19/03/2024 - Edição 540

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Assembleia da Venezuela diz que Maduro é usurpador e cria governo de transição

Publicado em 18/01/2019 12:00 -

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A Assembleia Nacional da Venezuela, de maioria opositora, declarou na terça-feira (15) o presidente Nicolás Maduro como usurpador da Presidência e anunciou a criação de um governo de transição para substituí-lo.

Segundo o documento, as atribuições do Poder Executivo devem ser transferidas para o Legislativo, que comandará o país durante a transição. "O presidente da Assembleia Nacional garantirá o cumprimento das normas legais até que se restitua a ordem democrática e o Estado de Direito no país", diz o texto.      

O presidente da Casa, Juan Guaidó, já tinha se declarado no último dia 11 como presidente interino do país, afirmando que ocuparia o cargo caso Maduro fosse afastado. Por isso, o deputado chegou a ser detido no dia 13 pelo regime, mas foi liberado em seguida.

A Assembleia cita os mesmos três artigos da Constituição que Guaidó tinha usado para se declarar presidente interino. São eles o 233 (que regula o afastamento do presidente em casos de incapacidade física ou mental), o 333 (que autoriza qualquer cidadão a tomar medidas contra violações à Carta) e o 350 (que permite a retirada do presidente em caso de violações de direitos humanos ou de garantias democráticas).

Durante a sessão, os deputados chegaram a debater se Guaidó deveria ou não ser declarado oficialmente como presidente, mas não conseguiram chegar a uma conclusão e o assunto será discutido novamente, informou o jornal local El Universal. 

O documento defende que como Maduro é um usurpador, toda a população —em especial os funcionários públicos— tem o direito de exercer a desobediência civil e se recusar as seguir às ordens do ditador.

Por isso, os deputados também aprovaram um projeto da anistia para presos políticos e funcionários do governo que ajudem a "reestabelecer a ordem constitucional".

Também foi aprovado um pedido para que os países que não reconhecem o governo de Maduro congelem os bens e as contas bancárias ligadas ao ditador e a outras autoridades do regime. 

A própria Assembleia já tinha anunciado que não reconheceria o novo mandato de Maduro, que vai até 2025, porque a eleição foi marcada por uma série de irregularidades, incluindo denúncias de fraudes e dificuldades para a participação da oposição, que acabou boicotando o pleito.  

O texto afirma que assim que o processo de transição estiver concluído, serão convocadas eleições gerais para a definição de um novo governo.

O texto anula todos os atos tomados pelo ditador desde a última quinta (10) e estabelece "um marco legislativo que cria garantias para a reinserção democrática, de modo a dar incentivos para que funcionários civis e policiais, assim como membros das Forças Armadas Nacional, deixem de obedecer a Nicolás Maduro Moros". 

O documento pede ainda que o governo de transição tenha uma atenção especial para adotar medidas que permitam "reestabelecer a ordem constitucional e atender a complexa emergência humanitária, incluindo a crise de refugiados e migrantes". 

Com uma inflação que pode ultrapassar 10.000.000% em 2019, de acordo com previsão do FMI (Fundo Monetário Internacional), a Venezuela vive uma crise humanitária e de desabastecimento, que levou mais de 1,6 milhão de pessoas a deixarem o país segundo a ONU. 

A decisão ocorreu menos de uma semana após Maduro tomar posse para dar início a um novo mandato, que não é reconhecido por parte da comunidade internacional, incluindo o Brasil, os Estados Unidos e a União Europeia.  

Apesar da decisão, a Assembleia atualmente não tem força política para impor a decisão ao ditador. Desde 2017, a Casa na prática teve seus poderes retirados pelo regime e repassados para a Constituinte, controlada pelo governo.

Assim, o documento pede que os diplomatas que atuam no país sejam informados da decisão desta terça, em uma tentativa de que o governo de transição seja reconhecido internacionalmente.   

Diosdado Cabello, presidente da Constituinte e um dos principais aliados de Maduro, disse nesta terça que a oposição "é a única que tenta usurpar o poder". 

A afirmação foi dada em uma entrevista coletiva realizada por ele para responder a decisão da Assembleia Nacional. "Eles passaram os últimos 20 anos tentando nos retirar do governo", disse. O governo ainda não se manifestou.     ​

Cabello também convocou um ato de apoio a Maduro para o dia 23 janeiro, mesmo dia em que a oposição marcou uma manifestação contra o ditador e a favor de um governo provisório. 

Segundo o serviço em espanhol da rede de TV americana CNN, o presidente dos EUA Donald Trump já estudava reconhecer Guaidó como presidente legítimo do país, antes mesmo da declaração desta terça. Mas ainda não há uma definição sobre a questão. 

Nem Washington e nem Brasília se pronunciaram oficialmente sobre a declaração da Assembleia. 

O Itamaraty afirmou em nota que elogiava a declaração de Guaidó, mas não chegou a reconhecê-lo como mandatário. O país não reconhece Maduro, assim como os outros integrantes do Grupo de Lima (bloco que reúne nações de todo continente americano).  

Militares venezuelanos exilados pedem que colegas abandonem Maduro

Um grupo de militares venezuelanos exilados no Peru gravou um vídeo no qual pedem aos oficiais na ativa na Venezuela que abandonem o apoio a Maduro e sigam o comando de Guaidó.

No vídeo divulgado na quinta (17) nas redes sociais, os militares —todos jovens, de baixa patente e em pequeno número— leem o texto diante da câmara, usando seus uniformes.

O primeiro-tenente Josue Hidalgo Azuaje, apresentou-se dizendo que havia fugido da prisão de Ramo Verde junto a membros da Guarda Nacional. Ele conta que havia sido acusado de conspiração contra o governo.

Segundo documento divulgado pela Human Rights Watch há duas semanas, essa é a acusação mais comum do governo contra militares insubordinados.

Hidalgo Azuaje leu o comunicado do grupo em que "invoca a Constituição" e diz que "diante da grave crise social, econômica, política e constitucional que afeta o desenvolvimento são e próspero" do país, o grupo declarava que "com toda a responsabilidade com que nos apegamos a nosso juramento de defender a nosso povo e fazer respeitar as leis, desconhecemos Maduro como presidente da Venezuela e comandante das Forças Armadas."

O documento faz ainda um alerta à "comunidade internacional de que houve uma usurpação da Presidência."

Num chamado aos militares venezuelanos que estão na ativa no país, pediram que "se coloquem ao lado do povo" e apoiem a entrega do poder a Guaidó.

Respaldo bolsonarista

Guaidó confirmou na quinta (17) que recebeu um telefonema do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) no dia 13 após ser detido e liberado por agentes de inteligência do governo Maduro em Caracas.

Segundo o líder do Legislativo venezuelano, Eduardo “deu um respaldo pleno ao que estamos fazendo para recuperar nossa democracia”, disse Guaidó em entrevista ao jornal O Globo.

Ele afirmou ainda que por meio do deputado federal, que é filho do presidente Jair Bolsonaro, “estamos coordenando uma ligação com o Executivo do Brasil”.

Guaidó disse os opositores de Maduro discutem uma lei para construir um governo de transição. "Precisamos envolver as Forças Armadas, o TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) no exílio, a diáspora venezuelana, todos".

O líder do Legislativo não apontou prazos para que isso aconteça, mas disse acreditar que "tudo pode ser muito rápido".

Ele convocou protestos nas ruas para o próximo dia 23 de janeiro, e disse não temer a repressão. "Nosso temor não é voltar a ser reprimidos. Nosso temor é continuar vivendo esta tragédia.".

Sanções brasileiras

Líderes de oposição na Venezuela pediram que o governo brasileiro e de outros países da América Latina adotem sanções econômicas e criminais contra Maduro, como forma de pressionar pela mudança de regime político no país vizinho. Eles também pediram que os países passem a reconhecer como líder do país o deputado Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional venezuelana. 

Após duas reuniões, que duraram quase 11 horas, no Palácio do Itamaraty, com a participação do chanceler Ernesto Araújo, de representantes dos países que compõem o Grupo de Lima, além de diplomatas dos Estados Unidos, o governo brasileiro divulgou uma nota em que reafirma a ilegitimidade do governo Maduro e classifica o "sistema" chefiado pelo presidente do país como um "mecanismo de crime organizado". Durante a tarde, o presidente Jair Bolsonaro recebeu, no Palácio do Planalto, o presidente do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela em exílio, Miguel Ángel Martins, e o assessor de Assuntos Institucionais da Organização dos Estados Americanos (OEA), Gustavo Cinose. Ambos estavam acompanhados pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores. Em um vídeo sobre o encontro, divulgado pelo Palácio do Planalto, Bolsonaro chama o governo Maduro de "desgoverno" e diz acreditar que solução para o país virá em breve. 


Guaidó na presidência

Em declaração a jornalistas após o encontro, o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, que integra a comitiva de oposicionistas venezuelanos, pediu que o Brasil e a comunidade internacional reconheçam como presidente legítimo do país o deputado Juan Guaidó.  

"Que se reconheça não apenas a Assembleia Nacional, não somente o Tribunal Supremo de Justiça em exílio, como instituições legítimas, mas que aceitem também que Juan Guaidó é o presidente constitucional da República da Venezuela, com base na Constituição, que em seu artigo 233 estabelece que opera de pleno direito assumir essa responsabilidade levando em conta que não há presidente eleito, porque a comunidade internacional, os governos democráticos que formam parte do Grupo de Lima, classificaram como fraude o processo eleitoral organizado pela narco-tirania em 20 de maio [de 2017]", afirmou. 

Segundo Júlio Borges, ex-chefe do Parlamento venezuelano e atualmente exilado na Colômbia, os países do Grupo de Lima podem aplicar de forma imediata um conjunto de sanções contra o presidente Nicolás Maduro e integrantes do seu governo, incluindo abertura de investigações por lavagem de dinheiro, corrupção, crime organizado e violações de direitos humanos. "Estamos aqui hoje para pedir maior pressão em matéria de direitos humanos, corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado, para que toda a região faça essa pressão final e possamos ter o que Venezuela merece, que é uma mudança, com eleições absolutamente limpas e um futuro distinto", declarou.

Os opositores venezuelanos pediram atuação do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organismo internacional composto por diversos países, inclusive o Brasil, para abrir investigações contra integrantes do governo Maduro. Júlio Borges citou também o Protocolo de Palermo, de combate ao crime organizado, a e jurisdição internacional de direitos humanos como outras medidas que podem ser adotadas de forma imediata pelos países, sem a necessidade de aprovação de novas leis.  

"Existe o acordo do Gafi, no qual se podem fazer investigações em toda a hierarquia do regime de Maduro, em tudo o que tem a ver com seu patrimônio, de sua família e seus aliados. Temas que tem a ver com o crime organizado, existe também um acordo internacional, o de Palermo, que permite investigar tudo o que tem a ver com crime organizado e corrupção e que pode ser aplicado de maneira imediata. Igualmente, o tema dos direitos humanos, com a aplicação, do que se chama de jusridisção universal, que permite qualquer país, qualquer país de América Latina possa imediatamente abrir investigações contra integrantes do governo Maduro", destacou.

Ações militares

Os opositores de Nicolás Maduro descartaram a necessidade de ações militares para tirá-lo do poder e negaram também os rumores de que poderia instalar um governo paralelo da Venezuela fora do país. 

"O governo temporário está na Venezuela, em Caracas, encabeçado pelo deputado Juan Guaidó. E esse presidente temporário já foi reconhecido pelo Tribunal Supremo de Justiça em exílio, e isso é importante, porque não é só uma declaração dos deputados, dos políticos, mas também do soberano Tribunal", afirmou o ex-prefeito de Caracas, Antonio Ledezma.

"Maduro é um presidente caído, derrotado, sem legitimidade. O último andar dessa cadeia que falta [cair] é o que chamaríamos as hierarquias das Forças Armandas, porque nem sequer as Forças Armadas [o apoiam]. Se trata de um grupo muito reduzido de militares que sequestraram as Forças Armadas e sustentam, junto com a ditadura cubana, esse regime de Maduro", acrescentou o ex-deputado Julio Borges. Ainda segundo ele, caso não haja uma mudança no regime político do país, estudos indicam que pelo menos 5 milhões de venezuelanos poderiam emigrar ainda este ano, o que representa cerca de 30% da população total da Venezuela. Borges acredita que as sanções e a pressão internacional podem ser suficientes para isolar Maduro e fazer com o que o governo aceite uma transição de poder no país.


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