20/04/2024 - Edição 540

Poder

Moro juiz x Moro ministro: a mudança radical de opinião sobre caixa dois

Publicado em 22/02/2019 12:00 -

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A cruzada de Sergio Moro pelo combate à corrupção começou a enfrentar obstáculos desde que ele deixou a toga de juiz e foi nomeado ministro da Justiça e Segurança Pública pelo presidente Jair Bolsonaro. Em um passado recente, o juiz curitibano fora celebrado durante as manifestações contra a corrupção. O Super Moro estampava camisetas e bonecos nas ruas e, enquanto a personificação da Operação Lava Jato, fazia palestras e dava entrevistas condenando veemente crimes como o caixa dois. "É uma trapaça", dizia, sobre essa prática.

Mas agora, à frente do Palácio da Justiça, o ministro mudou seu discurso. Ao apresentar seu pacote de medidas para combater os crimes de corrupção –bandeira que elegeu Bolsonaro–, teve de fatiar em três partes o plano e deixar em separado a proposta que criminaliza a mesma prática de caixa dois condenada no passado porque "vieram reclamações" dos políticos. "Alguns políticos se sentiram incomodados de isso [crime de caixa dois] ser tratado junto com corrupção e crime organizado. Fomos sensíveis", disse o ministro. O Governo sabe que, do contrário, o pacote não seria aprovado. Além disso, ao anunciar o fatiamento, o ministro ainda atenuou a gravidade desse crime, afirmando que "caixa dois não é corrupção".

Agosto de 2016: Caixa dois é “trapaça”

“Eu particularmente sou favorável a essa criminalização [de caixa dois]. Tenho uma posição muito clara: eu acho que o caixa dois muitas vezes é visto como um ilícito menor, mas é trapaça em uma eleição. E há uma carência da nossa legislação de tipificar esse tipo de atividade. E essa carência acaba gerando suas consequências no sentido de que se isso não é criminalizado, é tipo como permitido”. A frase fora proferida pelo juiz durante um debate no Congresso sobre o pacote que promovia as 10 Medidas Contra a Corrupção, que acabou não sendo aprovado.

No mesmo debate, Moro afirmou que o que mais lhe chamou a atenção no decorrer das investigações da Lava Jato foi o fato de os investigados citarem "de forma muito natural" o pagamento e o recebimento de propina. Em um discurso de aproximadamente uma hora, o então juiz também cobrou maior participação do Executivo e do Legislativo no combate à corrupção. 

Abril de 2017: "Caixa dois é crime contra a democracia"

“Tem que se falar a verdade, caixa dois nas eleições é trapaça, é crime contra a democracia. Alguns desses processos me causam espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre corrupção para fins de enriquecimento ilícito, e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha eleitoral é pior que para o enriquecimento ilícito”. Sérgio Moro falou a uma plateia de estudantes brasileiros na Universidade Harvard no dia 8 de abril de 2017, sobre diversos assuntos. Dentre eles, a corrupção. "Se eu peguei essa propina e coloquei numa conta na Suíça, isso é provável crime, mas esse dinheiro está lá, não está fazendo mais mal a ninguém naquele momento. Agora, eu utilizo isso para ganhar uma eleição? para trapacear numa eleição? Isso pra mim é terrível", seguiu.

Novembro de 2018, sobre caixa dois de Onyx Lorenzoni

“Ele foi um dos poucos deputados que defendeu a aprovação do projeto das 10 Medidas [contra a corrupção] mesmo sofrendo ataques severos da parte dos seus colegas. Quanto a esse episódio do passado, ele mesmo admitiu seus erros e pediu desculpas e tomou as providências para repará-lo”, amenizou Sérgio Moro, no final do ano passado, quando já havia sido anunciado para compor o novo Governo.

Moro deu uma entrevista coletiva em que foi questionado sobre o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). Lorenozini, atual ministro-chefe da Casa Civil, admitiu, em maio de 2017, que recebeu 100.000 reais de caixa dois da JBS para a campanha que o elegeu deputado federal em 2014. “Usei sem [fazer a] declaração das contas”, afirmou em entrevista para a rádio Bandeirantes de Porto Alegre. “Quero pedir desculpas ao eleitor que confia em mim pelo erro cometido”, afirmou ele, que foi relator do projeto 10 Medidas Contra a Corrupção.

Fevereiro de 2019: "Caixa dois não é corrupção"

"Não, caixa dois não é corrupção. Existe o crime de corrupção e existe o crime de caixa dois. Os dois crimes são graves. Aí é uma questão técnica". Pressionado pelos parlamentares, Moro fatiou seu projeto, como amenizou o discurso sobre o caixa dois.

Cautela no laranjal

Além das mudança de opinião repentina em relação do Caixa 2, Moro, que como juiz adotou uma postura intransigente contra a corrupção, também tem sido “cauteloso” sobre outro tema espinhoso ao Governo Bolsonaro: o laranjal do PSL. Afirmou que seria prematuro falar neste momento sobre as responsabilidades do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, exonerado na segunda (18), e o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, no esquema de candidaturas de laranjas do partido do presidente.

Em entrevista à rádio CBN na terça (19), Moro declarou que a Polícia Federal há vinha fazendo investigações preliminares do caso, e que a legislação eleitoral determina uma requisição do Ministério Público Federal para que um inquérito seja aberto.

“Isso [a requisição] não pode ser suprida pelo ministro da Justiça. Estamos esperando essa requisição, e tão logo seja efetuada, o fato será investigado, sem qualquer juízo prematuro sobre a responsabilidade de uma ou outra pessoa”, disse o ministro. “Quem vai fazer isso é a polícia e o Ministério Público, como tem que ser."

Moro disse ainda que há uma “certa incompreensão” do papel do ministro da Justiça. “O ministro da Justiça está ali para fazer um trabalho de cunho mais estrutural, ele não é um superjuiz, um supertira, normalmente não vai se envolver em casos concretos”, disse. “O que ele faz é dar liberdade para órgãos de investigação e de controle para fazerem seu trabalho."

O ministro lembrou que, nesse caso específico, o presidente da República, Jair Bolsonaro, lhe pediu para apurar as candidaturas laranjas do PSL. “Nesse caso em particular o presidente solicitou que fosse feita uma apuração para que os fatos sejam esclarecidos. Eu transmiti essa solicitação à PF, que já vinha fazendo um trabalho de apuração preliminar, e que vai continuar fazendo esse trabalho."


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