19/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Ricos brasileiros estão entre os que pagam menos impostos no mundo, afirma economista

Publicado em 26/03/2019 12:00 -

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No atual contexto de crise econômica e austeridade fiscal, uma das preocupações emergentes diz respeito aos recursos públicos disponíveis para atender as demandas sociais. Entre os especialistas na área de políticas públicas, discute-se ainda se os recursos disponíveis devem ser centralizados na União ou descentralizados nos estados e municípios. Na avaliação do economista Róber Avila, embora “supostamente” os governos locais tenham mais condições de atender às demandas da população por diferentes serviços, “a centralização permite a obtenção de ganhos de escala, como nos serviços hospitalares de alta complexidade, que são custosos e inviáveis para regiões pouco povoadas”, argumenta. Além disso, justifica, “a burocracia central tende também a ser mais qualificada e especializada do que a burocracia local, haja vista que muitas regiões estão afastadas de centros universitários. Grande parte dos municípios são pequenos, é natural que eles não possuam recursos humanos capazes de gerenciar o setor público, ao contrário do que ocorre com a União”. E acrescenta: “Por tais motivos, eu não sou defensor do municipalismo. Penso que a União tem um papel fundamental de desenhar políticas, estabelecer diretrizes, ajustar a renda regionalmente”.

Na entrevista a seguir, o economista explica que “muitos dos problemas dos serviços púbicos estão mesmo relacionados com o nível de renda per capita”. A média da renda per capita no país, informa, é R$ 2.730,00 mensais e “isso quer dizer que cada cidadão contribui, em média, com R$ 873,00 mensais aos três níveis de governo”. Diante desse valor, questiona: “Qual o plano de saúde, educação privada, previdência privada, somando tudo, que vai custar R$ 873,00? Isso sem considerar calçamento, energia, luz de postes, subsídios para moradia, geração de energia, oferta de infraestrutura, crédito estudantil, sistema prisional, sistema jurídico, defesa civil etc.” O economista lembra que o “Brasil é um dos países que tem as alíquotas de imposto de renda mais baixas. Enquanto aqui é de 27,5%, em grande parte dos países ela chega ao patamar de 40%. A tributação sobre heranças é igualmente baixa. O limite máximo aqui é de 8%. No Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5%. Não há dúvidas de que os ricos brasileiros estão entre os que pagam menos impostos no mundo”, conclui.

Róber Avila é doutor em Economia do Desenvolvimento e atualmente leciona no Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É integrante do Conselho Deliberativo do Instituto de Justiça Fiscal. Foi analista pesquisador da Fundação de Economia e Estatística – FEE, onde foi assessor da direção.

 

O projeto econômico do ministro Paulo Guedes é orientado em três pilares: a reforma da Previdência, as privatizações aceleradas e a simplificação, redução, eliminação ou unificação dos impostos. Quais as vantagens e desvantagens desse tripé?

Já houve seis alterações nas regras previdenciárias desde a Constituição de 1988. As transformações demográficas impõem adaptação das leis. As despesas previdenciárias compõem a maior conta dos governos. Claramente, é preciso efetuar reformas. Elevação da contribuição dos servidores públicos, por exemplo, parece uma medida acertada. Entretanto, algumas medidas propostas são excessivamente duras, como o patamar de idade mínima, por exemplo, em um país bastante heterogêneo como o Brasil. Nos estados mais pobres, a expectativa de vida dos homens está na faixa dos 65 anos. Além das distintas expectativas de vida entre as regiões, os mais pobres tendem a entrar jovens no mercado de trabalho, assim terão de contribuir por mais tempo, por isso uma idade mínima tão elevada pode ser injusta. A aposentadoria integral exigiria 40 anos de contribuição, em um país em que o mercado de trabalho tem elevada rotatividade e informalidade. A exigência de 20 anos de contribuição também tende a dificultar imensamente a aposentadoria aos setores de baixo rendimento e elevada informalidade.

Outra questão é o Benefício de Prestação Continuada que passaria à idade mínima de 70 anos para um salário mínimo. A partir de 65 anos o benefício seria inferior. As mulheres estão entre os grupos mais prejudicados pela reforma da Previdência, por sua inserção desigual no mercado de trabalho e o sobrepeso das atividades não remuneradas. Atualmente, elas são as principais receptoras dos benefícios assistenciais aos idosos (59,1%), e das aposentadorias por idade (62,8%); além disso, a aposentadoria das mulheres é 31% inferior à masculina. Com a exigência de dois anos a mais para atingir a idade mínima e as mudanças nas regras dos benefícios assistenciais, a feminização da pobreza tende a se agravar.

O ministro deseja privatizar todas as empresas públicas, mas há no governo divergências neste quesito. Partes da Petrobras estão sendo vendidas desde 2016. Além de ser a maior empresa brasileira, ela investe em pesquisa no país, é responsável por significativo volume da Formação Bruta de Capital Fixo e detém os recursos que potências efetuam guerras para obtê-los. No lucrativo setor financeiro, o Estado controla dois dos maiores bancos comerciais, o que lhe permite efetuar políticas de crédito diferenciado para o segmento rural, para o financiamento estudantil e para a aquisição de moradias. Há ainda hospitais públicos entre as empresas privatizáveis como o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e o Grupo Hospitalar Conceição. De outro lado, os aeroportos, portos, rodovias e ferrovias parecem ser melhor administrados pelo setor privado, desde que haja regulação sobre as tarifas.

No que tange ao sistema tributário brasileiro, ele precisa de um processo de simplificação. Há diversos tributos que incidem sobre o mesmo fato gerador. A proposta de redução de IRPJ e tributação de dividendos é acertada, em linha com o que tem ocorrido em vários países. Há que acrescentar que o sistema tributário brasileiro onera demais os pobres e é muito benevolente com os ricos. Isso precisa ser alterado.

Nos dois primeiros meses de governo, a equipe econômica apresentou uma proposta de reforma que propõe mudar o sistema da Previdência para um sistema de capitalização. Quais são as vantagens e os riscos dessa proposta?

O sistema de repartição é coletivo, no qual os trabalhadores ativos pagam os benefícios dos inativos. O Estado tem o papel de complementar os valores dos benefícios, é um sistema tripartite (Estado, empregador, trabalhador). Assim, temos claramente uma política social, que garante ao menos o salário mínimo aos idosos. É também uma política social distributiva de renda, com ampla cobertura.

O sistema de capitalização funciona como uma conta individual em que o empregador e o trabalhador depositam recursos para garantir um determinado valor mensal na aposentadoria. A vantagem desse sistema é que não há déficit fiscal, já que o Estado não cobre a diferença entre o valor acumulado e um valor mínimo de aposentadoria. Assim, se a monta acumulada ao longo da vida for baixa, caso o beneficiário tenha ficado no mercado informal ou desempregado por longo tempo, o valor da aposentadoria pode ser muito baixo. Tal sistema tende a aumentar a taxa de pobreza dos idosos. Liquida, portanto, o pacto social de não deixar os idosos desamparados.

Um dos discursos centrais do novo governo é o controle das contas públicas. O governo está dando ênfase demasiada nesse ponto ou o controle das contas públicas é fundamental?

Déficit prolongado e elevação sistemática da relação dívida/PIB não são sustentáveis. A visão tradicional na economia prescreve que a política fiscal deve se concentrar na sustentabilidade do endividamento público e na estabilização de preços, e que a estabilização dos ciclos deve ser efetuada via política monetária. Ou seja, eles consideram que a redução de gastos públicos tem um papel expansionista por melhorar as expectativas dos agentes e reduzir juros.

Entretanto, não é o que se tem observado e diversos autores, mesmo ortodoxos, estão reconhecendo isso. O mundo encontra-se em um momento de baixas taxas de juros e as políticas monetárias têm tido um escasso papel de reaquecer a economia.

Políticas para elevar o superávit primário podem ser perigosas, uma vez que existem inúmeras variáveis nesse processo. Corte de gastos públicos são políticas recessivas. A redução dos gastos públicos pode afetar diretamente a demanda agregada, ao passo que o pagamento dos juros não tem efeito direto sobre essa mesma demanda. Sendo assim, tal política pode aumentar ainda mais a relação dívida/PIB. É o que tem ocorrido no Brasil. Desde 2015, há redução de gastos públicos, os quais gerariam redução da relação Dívida/PIB. Entretanto, a atividade econômica não se recuperou, o desemprego cresceu e o endividamento aumentou! Mesmo com cortes de gastos públicos. Ora, os gastos públicos afetam o PIB negativamente, contribuindo para a explosão da relação Dívida/PIB. Temos quatro anos de austeridade e os resultados foram: recessão, desemprego e endividamento. Para não citar o efeito social do corte de gastos.

Mais do que isso, ao contrário do discurso comum, não houve uma explosão de despesas, salvo os gastos com previdência que aumentaram. O que ocorreu em 2015 e 2016 foi uma expressiva redução da receita pública, que acarretou no aumento do déficit. Nos períodos recessivos, os multiplicadores do gasto público são mais elevados e duradouros. Ou seja, cortes de gastos jogam a economia mais para baixo e por mais tempo, sendo o inverso verdadeiro.

É possível ter estabilidade da razão DIV/PIB, mesmo com déficit primário; para tanto, a taxa de crescimento econômico precisa ser superior à taxa real de juros.

Além disso, as crises periódicas e a rotineira super oferta de tomates parecem sinalizar que a autorregulação dos mercados é uma utopia. O mercado tem falhas e, do ponto de vista macroeconômico, o Estado é crucial para a geração de empregos e para o crescimento. A história nos ensinou isso na crise de 1929.

Alguns especialistas avaliam que houve um equívoco no desenho constitucional dos regimes fiscal, tributário e federativo. Como o senhor avalia esse tipo de análise? Houve ou não equívocos e em quais pontos?

O Brasil teve fases de centralização e de descentralização. Supostamente, os governos locais são mais próximos do eleitor e por isso teriam mais condições de atender às especificidades locais com diferentes serviços. Entretanto, a centralização permite a obtenção de ganhos de escala, como nos serviços hospitalares de alta complexidade, que são custosos e inviáveis para regiões pouco povoadas. Além disso, a União tem o papel de efetuar ajustes de distribuição de renda regional, para garantir melhor harmonia e evitar grandes processos migratórios das regiões mais pobres para as mais ricas. A burocracia central tende também a ser mais qualificada e especializada do que a burocracia local, haja vista que muitas regiões estão afastadas de centros universitários. Grande parte dos municípios são pequenos, é natural que eles não possuam recursos humanos capazes de gerenciar o setor público, ao contrário do que ocorre com a União.

Por tais motivos, eu não sou defensor do municipalismo. Penso que a União tem um papel fundamental de desenhar políticas, estabelecer diretrizes, ajustar a renda regionalmente. Já os municípios possuem mais dificuldade técnica de pensar e executar essas políticas. Contudo, algumas competências não estão muito bem definidas. Há sobreposição de serviços entre a União, estados e municípios. É preciso definir com mais clareza o que compete a quem e quais serão as fontes de financiamento de cada política.

A Constituição de 1988 tem um caráter descentralizador, ela deixa a execução de alguns serviços com os municípios e a União e os estados como repassadores de recursos. É o caso da saúde, por exemplo. O Fundo de Participação dos Municípios tem o papel de redistribuir renda às cidades menores, entretanto, houve uma explosão de novos municípios com menos de 10 mil habitantes na década de 1990, o que gerou outra distorção.

Quais são as alternativas de financiamento para o Estado, a fim de garantir o acesso universal a direitos sociais e à formulação de políticas públicas, tal como determina a Constituição?

Presentemente existe acesso universal à saúde pública e à educação básica, ainda que esses serviços tenham problemas, inclusive de financiamento. Já a carga tributária encontra-se em um patamar em que não deve ser ampliada. Muitos dos problemas dos serviços púbicos estão mesmo relacionados com o nível de renda per capita. Com certeza, as esferas governamentais sempre podem enxugar ou gerir de forma mais austera os recursos públicos. Há casos de desvios, precisamos conviver com o mundo que existe, sem fantasias. O Ministério Público e o sistema jurídico não foram idealizados por acaso.

De outro lado, a renda per capita no Brasil é de R$ 2.730,00 mensais. Isso quer dizer que cada cidadão contribui, em média, com R$ 873,00 mensais aos três níveis de governo. Qual o plano de saúde, educação privada, previdência privada, somando tudo, que vai custar R$ 873,00? Isso sem considerar calçamento, energia, luz de postes, subsídios para moradia, geração de energia, oferta de infraestrutura, crédito estudantil, sistema prisional, sistema jurídico, defesa civil etc.

De toda forma, pelo outro lado da moeda, como sabemos, o sistema tributário é deveras regressivo. O Brasil é um dos países que tem as alíquotas de imposto de renda mais baixas. Enquanto aqui é de 27,5%, em grande parte dos países ela chega ao patamar de 40%. A tributação sobre heranças é igualmente baixa. O limite máximo aqui é de 8%. No Reino Unido o imposto é de 40%, na França é de 32%, nos Estados Unidos é de 29%, na Alemanha, 28,5%. Não há dúvidas de que os ricos brasileiros estão entre os que pagam menos impostos no mundo.

Que tipo de políticas públicas o Brasil precisa para enfrentar as desigualdades?

Pouco tempo atrás havia discordâncias entre os teóricos se a política tributária deveria ser utilizada para reduzir desigualdades ou não. A Teoria da Tributação Ótima recomendava um sistema tributário neutro, isto é, havia rejeição de políticas redistributivas através da tributação. O desenvolvimento de ferramentas informacionais e a sistematização de amplas bases de dados puderam demonstrar que os efeitos esperados das desonerações tributárias ao capital e aos seus rendimentos não foram alcançados. Mesmo os autores neoclássicos voltaram atrás em suas recomendações e passaram a sugerir o retorno da tributação sobre os rendimentos do capital.

Até o Fundo Monetário Internacional passou a recomendar progressividade tributária como uma das medidas para reduzir as desigualdades, além de investimento público em educação, saúde e renda universal básica. Então, na literatura da área, atualmente, é ponto pacífico que a tributação sobre o capital, sobre heranças, sobre o patrimônio e sobre a renda são recomendados para redução de desigualdades.

Do ponto de vista do gasto, não há dúvidas de que políticas como previdência, educação pública, saúde pública, assistência social e transferência direta de renda reduzem desigualdades. Há autores que defendem que o Estado é ineficiente na prestação desses serviços e que seria melhor que ele os financiasse através de vouchers à população desassistida, os quais utilizariam os serviços privados.

Outros autores compreendem que os serviços públicos universais são eficazes na redução de desigualdades, mesmo que haja no Estado rent seeking. Há mensuração sobre os efeitos dessas políticas. No caso brasileiro, os gastos públicos que mais diminuem desigualdades são, respectivamente: educação, aposentadorias e pensões e saúde. Os países que mais prestam serviços públicos são aqueles que mais alteram o quadro distributivo através de políticas de Estado, notadamente, os países da União Europeia.

Assim, é possível afirmar com muita segurança: a tributação progressiva tem um papel fundamental na redução de desigualdades e é recomendada por autores liberais e mesmo por institutos que estão na gênese do neoliberalismo, como o FMI. Isso para não citar toda a tradição que sempre defendeu tais políticas, como os autores da Teoria da Tributação Equitativa. De outro lado, não há dúvidas de que políticas públicas de acesso universal impactam muito na redução de desigualdades, como educação e saúde.

Dentro da perspectiva de redução do Estado, está a ideia de que o mesmo deveria se ater apenas a questões de Segurança, Educação e Saúde. Quais os riscos de se entregar outras atribuições do Estado à iniciativa privada?

Caso a previdência seja privatizada, ela deixaria de impactar sobre a desigualdade social como faz hoje. Para além da aposentadoria, há uma cobertura social sobre os idosos que não conseguem comprovar contribuição, seja pelo desemprego vivido, seja pela atuação no mercado informal. A previdência cobre também a juventude de órfãos e de pessoas não capacitadas ao trabalho. A proteção e o zelo de jovens vulneráveis têm que ser papel do Estado. Com esses serviços privatizados, os problemas individuais e coletivos aumentariam.

Cabe salientar também que nos momentos em que há corte de gastos públicos, atendendo à pauta de redução do Estado, a tesoura passa primeiro nos investimentos públicos (obras públicas) e depois nos gastos com saúde e educação. Contudo, mesmo nos tempos de austeridade, houve expressiva elevação dos já altos salários do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Por outro lado, a atuação do Estado é invisibilizada nos créditos subsidiados para a produção de moradias, no esgotamento sanitário, na fiscalização dos alimentos, na geração de energia, há muito subsídio também na produção agrícola. O Estado é dono da Embrapa, que permite ganhos de produtividade e variação técnica para o setor rural, responsável não apenas pela alimentação de todos, mas também de expressivos superávits comerciais. No âmbito municipal, há o recolhimento de lixo, o calçamento das ruas, a luz nos postes, nada disso cai do céu.

O Estado efetua políticas de emprego e de geração de crescimento econômico. Há uma miríade de serviços prestados. Eles não existem por acaso; antes de sua constituição as condições de vida eram muito piores para todos e por isso os serviços públicos foram criados.

Isso não quer dizer que não haja problemas de ineficiência, corrupção, rent seeking e autointeresse na burocracia. Há, e isso faz parte do mundo, não há como fugir disso. Entretanto, é possível combater esses problemas, uma tarefa constante de qualquer gestão republicana e do aparato jurídico. Não se pode conceber um Estado que pague salários muitas vezes superior à média de renda. Tampouco servidores não comprometidos com o seu trabalho. Não se pode, de outro lado, jogar fora a água suja com o bebê junto. A maior parte dos servidores públicos ganha salários baixos. As atividades ligadas ao ensino e à limpeza públicos normalmente recebem salários muito baixos, convivem com condições de trabalho precarizadas, além de existir um viés de gênero nessas áreas.

Sem esses serviços a vida de todos piora, não há dúvidas. Basta olhar para os registros históricos acerca das péssimas condições de higiene, moradia e acesso a serviços básicos no século XIX, sem citar os alarmantes níveis de desigualdade.


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