasil mantém um escritório na cidade palestina de Ramallah, a cerca de 15 quilômetros de Jerusalém. É mais do que suficiente para atender às necessidades diplomáticas da região. Além de tóxica, a nova unidade de Jerusalém é absolutamente desnecessária. Sua abertura constitui uma nova versão do hábito governamental de gastar verba pública como se fosse dinheiro grátis.

Quer dizer: em tabelinha com o chanceler Ernesto Araújo, Jair Bolsonaro chutou três vezes. E conseguiu a proeza de marcar três vezes contra o próprio gol. Decepcionou Israel, irritou a Palestina e desperdiçou recursos tomados dos brasileiros em dia com suas obrigações tributárias.


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