19/04/2024 - Edição 540

Poder

Sob pressão de militares, Bolsonaro tenta deixar Flávio sozinho com crise

Publicado em 25/01/2019 12:00 -

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Com o aumento da cobrança de setores militares, o governo Jair Bolsonaro (PSL) começou a deixar o filho mais velho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sozinho para explicar o cada vez mais nebuloso caso envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

O que os apoiadores do governo não sabem dizer ainda é se a tática será eficaz e, principalmente, se não veio tarde demais.

"Se por acaso ele errou e isso for provado, lamento como pai, mas ele terá de pagar o preço por esses atos que não podemos aceitar", afirmou Jair Bolsonaro na quarta (23) à Bloomberg, em Davos (Suíça), onde participou do Fórum Econômico Mundial.

Em Brasília, o presidente interino, general Hamilton Mourão, foi na mesma linha: "Apurar e punir, se for o caso", comentando a frase de Bolsonaro. É uma inflexão: ele vinha dizendo que o tema não dizia respeito ao governo.

Existe um consenso nas Forças Armadas de que Flávio não foi convincente até aqui nas explicações sobre o cipoal que mistura operações financeiras envolvendo imóveis no Rio com a movimentação atípica de valores seus e de seu ex-assessor.

Após a repercussão da declaração, Bolsonaro disse, em entrevista à Record, que acredita no filho e que as acusações contra ele são infundadas. "Não é justo atingir um garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir", declarou o presidente.

A crise em torno do caso foi agravada na terça (22), quando uma operação liderada pelo Ministério Público fluminense mirou o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, suspeito de liderar uma milícia e um grupo de extermínio na zona oeste do Rio.

O gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio empregou a mulher e a mãe do ex-PM quando ele já era investigado, e o senador eleito jogou a responsabilidade sobre Queiroz pelas indicações.

Para um general ouvido pela reportagem, isso tornou rifar o primogênito dos Bolsonaros uma prioridade. Como fazê-lo sem envolver o presidente, essa é outra questão.

Ele afirma, no que concorda um almirante, que a mera ligação com o gabinete não implica culpa de Flávio, mas é basicamente impossível de ser respondida de forma satisfatória para a opinião pública.

Alguns setores da cúpula das Forças Armadas fizeram chegar ao núcleo militar do Planalto a sugestão de que Flávio não assumisse a cadeira no Senado, em fevereiro. Isso poderia, para eles, evitar a contaminação do debate legislativo pelo caso.

O temor é menos por efeitos objetivos, já que Comissões Parlamentares de Inquérito geralmente acabam em nada, mas pela necessidade de estabelecer um toma lá, dá cá logo de saída para garantir a tramitação das reformas econômicas que serão propostas pelo governo Bolsonaro.

Um defensor dessa tese disse que o preço a pagar, no caso de a situação de Flávio se agravar, será um maior distanciamento das Forças Armadas do governo.

Um membro do grupo militar no Planalto desconsidera a hipótese, por considerar que equivaleria a uma confissão de culpa. Acha também que Flávio precisa cuidar de sua defesa, mas que o Senado é um local adequado para isso.

A amigos, o senador eleito tem demonstrado tranquilidade. Foi ao Rio nesta semana para cuidar de sua mudança para Brasília, por exemplo, rejeitando quaisquer insinuações de renúncia preventiva.

Se ela acontecesse, ele perderia a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal que reclamou e ganhou em decisão provisória na semana passada, travando as investigações, movimento que disparou o estágio atual da crise.

Se Flávio desistisse do cargo, assumiria sua cadeira o suplente Paulo Marinho, empresário que ajudou a articular a candidatura presidencial de Bolsonaro.

Na Suíça, apesar da declaração à TV da agência de notícias, Bolsonaro fugiu do assunto. Alegando cansaço, segundo o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o presidente deixou a imprensa atônita ao não aparecer para uma entrevista coletiva organizada pelo fórum —mais tarde, ele disse que seguiu recomendação médica.

O temor dos militares com o caso também passa pela incerteza em relação ao que ainda pode vir pela frente. Até terça, era uma confusa e suspeita sucessão de revelações sobre práticas financeiras dos deputados estaduais do Rio —como Flávio.

Agora, chegou no mundo das milícias, organizações formadas por policiais e ex-policiais que ocuparam espaços deixados pelo tráfico em favelas, cobrando por proteção e serviços aos moradores.

No caso específico da investigação sobre o ex-capitão Nóbrega, há um agravante político. O grupo de execuções extrajudiciais ao qual estaria ligado, o Escritório do Crime, é suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018.

Autoridades deverão fazer uma ofensiva de comunicação para dissociar eventuais problemas de Flávio com a Receita de qualquer insinuação de ligação com a morte de Marielle pela via indireta de Nóbrega —que está foragido.

Não existe nada nesse sentido, mas politicamente a associação acaba sendo inevitável e já está sendo explorada pela oposição.

Entenda o caso

Principal dor de cabeça do presidente Jair Bolsonaro desde a sua eleição, em outubro, as suspeitas contra o policial militar Fabrício Queiroz ganharam dimensão ainda maior com a divulgação na semana passada de detalhes da movimentação financeira do senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente.  

Flávio, que foi ao Supremo Tribunal Federal para interromper investigação do Ministério Público do Rio a respeito, recebeu depósitos fracionados que totalizaram R$ 96 mil entre junho e julho de 2017, sem que houvesse a identificação da origem. O senador eleito nega irregularidades, diz que ele mesmo fez os depósitos e afirma que cabe a Queiroz, que o assessorava até outubro, dar as explicações sobre as movimentações atípicas.

Jair e Flávio Bolsonaro vem evitando manifestações públicas desde a eclosão do caso, no início de dezembro, e questões sobre o episódio ainda não foram esclarecidas.

Como começou a investigação? A apuração que atingiu Flávio Bolsonaro tem origem em etapa da Lava Jato do Rio que tinha deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) como alvos. Em 2017, três deles, incluindo o então presidente da Casa, Jorge Picciani, do MDB, foram presos. Um relatório do Coaf feito no âmbito dessa investigação mencionava movimentações financeiras atípicas dos assessores dos deputados estaduais, incluindo Fabrício Queiroz, que até outubro foi funcionário comissionado de Flávio na Casa. Em 2018, o Ministério Público do estado recebeu dados dessa operação e, em novo desdobramento, abriu investigações criminais para apurar essas suspeitas 

O que é o Coaf? O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é um órgão de inteligência que atua contra a lavagem de dinheiro e, mais recentemente, o financiamento ao terrorismo. No novo governo, migrou do antigo Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça

O que é movimentação financeira atípica? As instituições financeiras são obrigadas a informar ao órgão todas as operações consideradas suspeitas, como repasses ou saques fracionados. Há dezenas de critérios para uma movimentação ser enquadrada nesse perfil, como transações de quantias significativas por meio de conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos. Movimentação atípica, porém, só se torna crime se a origem do dinheiro for ilícita. 

Quais são as suspeitas sobre Fabrício Queiroz? Segundo o Coaf, Fabrício Queiroz, que era policial militar e motorista do filho de Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017 –entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil. Além do valor, considerado incompatível com o patrimônio de Queiroz, chamaram a atenção dos investigadores o volume de saques (que chegaram a cinco num mesmo dia) e o fato de ele ter recebido repasses de oito funcionários do gabinete de Flávio. 

Quais eram as origens e a destinação dos valores? Chegaram à conta de Queiroz R$ 216 mil por meio de depósitos em dinheiro e R$ 160 mil em transferências vindas, em boa parte, de funcionários da Alerj. Nathalia Queiroz, filha do policial militar e ex-assessora de Flávio na Alerj e de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, depositou R$ 84 mil. O destino dos valores sacados também chamou a atenção do Coaf. Quase metade do valor, R$ 324 mil, foi sacado de uma agência que fica na Assembleia do Rio. Em entrevista ao SBT, em dezembro, Queiroz atribuiu a movimentação a negócios particulares, como a compra e venda de automóveis.

Qual o elo da movimentação financeira com o presidente Jair Bolsonaro? Entre as transações de Queiroz, está um cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, a atual primeira-dama. Em entrevistas após a divulgação do caso, Jair Bolsonaro disse que a primeira-dama recebeu o cheque porque o ex-assessor estava pagando parte de uma dívida de R$ 40 mil que tinha com ele. Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. O presidente afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle porque ele não tem "tempo de sair"

Qual foi a movimentação total nas contas de Queiroz? O relatório do Coaf que deu início ao caso abordava apenas um período entre 2016 e 2017. Reportagem do jornal O Globo, porém, afirma que, além dos R$ 1,2 milhão inicialmente revelados, passaram por sua conta corrente mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios anteriores, totalizando R$ 7 milhões

Por que a movimentação financeira de Flávio Bolsonaro também veio a público? Em meio à apuração do caso Queiroz, o Ministério Público do Rio solicitou ao Coaf novo relatório, desta vez sobre as contas de Flávio. A Promotoria pediu as informações em 14 de dezembro e foi atendida no dia 17 —um dia antes de ele ter sido diplomado senador. O mandato de deputado estadual de Flávio terminará em 31 de janeiro e ele assumirá uma cadeira no Congresso no dia seguinte

O que foi revelado em relação a Flávio nesse relatório? O Coaf apontou que o filho do presidente recebeu em sua conta bancária 48 depósitos, em dinheiro em junho e julho de 2017, sempre no valor de R$ 2.000, totalizando R$ 96 mil. De acordo com reportagem do Jornal Nacional sobre o caso, os depósitos foram feitos no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Alerj, e os remetentes não foram identificados

O que disse o filho do presidente a respeito? Em entrevista à TV Record, ele disse que recebeu dinheiro em espécie pela venda de um imóvel e que depositou R$ 2.000 por ser o limite no caixa eletrônico. O comprador do imóvel, o ex-atleta Fábio Guerra, confirmou que pagou em dinheiro vivo porque havia recebido em espécie valores da venda de um outro imóvel. A escritura da transação, porém, aponta uma divergência de datas e registra que o sinal foi pago meses antes

O que é o pagamento feito por Flávio de um título bancário de R$ 1 milhão? Segundo a TV Globo, o Coaf, em seu relatório sobre as movimentações de Flávio Bolsonaro, identificou um pagamento de R$ 1.016.839 de um título bancário da Caixa Econômica, mas sem especificar a data e o favorecido. Em entrevista para a Record, o senador eleito afirmou que esse título se referia ao financiamento de um imóvel.

Qual é o estágio atual dessa investigação? A investigação na parte criminal foi paralisada na semana passada por ordem do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, após pedido da defesa de Flávio Bolsonaro. A Promotoria sustenta que até agora investigava fatos, e não pessoas, e que o nome do filho do presidente não figura formalmente como investigado no procedimento criminal. Ao fim do recesso do Judiciário, em 1º de fevereiro, caberá ao ministro Marco Aurélio Mello definir se o caso volta para o Rio de Janeiro. A Promotoria no Rio, porém, segue apurando o caso dele e de outros deputados na esfera cível (cujas punições são de perda de funções públicas ou ressarcimento de valores, entre outras). 

Quais os argumentos de Flávio Bolsonaro para paralisar o processo? Afirma que o Supremo tem que analisar a quem cabe assumir o caso, já que Flávio foi eleito e diplomado senador, tendo direito a foro especial. Diz ainda que o Ministério Público do Rio quebrou seu sigilo bancário de forma ilegal, ao solicitar ao Coaf seus dados bancários sem autorização judicial e pede a anulação de provas obtidas

As informações relatadas pelo Coaf equivalem a quebra de sigilo bancário? Conforme as decisões da Justiça até agora, não. Em julgamento sobre questão semelhante em 2017, o Superior Tribunal de Justiça, a segunda mais importante corte do país, decidiu que a mera solicitação de manifestação do Coaf não constitui "necessariamente, risco de obtenção de informações protegidas por sigilo fiscal e, portanto, independente de prévia autorização judicial”

Que irregularidades são apontadas pelo Ministério Público? A apuração criminal correu sob sigilo e os promotores não dão detalhes sobre o assunto. O pagamento de outros funcionários a Queiroz sugere a prática de pedágio no gabinete, também apelidada de "rachadinha", que ocorre quando alguém determina a retenção de uma parte dos salários de servidores nomeados. Em tese, essa situação pode configurar o crime de peculato (desvio de dinheiro público). Antes de o STF interromper a investigação criminal, o chefe do Ministério Público do Rio, Eduardo Gussem, disse que poderia ser oferecida uma denúncia no caso Queiroz mesmo sem a realização de oitivas com os alvos. O ex-assessor não apareceu em dois depoimentos marcados, alegando problemas de saúde. 

Qual a relação do caso com milícias do Rio? Operação deflagrada no Rio na terça-feira (22) tinha como um dos alvos de mandado de prisão o ex-capitão da PM Adriano Nóbrega, suspeito de chefiar milícias na cidade. A mãe e a mulher dele foram comissionadas no gabinete de Flávio até o ano passado. O senador eleito atribuiu as indicações aos cargos a Queiroz.

Questões ainda sem respostas:

  • Por qual motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais?
     
  • De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação? 
     
  • Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz?
     
  • Se Queiroz atribui a movimentação financeira a seus negócios, por que há recebimentos de outros funcionários do gabinete na Alerj?
     
  • Qual a origem do dinheiro pago na quitação de um título na Caixa por Flávio?
     
  • Se Flávio possui apenas uma empresa que foi aberta em seu nome, em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012 a 2014?
     
  • Por que Flávio fracionou o dinheiro da venda do imóvel, se poderia ter depositado de uma só vez?

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