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Artigo da Semana

Manoel de Barros renascerá “Bernardo”

Publicado em 08/01/2014 12:00 -

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Digo sempre uma coisa: desconfio que Manoel de Barros gostaria de ter nascido Bernardo. Quando o conheci, ao lado do poeta e de Stella (a esposa), Bernardo tinha seus 85 anos e veio morar em Campo Grande para se tratar de problemas cardíacos. Stella, que era voluntária do Asilo São João Bosco, resolveu ajudar a cuidar dele. Foi assim por mais de 20 anos. O asilo é uma chácara que lembra a fazenda do Pantanal, cheia de passarinhos e árvores pelo quintal, como Bernardo sempre gostou e onde conheceu Manoel, trabalhando na casa da família. O prazer dele era tomar umas pinguinhas no final de tarde e fumar cachimbo. Mas um dia o doutor o proibiu de vez de fazer as duas coisas. Foi quando o Manoel botou em questão: "Mas Doutor, já que mulher nunca teve… não poderia ter ao menos um prazer na vida?" Foi assim que Bernardo continuou fumando o seu cachimbo… Junto com Manoel, vez ou outra, visitávamos o Bernardo que passava o tempo sentado num banco, fitando o céu e fumando.

O asilo é uma chácara que lembra a fazenda do Pantanal, cheia de passarinhos e árvores pelo quintal, como Bernardo sempre gostou e onde conheceu Manoel.

Quando morreu o poeta disse: Digo uma coisa a você: acho que eu, Manoel de Barros, gostaria de ter nascido ele. A natureza do poeta nunca mais foi à mesma depois deste dia. Desconfio que, por isso, vive a celebrar o amigo em desconcertantes poemas. Só a perda dos filhos o abalaram tão profundamente. O poeta incrustou ainda mais em suas inscrições/linguísticas rupestres. Ao escavar suas vozes e reascender a chama do menino arteiro que vive a renovar e animar sua poesia. Bernardo obteve momentos na vida do poeta de ser o pai que Manoel por uns momentos deixou de ser. Depois que a tia que ele cuidava morreu, mudou-se para fazenda no Pantanal. Sua lida diária era varrer o quintal. E desta feita também ajudou a criar os filhos do Manoel, a ponto dos mesmos gostarem tanto de Bernardo, quanto do poeta. Vem dai o orgulho e admiração ao amigo e a homenagem como seu alter ego. Certa vez, Bernardo foi trabalhar numa lancha de passageiros que fazia trajeto nos rios Paraguai e Taquari. Diversão dele era pescar, escamar peixes e rir. Bernardo ria muito. Ria sozinho. Ria a perder de vista….

Quando enjoou da coisa, voltou pro Pantanal. É que na fazenda tinha o cantinho dele em cima de uma árvore. Uma cama de tábuas onde dormia horas, sem nunca despencar. Da outra vez que Bernardo e o poeta se perderam quase foi para sempre… Foi quando ele se danou a andar pelo norte do Paraná, onde foi lidar com colheita de café. Mas de repente não se teve mais noticias dele… Depois de longo tempo, toca o telefone no apartamento do poeta no Rio de Janeiro. Era um delegado de policia de Bauru, no estado de São Paulo. “Prendi um rapaz aqui que tá de porre e nunca para de rir”, disse o delegado. “Encontrei no bolso dele um papel todo amassado com esse numero de telefone. Por isso estou ligando”, emendou o policial do outro lado da linha. “Segura ele ai que estou indo buscá-lo, agora Doutor! Esse rapaz é meu irmão, o Bernardão da Mata!”, exclamou o poeta, do outro lado da linha. Foram dois dias de viajem até reencontrar Bernardo. A viagem era de trem, do Rio a Bauru e de Bauru a Porto Esperança. Depois, de Porto Esperança a Corumbá a viagem de volta era de navio e o restante até a fazenda era feito de lancha. Por isso, ele foi o escolhido entre tantos? Pode ser!

Mais desconfio que hoje, e a cada aniversário, Manoel renascerá  em Bernardo.

Bosco Martins é jornalista


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