28/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Reforma propõe que idoso muito pobre espere os 70 anos por salário mínimo

Publicado em 21/02/2019 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O governo Jair Bolsonaro propôs, em sua Reforma da Previdência, elevar de 65 para 70 anos a idade em que idosos em condição de miserabilidade possam pleitear o benefício de assistência social no valor de um salário mínimo mensal. Com isso, atinge a parcela mais vulnerável da população, ao contrário das promessas de que a reforma afetaria apenas os "privilégios".

O texto da Proposta de Emenda Constitucional entregue, nesta quarta (20), pelo presidente da República ao Congresso Nacional, altera o artigo 203 da Constituição Federal, que trata da Assistência Social. O novo texto afirma a "garantia de renda mensal de um salário mínimo para a pessoa com 70 anos de idade ou mais que comprove estar em condição de miserabilidade, que poderá ter valor inferior, variável de forma fásica, nos casos de pessoa idosa com idade inferior a setenta anos, vedada a acumulação com outros benefícios assistenciais e com proventos de aposentadoria ou pensão por morte".

Em contrapartida, no item sobre disposições transitórias relacionadas à assistência social, que faz parte do texto da reforma, o governo propõe que o Congresso aprove que idosos em condição de miserabilidade possam ter acesso a um benefício mensal de R$ 400,00 a partir dos 60 anos. E, apenas aos 70, recebam o equivalente a um salário mínimo.

Bolsonaro, dessa forma, propôs uma "troca": antecipa 40% mensais do que a pessoa receberia por cinco anos (considerando o atual salário mínimo de R$ 998,00) e extrai 60% do que ela poderia ganhar nos cinco anos seguintes. Mesmo que se ignore que há um prejuízo ao idoso nessa troca, o problema é que o corpo humano não se mantém com a mesma vitalidade e integridade ao longo desse período da vida. É mais fácil a um trabalhador pobre conseguir bicos e suportar um serviço dos 60 aos 65, para complementar um benefício de R$ 400,00, do que dos 65 aos 70, abrindo mão de um salário mínimo integral. É, portanto, uma troca injusta.

E pode ficar ainda mais caso a política de reajuste do salário mínimo seja mantida e apresente ganhos acima da inflação. Como o projeto não fala em porcentagem do mínimo, mas fornece um número (R$ 400,00), ele pode ser reajustado por outro indicador que apenas acompanhe a inflação ou nem isso, o que poderia significar outra perda para o beneficiado de 60 a 69 em relação ao de 70 anos.

O texto não trata dessa possibilidade, mas supondo que um casal de idosos em condição de miserabilidade possa receber dois benefícios dos 60 aos 69, mesmo assim o valor pelos dois juntos é menor que o do salário mínimo. Isso sem contar que nem todos os idosos muito pobres são casados ou têm parceiro vivo. Pela proposta de Bolsonaro, caso o idoso consiga se aposentar aos 65 anos pela Previdência Social, deixa de receber o benefício.

O acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), hoje, é para pessoas com mais de 65 anos que estão abaixo da linha da pobreza – famílias com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo vigente (R$ 249,50). Até agora, todos recebem um salário mínimo (R$ 998,00). O BPC não é uma aposentadoria, mas um benefício assistencial e não demanda contribuição anterior.

Os defensores desse ponto da Reforma da Previdência afirmam que pagar os R$ 400,00 a partir dos 60 irá beneficiar milhões. Se o objetivo for a qualidade de vida dos idosos pobres, Bolsonaro poderia, então, propor o benefício de R$ 400,00 a partir dos 60, mantendo o de um salário mínimo a partir dos 65. Soa como delírio? A sugestão de postergar o benefício pleno também.

A proposta de Reforma da Previdência de Michel Temer trouxe, inicialmente, a mesma sugestão de Jair Bolsonaro – que idosos pobres poderiam pleitear o benefício não mais aos 65, mas aos 70 anos. Com a pressão dos parlamentares e da sociedade, o relator na Câmara dos Deputados baixou para 68 – com um regra de transição que aumentaria a idade nos próximos anos. E, enfim, a última proposta mantinha os 65.

O governo Bolsonaro também propõe que as idades previstas para obtenção da assistência social a idosos pobres "deverão ser ajustadas quando houver aumento na expectativa de sobrevida da população brasileira". Mas não apresentou, junto com a entrega da proposta ao Congresso Nacional, programas que ajudem na empregabilidade desse público.

A expectativa de vida no Brasil aumentou e tende continuar aumentando, bem como os índices de sobrevida após os 65 anos – que é o que realmente importa para o cálculo da previdência e da seguridade social. Isso poderia servir como justificativa para aumentar a idade mínima do BPC em três ou cinco anos. Mas segue muito difícil para os mais pobres com 65 anos ou mais conseguirem um emprego ou mesmo um bico decente.

Mesmo que o governo diga que estará separando o que é aposentadoria do que é assistência para justificar a desvinculação do benefício parcial do salário mínimo, a lógica fria não sobrevive à realidade de quem não conta com mais nenhum auxílio, além do Estado. Isso sem contar que um grande naco desses idosos em condição de miserabilidade chegaram a contribuir para a Previdência Social ao longo de sua vida. Mas devido ao desemprego e à informalidade, o montante foi insuficiente para pleitear uma aposentadoria.

Considerando que uma massa de trabalhadores pobres, mas não tão pobres, que atuam na informalidade, terá mais dificuldades para se aposentar por conta do aumento de 15 para 20 anos para contribuição mínima, item proposto pela Reforma da Previdência, espera-se uma demanda maior do BPC. O que é um dos motivos que leva o governo a querer estreitar a porta de entrada.

A questão das mudanças no BPC serão, muito provavelmente, alteradas pelos parlamentares, com pressão principalmente daqueles da Região Nordeste – ao menos aqueles que não tenham tendência suicida na política. O mais provável é que entre como moeda de troca para outro ponto do pacote proposto.

Leonardo Sakamoto – Jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *