19/04/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro sugere que pais rasguem páginas sobre educação sexual de Caderneta de Saúde da Adolescente

Publicado em 08/03/2019 12:00 -

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O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em transmissão ao vivo em uma rede social, que vai reeditar a “Caderneta de saúde da adolescente”, impressa pelo Ministério da Saúde para meninas de 10 a 19 anos, para retirar informações que considera inadequadas ao público-alvo. Enquanto o novo modelo não chega, Bolsonaro sugere que os pais rasguem as páginas onde estão as ilustrações mais incômodas, dedicadas a explicações sobre educação sexual.

Uma página exibida por Bolsonaro tem seis desenhos sobre como usar a camisinha masculina, desde a abertura de sua embalagem ao modo como deve colocá-la e, depois da relação sexual, retirá-la do pênis e jogá-la no lixo. Outra página explica como as adolescentes devem introduzir a camisinha feminina.

O presidente também mostra para a câmera uma folha onde há o desenho de uma vulva, destacando as suas divisões. O texto também detalha como deve ser feita a higiene íntima da genitália.

Outra página destacada pelo presidente, intitulada “Conversando sobre sexualidade…”, tem a ilustração de três casais de jovens. Segundo o texto, “é na adolescência que também se inicia o interesse pelas relações afetivas e sexuais. Por isso, é normal que os adolescentes manipulem o próprio corpo (masturbação) em busca de sensações prazerosas”.

Folheando a caderneta, Bolsonaro destaca que ela foi feita durante o governo Dilma Rousseff e foi impressa “em grande quantidade”.

“São 40 páginas, tem muitas informações boas, precisas, mas o final dela fica complicado, no meu entendimento. Se você, pai ou mãe, achar que não, é direito teu”, ressalta o presidente, ao lado dos generais Otávio Rêgo Barros, porta-voz do governo, e Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional. “Então, é uma sugestão. Quem tiver a cartilha em casa, dá uma olhada porque vai estar na mão dos seus filhos, e, se você achar que é o caso, tira essas páginas que tratam desse tipo de assunto.”

Bolsonaro, então, disse que discutiu o assunto com o ministro da Saúde, Luiz Mandetta: “Expus o problema e então a solução, a decisão que ele tomou: vai fazer uma nova cartilha, com menos páginas, mais barata, sem essas figuras aqui no final, e vamos rapidamente distribuir, recolher essas anteriores.”

Prevenção de doenças

Especialista em reprodução humana, Georges Fassolas avalia que rasgar a caderneta ou suprir informações é um “retrocesso” e priva os adolescentes de “informações fundamentais” para seu desenvolvimento sexual.

“Estamos em um mundo onde há muitos problemas relacionados a gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), e isso seria de fácil prevenção caso houvesse uso de preservativos. É difícil explicar esse processo sem ter uma figura”, pondera Fassolas, que é diretor da Clínica de Reprodução Humana Vivitá. “Não podemos desprezar um conteúdo tão importante devido a questões moralistas sobre órgãos sexuais.”

A opinião é endossada pelo ginecologista Thomaz Gollop, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí e membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia:

“No momento em que se retira da cartilha um material que fala sobre educação sexual, infringem-se princípios básicos de saúde. O preservativo tem uma função importante para a prevenção às DSTs. Como vamos ser a favor de não prevenir doenças? A educação sexual integra o processo educativo de qualquer indivíduo. Não sabemos o alcance da difusão dessa caderneta, mas ainda que seja limitado, qualquer processo nessa direção é absolutamente benéfico.”, argumenta.

Mestre em Psicologia Comportamental pela UnB, Kenia Xaxito também reprova a retirada de informações sobre educação sexual da caderneta: “O adolescente precisa ter referências embasadas, didáticas, que usem uma abordagem direta mas que não sejam vulgares. Tirar de circulação um conteúdo bem feito, como o disponibilizado pela caderneta, é uma atitude desnecessária.”

Desserviço

Bolsonaro prestou um desserviço à qualidade de vida de jovens mulheres. Não estamos falando de vídeos com "golden shower" em contas no Twitter, mas de uma cartilha de saúde com desenhos de como colocar um preservativo ou limpar o piu-piu e a periquita. Essas imagens não são chocantes, chocante é o fato de uma das maiores causas de problemas de saúde nos genitais ser exatamente a falta de higiene adequada por conta da ignorância. Sem contar a gravidez precoce, que não apenas muda vidas cedo demais, mas também mata.

A realidade mostra que boa parte dos adolescentes vão transar independentemente do desejo, do conselho ou da proibição de seus pais – especialmente da proibição. Diante disso, pode-se ignorar a situação ou ajudar a prepará-los para o mundo.

O Brasil conta com uma taxa de gravidez adolescente de 68,4 nascimentos para cada 1000 meninas entre 15 a 19 anos. Na América Latina e Caribe, a média é de 65,5/mil – colocando nossa região apenas atrás da África Subsaaariana nesse quesito. A taxa global é de 46/mil.

Os dados são do relatório "Aceleração do progresso para a redução da gravidez na adolescência na América Latina e no Caribe", publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde, pela Organização Mundial da Saúde, pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pelo UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas) no ano passado. Entre as recomendações para diminuir os números brasileiros está impulsionar o acesso a métodos anticoncepcionais e à educação sexual – exatamente o contrário do que fez o presidente.

E não estamos falando apenas dos problemas sociais e econômicos causados pela gravidez precoce. Problemas de saúde na gestação, parto e pós-parto são uma das principais causas de morte entre adolescentes em nossa região.

Se uma cartilha como essa caiu nas mãos de uma criança com oito ou nove anos de idade, a solução não é sugerir que pais tirem fora as páginas ou incluam-na no index. Mas conversar com a escola ou com o ministério da Saúde para checar a distribuição correta. E, eventualmente, guardar até que o filho ou filha tenha atinja a idade recomendada.

O presidente da República postou, nesta sexta, em seu Twitter, que "qualquer celebração [ao Dia Internacional da Mulher] deve vir acompanhada de propostas e que respeitemos o feeling da mulher". Teria dado ele uma imensa, gigantesca, tremenda contribuição se tivesse apenas ficado quieto. Às vezes, a melhor contribuição que, nós homens, podemos dar é o silêncio. Ainda mais em posições de poder.

Em tempo: Eu amo camarão e nem por isso defendo, nas redes sociais, que a página da bíblia onde está Levítico, capítulo 11, versículos 9 e 10, seja rasgada: "De todos os animais que há nas águas, comereis os seguintes: todo o que tem barbatanas e escamas, nas águas, nos mares e nos rios, esses comereis. Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação". E olha que camisinha é mais útil que camarão.

Segue a página subversiva que levou o presidente a se manifestar:


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