19/03/2024 - Edição 540

Poder

Governo Bolsonaro estuda reforma da Previdência com 15 anos de transição

Publicado em 18/01/2019 12:00 -

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A equipe econômica estuda propor, na reforma da Previdência, que a transição para a idade mínima de aposentadoria ocorra em 15 anos. A ideia seria uma solução intermediária entre as que estão à disposição do governo. Seria mais curta e mais dura que a do texto enviado durante o governo Michel Temer ao Congresso, que previa transição em 20 anos, e mais suave que a proposta de fazer a mudança em apenas dez anos, que também é avaliada. A medida geraria economia extra de R$ 120 bilhões em relação ao projeto que está na Câmara — ao todo, a reforma de Temer prevê um alívio de cerca de R$ 500 bilhões em dez anos. 

Outra possibilidade em análise, de acordo com um interlocutor da equipe econômica, é que, ao fim dessa transição de 15 anos, a idade mínima seja menor do que a prevista na proposta que está no Congresso, de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Poderia ser de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres, por exemplo, conforme citado pelo presidente Jair Bolsonaro em entrevista ao SBT no início do mês.

– Criar a idade mínima é muito mais importante do que o nível da idade definida – disse esta fonte.

A discussão sobre o tempo de transição foi um dos temas de uma reunião realizada no Rio, na última sexta-feira, entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, o secretário da Previdência, Rogério Marinho, e assessores econômicos. O tempo de transição é o que define quando a idade mínima estipulada será de fato aplicada. Por exemplo, na transição em 20 anos de Temer, só seria necessário ter 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres) exigidos pela proposta em 2038.

Antes disso, seria possível se aposentar mais cedo, em uma idade calculada a partir de uma tabela de transição. Quanto menor o tempo de transição, mais dura é a reforma.

Exigência muito alta

A avaliação de especialistas que participaram da reunião de sexta é que um tempo de transição muito curto pode ser de difícil implantação, porque exigiria que o começo da transição já partisse de uma idade muito alta, prejudicando quem está próximo de se aposentar por tempo de contribuição.

A economia extra de R$ 120 bilhões é menos da metade da que está prevista com uma transição mais rápida, de dez anos, estimada em R$ 275 bilhões.

O tempo de transição mais curto faz parte da proposta apresentada pelos economistas Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, e Paulo Tafner, especialista em Previdência. No projeto, apresentado à equipe de Guedes logo após as eleições, a idade mínima começaria em 55 anos para homens e 53 anos para mulheres, chegando a 65 anos para ambos em 12 anos.

A reunião também tratou da migração para o regime de capitalização, que deve fazer parte da proposta de reforma do novo governo. Nesse sistema, que será voltado só para as futuras gerações, parte das contribuições à Previdência irá para uma conta individual do trabalhador, que ajudará a bancar seus benefícios no futuro. Hoje, ele só contribui para o regime de repartição, que é um bolo que financia as aposentadorias de todos.

FGTS na capitalização

A ideia para a capitalização em análise é permitir que parte do dinheiro do FGTS possa ser transferido para essa conta individual, para engordar a poupança da aposentadoria. A avaliação, no entanto, é que a medida pode enfrentar resistência, já que os recursos do Fundo são usados para financiar várias atividades, como o crédito imobiliário.

A expectativa é que a proposta de reforma da Previdência seja apresentada ao presidente Jair Bolsonaro ainda nesta semana. A ideia da equipe econômica é que o governo já consiga apresentar as linhas gerais do projeto durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que ocorre semana que vem.

A leitura de integrantes da equipe econômica é que o público do fórum — na maioria investidores — deve cobrar propostas concretas. O destino da reforma da Previdência é relevante para agentes do mercado financeiro, porque está diretamente relacionado à saúde das contas públicas do país.

Com um sistema desequilibrado, aumenta o risco de o governo ter dificuldades para honrar o pagamento de títulos da dívida. Só neste ano, o déficit da Previdência deve chegar a R$ 218 bilhões, equivalente a 2,9% do PIB. Se nada mudar, esse percentual deve saltar para 11,4% do PIB em 2060, segundo projeções da equipe econômica.

Uma outra opção em estudo no governo para custear a transição na Previdência de um regime de repartição — no qual trabalhadores da ativa arcam com o benefício de quem já se aposentou — para um regime de capitalização (no qual cada um contribui para sua própria aposentadoria) é criar um fundo com recursos decorrentes da privatização de empresas estatais e com ativos da União. Na semana passada, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, chegou a dizer que a mudança dos regimes precisaria ter um fundo de recursos para bancar a transição:

– Para que ela (capitalização) seja colocada em pé, é necessário que haja um fundo de transição. Isso está sendo trabalhado também.

O desafio do governo, no entanto, é colocar em prática um programa de privatizações que arrecade recursos suficientes para essa função, uma vez que o ministro da Economia, Paulo Guedes, também quer que os recursos decorrentes da venda de estatais sejam usados para reduzir o estoque da dívida pública.

Futuras pensões reduzidas

Previdência é um caso de vida e morte. É preciso lembrar que os benefícios previdenciários incluem também as pensões, pagas a viúvas, viúvos e dependentes. 

Os economistas de Jair Bolsonaro se lembraram disso, claro, e, assim como nos governos de Dilma Rousseff e de Michel Temer, também querem mexer no valor das futuras pensões.

Cerca de 24% da despesa com benefícios previdenciários vai para as pensões (a conta aqui é a dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, RGPS, o que não inclui os benefícios assistenciais, para idosos e incapazes muito pobres). São cerca de R$ 120 bilhões por ano, pagos a 7,7 milhões de pessoas.

A reforma não deve mexer com os benefícios já concedidos, mas com os novos pensionistas, cerca de 360 mil a mais por ano, uma despesa adicional de uns R$ 550 milhões, a julgar pelos valores de fins de 2018.

Ainda assim, é um assunto obviamente sensível. Fica ainda mais tenso porque deve levantar também a discussão sobre as pensões militares, quase R$ 21 bilhões por ano, o equivalente a um terço da despesa com pessoal militar (a soma de rendimentos dos ativos, dos aposentados e dos pensionistas).

Pelo que tem vazado do governo, a ideia é replicar a tentativa de mudança proposta por Michel Temer, em 2016. Isto é, a pensão básica seria equivalente a 60% do benefício de quem morreu. Para cada dependente extra, 10% a mais do valor do benefício, até o limite de 100%.

Quem pode receber pensão? Cônjuges e companheiros legalmente habilitados, filhos e equivalentes com menos de 21 anos de idade (limite de idade que não vale para inválidos ou deficientes), pais sob dependência econômica do segurado morto, irmãos dependentes e menores de 21 anos (salvo também inválidos ou deficientes).

Esse item da reforma previdenciária foi um dos primeiros a cair. Como o que se sabe do projeto de mudança bolsonariano são vazamentos picados em forma de “governo estuda” ou “estamos estudando isso também”, fica difícil dizer se o novo governo vai propor alterações nas pensões como item a ser barganhado, um bode, ou se vai ser para valer.

Ressalte-se: um debate sobre pensões dos trabalhadores do RGPS vai chamar a atenção sobre pensões no setor público e, politicamente mais sensível, também entre os militares. 

O pessoal das Forças Armadas, larga e poderosamente representado no governo de Bolsonaro, tem feito campanha aberta a fim de evitar efeitos maiores da reforma. A oposição será ainda mais amarga se houver debate sobre pensões.

Como se não bastasse, mudanças nas pensões são péssima propaganda para uma campanha de reforma da Previdência. 

A tramitação da reforma tende a ser difícil e mais ainda será caso a contrapropaganda se aproveitar do fato de que “Bolsonaro quer tirar dinheiro da viúva e dos órfãos”.

O próprio presidente tem clara noção do problema de imagem, além de ter se oposto à reforma durante sua carreira política inteira, até o ano passado, pelo menos. Dias depois de eleito, disse o seguinte: “Essa que está aí [reforma previdenciária de Temer] não está sendo justa no meu entender. Não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”.

Pode ser que os brasileiros estejam agora mais conscientes do problema previdenciário ou mais conformados —até o ano passado, a maioria do eleitorado era contra a mudança. Dinheiro de viúvos e órfãos, porém, é um subconjunto ainda mais delicado da reforma previdenciária.


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