29/03/2024 - Edição 540

Poder

PF decide investigar esquema de laranjas ligado a ministro do Turismo de Bolsonaro

Publicado em 22/02/2019 12:00 -

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A Polícia Federal decidiu nesta sexta-feira (22) investigar o esquema de candidatas laranjas do PSL de Minas vinculadas a Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo do governo Jair Bolsonaro.

O promotor de Minas Fernando Ferreira Abreu, responsável pela apuração na parte eleitoral, se reuniu nesta manhã com delegados federais para pedir parceria na apuração do caso. O objetivo é que a PF ajude os promotores na busca de mais provas sobre o caso ocorrido nas eleições passadas. 

O promotor vai enviar o material do caso à PF na quarta-feira (27) com os termos de depoimentos de pelo menos sete pessoas envolvidas —as oitivas estão marcadas para esta sexta e a próxima terça (26).

De posse desses documentos, a PF vai abrir um inquérito e entrar na investigação. Paralelamente à conversa com o Ministério Público, a PF também recebeu uma representação da aposentada Cleuzenir Barbosa, candidata nas eleições passadas que diz ter se recusado a entrar no esquema dos laranjas. 

O escândalo dos laranjas do PSL levou à queda do ministro Gustavo Bebianno do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência na última segunda-feira (18) e deixou o ministro do Turismo em situação delicada. Integrantes do PSL defendem a demissão do ministro.

As autoridades de Minas iniciaram a investigação no caso após o jornal publicar reportagem, em 4 de fevereiro, segundo a qual o ministro do Turismo, deputado federal mais votado em Minas, patrocinou um esquema de quatro candidaturas de laranjas, todas abastecidas com verba pública do PSL.

Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas laranjas receberam R$ 279 mil da verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro.

Desse montante, pelo menos R$ 85 mil foram destinados a quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro de Bolsonaro. Ele nega irregularidades.

Não há sinais de que essas candidatas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. Ao final, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos, apesar do montante recebido para a campanha.

Uma outra candidata em Minas disse ter havido um esquema de lavagem de dinheiro público pelo PSL no estado.

Segundo essa candidata, Cleuzenir Barbosa, o agora ministro do governo Bolsonaro sabia de toda a operação. Mensagens de celular dela, publicadas pelo jornal, também contradizem a versão de Álvaro Antônio e revelam cobrança para desvio de verba eleitoral. Ela diz não ter aceitado entrar no esquema.

Sob pressão, o ministro recorreu ao foro especial quando soube da investigação no Ministério Público e pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que a investigação passe a tramitar perante a Corte. A defesa do ministro quer que, até que o Supremo decida sobre a prerrogativa de foro, a apuração em Minas seja suspensa. O pedido foi sorteado para o ministro Luiz Fux, que cuidará da relatoria.

No ano passado, o Supremo definiu que o foro se restringe a supostos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele. Além de ministro, Álvaro Antônio é deputado licenciado em segundo mandato.

A defesa afirma que os supostos ilícitos foram praticados enquanto ele era deputado federal e têm ligação com seu cargo, uma vez que o dinheiro de campanha foi parar em contas de empresas ligadas a ex-assessores de seu gabinete na Câmara.

“Observe-se o que diz a reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo que versaria sobre os mesmos fatos: 'O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal mais votado em Minas, patrocinou um esquema de candidaturas laranjas no estado que direcionou verbas públicas de campanha para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara'”, escreveu a defesa.

“Os fatos investigados teriam sido cometidos durante o exercício do mandato parlamentar e seriam intrinsecamente ligados ao cargo público”, sustentou na reclamação ao Supremo.

Além do esquema vinculado ao ministro do Turismo, outro caso semelhante ocorreu em Pernambuco. O grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Maria de Lourdes Paixão, 68, virou candidata a deputada federal de última hora para preencher vaga remanescente de cota feminina e teve apenas 274 votos. O PSL repassou R$ 400 mil do fundo partidário no dia 3 de outubro, quatro dias antes da eleição —ela foi a terceira que mais recebeu dinheiro do partido no país. O dinheiro foi parar numa gráfica de fachada. As polícias federal e civil, além da Procuradoria, entraram no caso.

Bebianno presidiu o partido de forma interina durante as eleições e era responsável pela distribuição de verbas públicas a candidatos nos estados.

Com a revelação do caso da laranja de Pernambuco, Bebianno tentou se explicar ao presidente, que, ainda internado em um hospital de SP, se recusou a atendê-lo por telefone. Para negar a crise, o ministro disse ao jornal O Globo que falara com Bolsonaro, mas foi chamado de mentiroso primeiro por Carlos, filho do presidente, e depois pelo próprio Bolsonaro, o que ampliou a crise e terminou com sua queda.=

Arrego

Após Flávio Bolsonaro solicitar ao Supremo Tribunal Federal que a investigação que apura as "movimentações atípicas" de seu ex-assessor Fabrício Queiroz fosse suspensa e tramitasse na corte por ele ter assumido o cargo de senador, eis que o ministro do Turismo decidiu seguir pela trilha aberta por seu correligionário após denúncias de que plantou um laranjal em Minas Gerais.

Recorreu ao STF para que a investigação do Ministério Público mineiro sobre candidaturas de fachada do PSL, na qual ele é alvo, passe para a corte por ele ter foro privilegiado. Da mesma forma que a de Flávio, sua defesa pediu que, até que o Supremo tome uma decisão, a investigação seja suspensa. O ministro sorteado foi Luiz Fux, o mesmo que concedeu a liminar a Flávio Bolsonaro durante o recesso da corte – liminar cassada pelo ministro Marco Aurélio Mello no primeiro dia da volta aos trabalhos do Judiciário.

No ano passado, o próprio Supremo fixou regra para que sejam julgados pela corte apenas casos envolvendo autoridades federais referentes ao exercício do mandato e em razão deste. Contudo, dúvidas sobre o enquadramento dos casos são resolvidas pelo próprio STF – e tanto a defesa de Flávio quanto a de Marcelo jogaram com isso. O ministro Luiz Fux, a propósito, votou a favor da restrição do foro em 2018.

Com isso, ganharam tempo. No caso de Flávio, o suficiente para assumir o cargo como senador eleito em uma casa que proteger os seus. No caso de Marcelo, fica a dúvida do tempo para quê. Para que a sociedade esqueça do que leu e ouviu? O ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que Jair Bolsonaro avaliará a situação quando aparecer algo "de gravidade". Creio que o governo precisa compartilhar conosco a escala com a qual está lidando. Afinal, o que é grave? O ministro surtar e jogar laranja no público, em frente ao Palácio do Planalto, gritando "fui eu!"?

Da mesma forma que a do filho 01 do presidente da República, a ação de Marcelo parece indicar que ele tem algo que não quer que venha à público.

Creio que Jair Bolsonaro deveria se manifestar usando sua passagem bíblica preferida: "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" e pedir para o ministro do Turismo se explicar. Afinal, mesmo os mais ateus concordam com João capítulo 8, versículo 32 e gostariam de ouvir a verdade. Não só de políticos como Marcelo Álvaro Antônio e de Flávio Bolsonaro, mas também de ex-assessores como Fabrício Queiroz e, por que não, Gustavo Bebianno. Aliás, principalmente de Queiroz e Bebianno.

A Folha de S.Paulo, em uma série de reportagens, mostrou que Marcelo, o deputado federal mais votado de seu Estado, foi responsável por um laranjal de quatro candidaturas. Presidente do PSL mineiro, destinou R$ 279 mil de recursos públicos para essas campanha. Parte dos recursos acabaram em empresas de pessoas próximas a ele. As quatro candidaturas tiveram cerca de 2 mil votos apenas.

E falando em Flávio, vale a pena recordar que há mais de dois meses o país espera "explicações plausíveis" sobre as primeiras denúncias de laranjal. Em 6 de dezembro, Fábio Serapião, do jornal O Estado de S. Paulo, revelou "movimentações atípicas" de R$ 1,2 milhão detectadas através do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nas contas de Queiroz, incluindo um depósito de R$ 24 mil para a hoje primeira-dama Michele Bolsonaro. O ex-assessor e motorista de Flávio Bolsonaro, quando deputado estadual, faltou às convocações do MP-RJ para prestar esclarecimentos, alegando problemas de saúde. Foi operado no hospital Albert Einstein, no início deste ano, um dos mais caros do país, para a retirada de um tumor no intestino. Repetiu que daria esclarecimentos, quando a saúde permitisse. Disse em uma entrevista à TV que "fazia dinheiro" com rolo de carros.

Flávio também não atendeu ao convite dos promotores para falar sobre o caso. Solicitou ao Supremo Tribunal Federal a suspensão da investigação criminal envolvendo Queiroz e a anulação das provas. Com a polêmica instalada, vieram a público depósitos fracionados em sua conta que Flávio atribui à compra e venda de imóveis e mais movimentações de Queiroz, agora totalizando R$ 7 milhões.

Jair Bolsonaro afirma que o valor depositado para sua esposa é a devolução de parte de um empréstimo que fez a Queiroz, que totaliza R$ 40 mil. A oposição ao governo acusa Fabrício Queiroz de ser um laranja usado pela família Bolsonaro para repassar parte dos salários recebidos por funcionários de seus mandatos. Há coincidências entre datas de pagamentos pela Assembleia Legislativa do Rio, depósitos na conta de Queiroz feitos por outros funcionários do antigo gabinete de Flávio e saques em dinheiro pelo ex-assessor.

Quando a história já parecia suficientemente bizarra, a imprensa revelou que a esposa e a mãe de um miliciano poderoso trabalharam no gabinete do então deputado estadual. E que Flávio homenageou formalmente, via Assembleia Legislativa, esse miliciano, que teve prisão decretada, e um outro, que já foi preso. E, até agora, nada.

Pessoas próximas ao centro do poder político do país deveriam prestar contas de seus atos sem necessidade de ordens judiciais. Ministros não deveriam mentir, atacar ou ameaçar jornalistas, tampouco usar de fantasia para justificar censura ou pedir ajuda ao Judiciário para evitar dar esclarecimentos à população. O Estado teria que proteger e não tentar reduzir o alcance da Lei de Acesso à Informação. Atores públicos, que construíram fama afirmando-se guardiões da lei e que assumiram cargos no governo precisariam ter pudor e agir contra a tentativa do governo e seus aliados de acobertar informações de interesse público.

Mas, daí, seríamos um país. E não uma grande plantação.

Falta de Critérios

"A vida é como uma caixa de bombons, você nunca sabe o que vai encontrar." A frase dita pela mãe de Forrest Gump, no premiado filme de Robert Zemecks, cabe feito uma luva para explicar a lógica por trás de certas decisões tomadas pelo presidente da República.

Bolsonaro humilhou publicamente, chamando de "mentiroso", nas redes sociais e na TV, um de seus mais próximos aliados. Não teve coragem de demitir Bebianno por conta própria, chamando o filho que ele chama de "pitbull" para ajudar na tarefa de fritura pública.

Qual a garantia de que não volte a fazer isso e, num surto, ataque um parlamentar que o apoie, mas venha a desagradá-lo? A incerteza ressoa pelo Congresso Nacional e pela Esplanada dos Ministérios.

Outra pergunta óbvia: qual o critério objetivo para mandar alguém ao paredão? Ele demitiu um ministro suspeito de irrigar o Laranjal do PSL, mas mantém Marcelo Antônio, no cargo em que está.

No vídeo construído milimetricamente para tentar impedir que Bebianno se torne um homem-bomba de seu governo, justificou a demissão dizendo que "diferentes pontos de vista sobre questões relevantes" acabaram levando à separação de ambos. Contudo, aplicada essa lógica, ele já teria pedido o divórcio a Paulo Guedes.

Nos bastidores, Bolsonaro reclamou a assessores que Bebianno havia vazado diálogos com o presidente e que esse seria um motivo para demiti-lo, quebra de confiança. Nesse sentido, uma parte da Esplanada dos Ministérios já teria rodado.

Outra reclamação, de que o agora ex-ministro teria aceitado receber um representante da Globo para uma reunião, também levaria à demissão de outros que atenderam à empresa de comunicação, inclusive generais próximos a ele.

Não é novidade que tanto o presidente quanto o governo voltem atrás em questões relevantes, após críticas da população, colocando a culpa do bate-cabeça ou do balão de ensaio na imprensa que faria "fake news".

A falta de critérios aliada à intempestividade de Bolsonaro e de seus filhos no intuito de defenestrar um assessor que já não cabia em seus planos muda a relação com aliados no Congresso. O impacto imediato do aumento do "risco bolsonaro" é o aumento do custo do apoio por parte de deputados e senadores para aprovar projetos. Mais cargos terão que ser distribuídos e mais emendas liberadas do que aquilo que ele já teria que distribuir para ver aprovada a Reforma da Previdência por não ter uma base partidária sólida. Com isso, a sua promessa de nova política, jurada em milhões de mensagens de WhatsApp na campanha eleitoral, pode durar menos que romance de carnaval e pode morrer antes da Quarta-feira de Cinzas.

Os eleitores mais conscientes decepcionam-se. Pensaram ter adquirido chocolate ao leite, mas só aparece bombom recheado de uma laranja amarga que nem fel. Os menos, divertem-se com o colorido das embalagens.


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