24/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Estudo contesta relação direta entre treinamento e desempenho

Publicado em 06/08/2014 12:00 -

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O garoto de oito anos que treina com uma bola de futebol e a mulher de 48 que corre ao lado, ouvindo uma aula de japonês com seus fones de ouvido, têm algo em comum: em algum nível, os dois se perguntam se seu investimento de tempo e dinheiro vale a pena.

Cientistas divergem há muito tempo quanto às contribuições relativas da prática e do talento natural para o desenvolvimento de performances de alto nível. O pêndulo da discussão oscila de um lado para outro a cada século, mas um artigo publicado no periódico "Psychological Science" ilustra em que pé ela se encontra no momento e dá indícios do rumo futuro das pesquisas.

O debate sobre o valor da prática chegou a um impasse. Em um estudo referencial de 1993 feito com músicos, pesquisadores chefiados pelo psicólogo K. Anders Ericsson, hoje da Universidade Estadual da Flórida, constataram que o tempo passado estudando explicava quase toda a diferença (cerca de 80%) entre os músicos de elite e os amadores.

Prática x Talento

O novo artigo chega a uma conclusão diferente. Compilando resultados de 88 estudos abrangendo uma grande gama de habilidades, o artigo estima que o tempo passado treinando explica entre 20% e 25% da diferença no desempenho em música, esportes e jogos como o xadrez. Nas habilidades acadêmicas, a diferença é muito menor – apenas 4%-, em parte porque é difícil avaliar o efeito de conhecimentos anteriores, escreveram os autores.

"Concluímos que a prática é importante, sim, e é claro que é absolutamente necessário alcançar um nível alto de perícia", disse Zach Hambrick, psicólogo da Universidade Estadual de Michigan e co-autor do artigo. Mas, comparado com o talento inato, a prática "não é tão importante quanto muita gente anda dizendo."

Ericsson observa que o artigo usa uma definição de prática que abrange várias atividades relacionadas, incluindo tocar instrumentos musicais, praticar esportes por prazer ou tocar em grupo. Mas seus próprios estudos se limitaram ao que ele chama de treino ou prática intencional: aulas individuais em que um instrutor motiva o aluno continuamente, lhe dá feedback imediato e foca a atenção sobre seus pontos fracos.

"Se colocarmos todos esses tipos de treino juntos em um grande caldeirão, é claro que vamos reduzir o efeito do treino ou prática intencional", ele comentou.

Como é o caso da maioria das vertentes da discussão entre o inato e o adquirido, esta produziu muitas posições diferentes.

Para o psicólogo Scott Barry Kaufman, da Universidade da Pensilvânia, como o desempenho de realmente alto nível leva anos para ser conquistado, é possível que a contribuição exata do treino ou da prática nunca seja conhecida com precisão. Mas a própria diversidade das conclusões e o grau de divergência entre elas são indícios de que provavelmente há elementos envolvidos na construção de um desempenho de alto nível que não são genéticos, nem tampouco estão ligados ao tempo passado treinando.

Violino e basquete

Uma coisa é a idade em que a pessoa começa a tocar violino, jogar basquete ou aprender um idioma. Pode haver uma janela crítica de aprendizagem na infância que prepara o cérebro para dominar habilidades rapidamente mais tarde na vida. E cientistas já demonstraram que a própria performance é uma forma de treino especialmente poderosa. Um dos estudos constatou que o número de horas de treino de enxadristas com habilidades semelhantes variou entre 3.000 e mais de 25 mil.

O conteúdo da prática isolada é outro fator. Cientistas demonstraram que misturar habilidades relacionadas em uma sessão de treino -materiais novos e velhos, escalas e improvisação, nado "crawl" e de costas- parece levar ao aperfeiçoamento mais rápido de cada habilidade do que seria o caso se cada uma fosse praticada repetidas vezes de modo isolado.

Para Ericsson, "a grande pergunta é: 'qual é o melhor tipo de treino na área que você quer dominar?'."


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