26/04/2024 - Edição 540

Poder

Nova Câmara mostra baixa produção e Bolsonaro tem desempenho inferior a Dilma

Publicado em 01/03/2019 12:00 -

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A tal "lua de mel" com os parlamentares, com a qual o governo Jair Bolsonaro (PSL) contava e se vangloriava de ter conseguido após a enorme renovação do Congresso, não garantiu um ritmo expressivo de votações na Câmara neste primeiro mês de trabalho em 2019. Muito pelo contrário: o desempenho em relação à pauta legislativa foi bem mais tímido do que o registrado no início do último governo.

Comparamos as votações no plenário da Câmara em fevereiro com o mesmo período de 2015, início do segundo mandato da petista Dilma Rousseff.

Na ocasião, Dilma já enfrentava uma forte resistência na base aliada. Quem presidia a Câmara era o deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que não foi apoiado pela petista na disputa pelo comando da Casa. Depois do rompimento formal do MDB com a gestão petista, Cunha tomou a iniciativa de acatar, em dezembro daquele ano, o pedido de impeachment contra a então presidente.

A situação de Bolsonaro, porém, é bem mais confortável. A Câmara é atualmente presidida por Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem o capitão reformado apoiou na bem sucedida tentativa de reeleição ao comando da Casa. Maia, inclusive, tem trabalhado incansavelmente para reunir apoio pela principal pauta do início do governo, a reforma da Previdência.

Em números, foram aprovadas neste primeiro mês de trabalho legislativo três medidas provisórias (MP), um projeto de lei, dois projetos de decreto legislativo, um projeto de resolução (PRC) e um projeto de lei complementar (PLP).

Uma das Medidas Provisórias aprovadas é MP 852/2018, que transfere para a União 3,8 mil imóveis do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi avalizada também pelos senadores e sancionada pelo presidente. Segundo o governo, a transferência ajudará na amortização de dívidas previdenciárias.

Em 2015, os deputados votaram três propostas de emenda à Constituição (PEC), um PLP, uma MP, e seis projetos de lei.

Uma das propostas, a PEC 358/13, foi a do Orçamento Impositivo que instituiu emendas individuais aos parlamentares ao Orçamento Geral da União.

Uma outra, a PEC 197/12, alterou a sistemática de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre compras feitas pela Internet e pelo telefone, a chamada PEC do comércio eletrônico.

A aprovação de PECs é relevante em início de legislaturas, justamente porque é quando a Casa ainda está em processo de reorganização. Cunha, então presidente em 2015, estabeleceu logo um ritmo bastante intenso de votações.

Jandira: "Não tem como ser votada"

Rodrigo Maia minimizou o início desarticulado do governo. Questionado pelo Congresso em Foco sobre o desempenho do plenário da Casa, atribuiu, em partes, à renovação de mais de 50% da Casa.

"Eu acho que é uma soma dos novos deputados, com muita vontade, com muita energia, somado à minha experiência, acho eu, nessa virada de uma legislatura para outra, de ter organizado o início das sessões às 16h, cumprido direitinho o horário de quatro às dez. E ter trazido do ano passado duas pautas especialmente importantes, o Gafi [Grupo de Ação Financeira Internacional] e o cadastro positivo. Foram duas pautas que vieram do ano passado, mas que já estavam aí para serem votadas", disse o presidente da Câmara por mensagem de voz.

Em tramitação desde o ano passado, o PL do Gafi foi avalizado pelos deputados no dia 12 de fevereiro. A intenção é acelerar o bloqueio de bens de pessoas e empresas investigadas ou acusadas de terrorismo.

O texto base do cadastro positivo, que é uma espécie de lista de bons pagadores já existente em outros países, foi aprovado em maio do ano passado. Desde então, Maia tentava um acordo para votar a proposta, o que só conseguiu em 20 de fevereiro.

Também questionado pelo Congresso em Foco, o líder do PSL na Câmara, partido do presidente Jair Bolsonaro, Delegado Waldir (GO), jogou no colo de Maia a culpa do baixo desempenho do plenário.

A oposição, porém, afirma que Maia deixou de pautar as propostas porque não há articulação da base de sustentação a Bolsonaro para aprovar projetos de interesse do governo. "A pauta que veio do governo não tem como ser votada", disse Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Mas há um detalhe que talvez tenha contribuído para o baixo ritmo de votações, além de poder explicar o que se tem visto em plenário. Polêmicas, propostas de iniciativa do Executivo como o pacote de segurança pública e a própria PEC da reforma da Previdência só chegaram ao Congresso depois do meio do mês.

Despreparo

O líder do PDT, André Figueiredo (CE), fala de uma equipe pouco preparada e rebate os argumentos dos aliados de Bolsonaro. "A pauta precisa ser levada pelo governo e seus líderes e cabe ao Maia Pautar ou não. O problema é que eles não sabem o que querem que vote e nem sequer procedimentos regimentais", analisou.

O governo tem tentado minimizar as dificuldades na articulação política. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), escolha pessoal de Bolsonaro, sofre fogo amigo e é constantemente alvo de críticas.

Em uma articulação conjunta com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Rodrigo Maia conseguiu fazer com que o capitão aceitasse indicar a deputada Joice Hasselmann (PSL-PR) na liderança do governo no Congresso. Ela tem boa interlocução não apenas com deputados, mas também com senadores, além do Palácio do Planalto.

A preocupação agora é com as negociações em torno da PEC da reforma da Previdência, que já causa burburinho entre os parlamentares. Hoje, o governo calcula que não teria mais que 200 votos no plenário da Câmara. Para aprovar o texto, é necessário apoio de ao menos 308 dos 513 deputados em dois turnos de votação.

Sem base

O primeiro mês da nova legislatura do Congresso terminou no dia 28 passado sem que a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tenha conseguido formar base aliada e com um isolamento progressivo de seu partido.

Agora, Bolsonaro busca contornar a irritação de líderes do Legislativo com o Planalto para diminuir a incerteza em relação à reforma da Previdência, principal pauta econômica do início do governo, e ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), outra bandeira do mandato.

Uma semana após sofrer sua primeira derrota na Câmara, que levou a gestão a revogar decreto com mudanças na Lei de Acesso à Informação, o presidente se reuniu na terça (26) com líderes partidários e assumiu para si a responsabilidade de azeitar a relação entre Executivo e Legislativo.

"Quem tem o poder de decidir é o presidente. Se não houver nenhum tipo de atitude daqui para frente, é porque o presidente não quis tomar. É diferente de um ministro, que está sempre precisando de autorização", afirmou o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA).

Acompanhado apenas do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, único não militar da cúpula do Planalto, o presidente assentiu com a nomeação de cargos no segundo escalão nos estados por indicação dos deputados e com a liberação de emendas sem contingenciamento.

Bolsonaro tenta conter uma articulação do centrão, que passou recados ao governo de que poderia procrastinar a reforma da Previdência. Ele se comprometeu a tornar reuniões com líderes rotineiras, ainda que não tenha fixado periodicidade. Onyx assumiu o tom pragmático de atender aos pleitos dos congressistas.

A ausência do ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo), general que está no Quênia para encontro da ONU sobre missões de paz, foi interpretada como um sinal de que a articulação política será uma exclusividade de Onyx.

Apesar disso, em mais uma mostra das dificuldades que virão, é Santos Cruz quem mantém melhor relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desde a saída de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral. Maia tem sido o principal fiador da reforma na Casa e é desafeto do ministro da Casa Civil.

O governo Bolsonaro nomeou até aqui auxiliares de sua própria sigla para todos os postos relevantes de articulação política, o que, segundo parlamentares, demonstra que o governo está isolado.

O PSL ocupa não só a liderança na Câmara, com Major Vitor Hugo (GO), como a do Congresso, com Joice Hasselmann (SP). Tem a presidência da principal comissão, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), além de três postos na vice-liderança da Casa.

A falta de traquejo político para a escolha, na segunda-feira (25), dos nomes que ocupam os cargos de vice-líderes é emblemática do estado da negociação política do governo com os deputados.

Os postos, tradicionalmente ocupados por diversos partidos, são importantes para fazer a ponte entre o Executivo e o resto do Congresso, e Bolsonaro esperava com eles melhorar a relação já desgastada.

Porém partidos do centrão como PRB, DEM, Solidariedade e PSD se recusaram a compor. Seus líderes dizem que isso seria confirmar que são parte da base do governo, algo a que não estão dispostos sem contrapartida do Executivo.

Pelo mesmo motivo, parlamentares têm fugido ao serem sondados para assumir a relatoria da mudança das regras da aposentadoria. O argumento é que são os deputados que ficam com o ônus de votações impopulares.

Dirigentes do centrão reclamam, por exemplo, do fato de governadores terem sido privilegiados na apresentação do texto da reforma, enquanto eles não foram consultados.

Maia vocalizou a insatisfação. "Hoje, eu digo que o governo tem o PSL na base e não tem mais partido nenhum", afirmou nesta semana.

Parlamentares se dizem ofendidos com o discurso antipolítica de Bolsonaro e, nos corredores do Congresso, não escondem a intenção de atrasar a tramitação da reforma até que haja acenos de mudança na estratégia do governo.

"O pessoal reclamou que precisa de atendimento melhor [do governo] e chamamos o presidente a ser o garoto propaganda da reforma da Previdência", disse Paulo Martins (PR), líder do PSC. "Ele tem poder de comunicação maior que o de todo mundo somado e vai ajudar a criar um ambiente favorável."

Apesar da reunião com Bolsonaro, líderes planejam enviar novo recado depois do Carnaval, com a convocação do ministro da Educação, Ricardo Vélez, para se explicar por declaração em que chamou brasileiros de canibais.

A ideia é mostrar que, apesar da sinalização do presidente, uma só conversa não basta para acalmar os ânimos.

Para Elmar Nascimento, quando a articulação política está organizada, são privilegiados interesses do governo. Se não, quem faz a pauta são os líderes. "A articulação política do governo hoje está zero", afirmou o líder do DEM.

Vitor Hugo é alvo de constantes críticas. Deputados próximos a Maia dizem que ele não tem recebido o líder do governo —que não participou de reunião na quinta (27) com os presidentes do Legislativo e o ministro da Economia, Paulo Guedes.


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