18/04/2024 - Edição 540

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STF envia três denúncias e um inquérito contra Temer à primeira instância

Publicado em 08/02/2019 12:00 -

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Com o fim de mandato de Michel Temer (MDB) em 1º de janeiro passado – com a consequente perda do foro privilegiado –, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) enviaram à primeira instância da Justiça três denúncias e um inquérito que têm entre os alvos o ex-presidente emedebista. No conjunto, Temer é investigado por corrupção, organização criminosa, obstrução de Justiça e lavagem de dinheiro.

Três dos processos estavam sob responsabilidade do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato, e outro sob a tutela do ministro Luís Roberto Barroso – no caso, o denominado o inquérito dos portos. Em 19 de dezembro passado, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou Temer ao STF corrupção passiva e lavagem de dinheiro a 12 dias do encerramento do mandato do emedebista e na véspera do início do recesso do Judiciário.

Temer é acusado nesse caso, ao lado de outros denunciados, de favorecer empresas do setor portuário por meio do Decreto nº 9.048/2017, relacionado à edição de uma medida provisória sobre o mesmo assunto (leia mais abaixo). Temer e correligionários do MDB são suspeitos de operar um esquema que há décadas controla o Porto de Santos com o objetivo de desviar dinheiro de contratos do setor. Ele nega qualquer prática ilícita.

O ministro Barroso também acatou pedido da PGR de instauração de outros cinco inquéritos para apurar suspeitas que pesam contra Maristela Temer, filha do ex-presidente. Também são investigados o ex-ministro Moreira Franco, o amigo do ex-coronel João Baptista Lima Filho, amigo de longa data de Temer, e empresas do setor portuário. Os procedimentos investigatórios passam a tramitar nas Justiças federal e estadual do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Outras duas denúncias – ambas barradas por deputados governistas, em um ambiente de compra de votos e troca de favores –, estas sob responsabilidade do ministro Fachin, tiveram como base as delações premiadas da JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Em um delas, Temer foi denunciado por corrupção passiva sob acusação de ser o destinatário final de R$ 500 mil em espécie, no famigerado episódio da mala com o dinheiro recebida pelo seu ex-assessor e ex-deputado Rocha Loures (MDB-PR).

A outra denúncia tem o ex-presidente como protagonista em esquema de obstrução de Justiça por meio da compra do silêncio, com verba da JBS, do ex-aliado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), preso desde 2016 em Curitiba (PR) em decorrência de condenação na Lava Jato. Consta dos autos do processo, como principal prova, uma gravação de conversa com Temer feita pelo empresário Joesley Batista no Palácio do Jaburu, residência oficial da vice-presidência, tarde da noite e fora da agenda do então presidente.

O MPF definiu o caso como “quadrilhão do PMDB”. A investigação apura pagamento de propinas da Odebrecht, uma das empreiteiras-pivô da Lava Jato, aos ex-ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Enegia) – a propina, segundo as investigações, seriam contrapartida pelo tratamento especial dispensado à empresa na Secretaria de Aviação Civil, que foi comandada pelos dois ministros entre 2013 e 2015. Em 2 de março, a pedido de Raquel Dodge, Fachin incluiu o presidente entre os beneficiários do esquema de corrupção.

Para a Polícia Federal, Temer tinha poder decisório no “quadrilhão” e recebeu mais de R$ 30 milhões em propina. No pedido de inclusão de Temer nesse inquérito, Raquel Dodge citou a delação de Claudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht, que afirmou ao Ministério Público que um jantar foi oferecido no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República, para negociar o repasse e a divisão de R$ 10 milhões pagos pela empreiteira como ajuda de campanha ao MDB, partido de Temer.

Denúncia consistente

A despeito de reconhecer que já não dispõe de competência para atuar como relator do caso, Barroso sinalizou, por assim dizer, qual seria sua decisão caso o processo contra Temer permanecesse sob seus cuidados.

O ministro escreveu que a denúncia da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, "descreve detalhadamente o funcionamento de um esquema duradouro de corrupção que se teria formado em torno do ex-presidente da República, Michel Temer. Em suma, o denunciado teria se valido largamente de seus cargos públicos, ao longo de mais de 20 anos, para conceder benefícios indevidos a empresas do setor portuário, em troca de um fluxo constante de pagamento de propinas."

Barroso prosseguiu: "Segundo a peça acusatória, o sistema de corrupção do tipo 'conta corrente' – isto é, em que os pagamentos eram realizados com habitualidade, tanto como retribuição às vantagens já obtidas como para estimular a concessão de novos favores – era operacionalizado principalmente por meio de contratos fictícios de prestação de serviços com empresas de fachada, controladas por Michel Temer e João Baptista Lima Filho."

Em timbre de lamento, o ministro anotou: "Apesar da gravidade dos fatos narrados, não cabe mais a este relator decidir sobre a instauração da ação penal e os pedidos de prisão preventiva." Barroso lembrou que a Polícia Federal havia requisitado duas prisões: a do coronel João Baptista Lima Filho, espécie de faz-tudo de Temer, e de Carlos Alberto Costa. Explicou que não recebeu a tempo manifestação que havia solicitado a Raquel Dodge.

"O inquérito que subsidia a denúncia me foi encaminhado, com o relatório final, em 16.10.2018", explicou Barroso. "Na mesma data, encaminhei os autos à Procuradoria-Geral da República, com um breve resumo dos fatos, das provas e das imputações. A denúncia ora examinada foi apresentada no dia 19.12.2018, às 19h18min. Tratava-se do último dia de funcionamento regular desta Corte antes do início do recesso forense (Lei no 5.010/1966, art. 62, I)."

Quer dizer: a denúncia de Raquel Dodge chegou quando as férias do Supremo já haviam começado. "A denúncia foi protocolada quando já iniciado o recesso, os trabalhos regulares da Corte estavam suspensos (RI/STF, art. 78, § 2o), de modo que este relator já não mais detinha atribuição para examinar os pedidos de prisão preventiva de João Baptista Lima Filho e Carlos Alberto Costa, formulados pela autoridade policial, e de remessa dos autos ao Congresso Nacional para juízo político prévio pela Câmara dos Deputados."

Para bom entendedor, Barroso sinalizou nas entrelinhas do seu despacho que: 1) votaria pela abertura de ação penal contra Temer caso a denúncia ainda estivesse sob sua relatoria; 2) expediria os mandados de prisão solicitados pela Polícia Federal se Raquel Dodge tivesse respondido ao seu pedido de manifestação antes do início do recesso do Judiciário.


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