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Brasil

Especial Brumadinho: Fantasma da impunidade ronda o Brasil após nova tragédia

Publicado em 31/01/2019 12:00 -

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Com mais uma tragédia em curso, provocada pelo colapso da barragem da Vale em Brumadinho, o Brasil volta às manchetes pela destruição causada pelos rejeitos da mineração. A catástrofe de grandes proporções humanas, que deixou dezenas de mortos e centenas de desaparecidos, destruiu até agora o equivalente a 125 campos de futebol, segundo levantamento divulgado pela ONG WWF nesta terça-feira (29/01).

A repetição do mesmo tipo de calamidade em tão pouco tempo coloca o país num lugar de destaque na impunidade de crimes ambientais, aponta Antonio Nobre, cientista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). “Em 2015 tivemos no Brasil o maior acidente da história da mineração, que destruiu um rio inteiro, matou pessoas, afetou o oceano. Nenhuma multa ambiental foi paga. Ninguém foi preso", exemplifica Nobre.

Três anos após rompimento da barragem em Mariana, a mineradora Samarco , que tem a Vale como uma de suas acionistas, ainda não pagou a multa ambiental imposta pelo Ibama. A quantia supera 350,7 milhões de reais. O processo envolvendo executivos da Samarco, Vale e BHP Billiton ainda não tem data para julgamento.

Até agora, três funcionários da Vale e dois engenheiros terceirizados foram presos para apurar a responsabilidade pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Desastres envolvendo mineração fazem parte da história do Brasil, pontua o pesquisador Nobre. Um dos mais antigos vem do Amapá: a exploração de manganês na Serra do Navio, iniciada em parceria com americanos nos anos 1940, foi interrompida deixando crateras de rejeitos que impactam a população até hoje.

"Ficamos com toda a poluição, e o estado do Amapá não se desenvolveu", diz Nobre. “Não somos o país que mais se preocupa em proteger o meio ambiente."

Pouco dias antes da tragédia em Brumadinho, o presidente Jair Bolsonaro, em sua primeira aparição internacional, disse o contrário no Fórum Econômico Mundial: "O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente".

Para o Observatório do Clima, o discurso não combina com a realidade. "Mesmo diante de uma tragédia dessa em Brumadinho, a gente ainda vê o ministro de Meio Ambiente discutindo a flexibilização do licenciamento ambiental, a facilitação do acesso às licenças", critica Carlos Rittl o posicionamento de Ricardo Salles. "Não foi a própria Vale que afirmou, há poucos meses, que a barragem estava segura? E veja o que aconteceu. Esse é um exemplo claro de que a autorregulação não funciona."

Longe das primeiras colocações, o Brasil aparece em 69° lugar entre os 180 países analisados no Índice de Desempenho Ambiental (EPI, na sigla em inglês). Publicado anualmente há 20 anos por pesquisadores das universidades de Yale e Columbia, dos Estados Unidos, em colaboração com o Fórum Econômico Mundial, o ranking internacional analisa indicadores em 24 áreas diferentes.

“Eu soube o que o presidente Bolsonaro disse sobre o Brasil ser o país que mais preserva. Mas o que isso não é exatamente preciso", rebate Zachary Wendling, coordenador do EPI. "Nós também temos um presidente que costuma contar vantagem e costumamos checar com fatos e evidências tudo o que ele fala", comenta, sobre as similaridades com Donald Trump.

Na categoria "florestas" do EPI, o Brasil tem uma das notas mais baixas: 12,43. "A posição do Brasil no ranking da categoria ‘proteção de florestas’ é a de número 96. Na verdade, o Brasil está bem atrás neste quesito, muito abaixo da média", pontua Wendling.

Na avaliação feita em 2018, Suíça, França e Dinamarca aparecem como os países que mais protegem o meio ambiente. Na América Latina, os primeiros colocados são Costa Rica, Colômbia e Uruguai – o Brasil aparece em sétimo no ranking regional. 

Um estudo da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) mostra que o Brasil é campeão em perda florestal, segundo dados coletados entre 2010 e 2015. China, Austrália e Chile, por outro lado, são os que mais ganham em cobertura de mata.

Anssi Pekkarinen, um dos responsáveis pelo tema na FAO, informou que as análises são feitas com base em informações disponibilizadas pelos países e que um novo estudo deve ser publicado em 2020.

Para José Eli da Veiga, agrônomo de formação e professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo), a reformulação do Código Florestal está entre as evidências mais recentes de impunidade. 

Votado em 2012 durante o governo Dilma Rousseff, a lei, entre outros, diz o que deve ser preservado de mata nativa dentro de propriedades privadas.

“A legislação perdoou toda a devastação feita no Cerrado e na Amazônia. Os desmatadores ficaram impunes”, menciona Veiga a anistia que a nova versão da lei garantiu a donos de terra que desmataram além do permitido até 22 de julho de 2008.

Veiga aponta ainda outras falhas brasileiras na preservação: descaso com gerenciamento hídrico, com saneamento básico e energias renováveis. “É um crime não estimular a expansão das fontes eólicas e solar para privilegiar a exploração do pré-sal”, comenta sobre o incentivo fiscal dado ao petróleo.

Dos cerca de R$ 3 bilhões em multas anuais aplicadas pelo Ibama por crimes ambientais, apenas cerca de 5% do valor é pago. A multa de R$ 10 mil dada a Bolsonaro em 2012 por pesca ilegal em área protegida foi anulada depois das eleições presidenciais. Segundo levantamento do Observatório do Clima, o órgão tem cerca de 100 mil processos de autos de infração acumulados.

Para Antonio Nobre, a preocupação ambiental de um país se mostra também no rigor com que os que causam destruição são punidos. “Se em Mariana o presidente da Samarco tivesse sido preso e a empresa tivesse quitado as multas milionárias, hoje seria diferente”, avalia.

“Em vez de assumir uma responsabilidade ambiental, parece ser mais barato para empresas  corromperem o sistema. E quem assume o custo da tragédia é a sociedade brasileira: com as mortes, destruição permanente de rios, com uma perda incalculável”, finaliza.


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