29/03/2024 - Edição 540

Poder

Bolsonaro defende exploração de Raposa Serra do Sol

Publicado em 21/12/2018 12:00 -

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O presidente eleito, Jair Bolsonaro, defendeu a exploração “de forma racional” da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A declaração foi a única dada por Bolsonaro aos jornalistas no último dia 17.

A equipe de transição preparar um decreto que irá rever a criação da terra indígena.  Estima-se que vivam na região 17 mil índios. Após a disputa entre agricultores e indígenas, o STF decidiu em 2008 manter a demarcação do território de 1.747.464 hectares, obrigando a retirada de não índios do local.

Bolsonaro é crítico em relação à demarcação de terras e já disse que acabaria com o processo em seu governo.

A região abriga jazidas de nióbio, considerado um recurso estratégico para o presidente eleito. Se misturado ao ferro, cria uma espécie de superliga, mais leve e resistente que o aço comum.

É utilizado em gasodutos, turbinas, chassis de carros e até em foguetes espaciais e reatores nucleares.

Em nota, o CIR (Conselho Indígena de Roraima) defende que a Raposa Serra do Sol é "um direito originário e constitucional dos povos indígenas de Roraima e do Brasil, consagrado na Constituição Federal Brasileira de 1988". 

"É retrógrado achar que indígena em sua terra demarcada não é integrado à sociedade. Pelo contrário, será indígena em qualquer contexto social, cultural e político do país", prossegue a nota.

Empecilhos

Bolsonaro não pode rever a demarcação da reserva segundo o entendimento do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, que relatou a ação que reconheceu os direitos dos indígenas sobre o território em 2009. “A decisão transitou em julgado. Foi uma decisão histórica. Para os índios, é direito adquirido”, disse o ex-ministro.

Britto ressalta que o assunto já foi “exaustivamente” tratado pelo Supremo, que estabeleceu 19 salvaguardas antes de decidir a favor dos índios no conflito com os arrozeiros. “Tivemos o cuidado de conciliar os interesses dos índios com os interesses nacionais. Não há motivo para rever nada, nada, nada”, afirma o ex-ministro. “As terras indígenas pertencem à União. Qual é o perigo para a soberania nacional? Nenhum”, defende.

De acordo com as salvaguardas do Supremo, “o usufruto dos índios não alcança a pesquisa e a lavra das riquezas minerais” e as Forças Armadas não precisam consultar os índios ou a Funai para atuar na região. “Ficam dizendo coisas imprecisas, e até equivocadas, para projetar antipatia contra os índios”, diz Ayres Britto. “Depois que o Estado paga uma dívida histórica, civilizatória, ele não pode mais estornar o pagamento e voltar a ser devedor”, observa.

Para o ex-ministro, quem defende a revisão dos direitos dos indígenas sobre suas terras demonstra que não compreende a Constituição. “O índio não deixa de ser índio porque usa uma calça jeans. A lógica da Constituição não foi substituir a cultura dos índios pela dos brancos. Foi somá-las. Quando a pessoa não entende a lógica da Constituição, fica difícil”, critica.

Raposa Serra do Sol é uma área de terra indígena com 1,7 milhão de hectares. Em 2009 o Supremo pôs fim a uma disputa judicial entre a União, o estado de Roraima e produtores de arroz ao confirmar a demarcação da reserva. Houve confrontos entre arrozeiros e indígenas. A região é ocupada pelos grupos ingaricó, macuxi, patamona, taurepangue e uapixana. O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional, ou 109,6 milhões de hectares.

Comer capim

O presidente eleito tem um passado conflituoso com essa terra indígena. Em maio de 2008, durante audiência pública, na Câmara, para discutir se a demarcação dessa região deveria ser contínua ou não, Jecinaldo Sateré Maué, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, atirou um copo de água na direção do deputado federal. Bolsonaro criticou o indígena e afirmou: "esse é o índio que vem falar aqui de reserva indígena. Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens".

Vamos entender como o rebú começou. O então ministro da Justiça Tarso Genro condenou, na audiência, "atitudes terroristas" e violentas de moradores não-indígenas que se recusavam a deixar a área, afirmando que as forças policiais iriam agir contra grupos armados que estavam trancando estradas e ferindo indígenas à bala. Bolsonaro chamou Tarso de "terrorista mentiroso", defendeu os fazendeiros e aproveitou para criticar o MST, que não estava na história.

O ministro, por sua vez, afirmou que ele era saudosista da ditadura, disse nunca ter participado de ato terrorista e chamou Bolsonaro de mentiroso. Ouviu como resposta do deputado federal "pode até não ser Vossa Excelência, mas o seu grupo, tipo Dilma Rousseff". Na época, a ex-presidente era ministra-chefe da Casa Civil de Lula.

Em meio ao bate-boca, veio o copo d´água.

O deputado, exaltado, ainda disse: "É um índio que está a soldo aqui em Brasília, veio de avião, vai agora comer uma costelinha de porco, tomar um chope, provavelmente um uísque, e quem sabe telefonar para alguém para a noite sua ser mais agradável. Esse é o índio que vem falar aqui de reserva indígena. Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens".

"Eu peguei um copo de água porque não tinha uma flecha", afirmou um também exaltado Jecinaldo. Ele acusou Bolsonaro de "desconsiderar o direito dos povos indígenas".

A Raposa Serra do Sol foi demarcada em 1998 e homologada em 2005. Dois anos depois, o Supremo Tribunal Federal determinou a desocupação dos não-indígenas. Contudo, um grupo de grandes fazendeiros de arroz resistiu de forma violenta, tendo Paulo César Quartiero – então prefeito de Pacaraima – à frente.

Em 2008, o Ministério Público Federal o denunciou por tentativa de homicídio, com armas de fogo e bombas caseiras, em uma ação que deixou 11 indígenas feridos em 2008. Depois disso, foi eleito deputado federal (DEM), em 2010, e vice-governador de Roraima, em 2014. O Congresso em Foco afirmou que ele era o campeão de processos no STF entre os parlamentares, incluindo quadrilha, sequestro e cárcere privado e crimes contra o patrimônio.

O STF confirmou a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol, em 2009, e não em "ilhas" – com manutenção das áreas de produção agrícola de arrozeiros, conforme demandado pelos ruralistas e Bolsonaro. Na época, eram 19 mil indígenas, a maioria da etnia macuxi, em mais de 200 aldeias.  A decisão foi novamente confirmada em 2013.

Nos últimos dois anos, a região tem ocupado o noticiário por outra razão. Pacaraima é a principal porta de entrada de venezuelanos que fogem do regime de Nicolás Maduro e não conta com estrutura para receber tanta gente. E, em agosto deste ano, produziu cenas de conflitos entre moradores e estrangeiros, com direito a cenas de roupas e pertences de refugiados sendo amontoados e queimados.

Por fim, uma coincidência – ou nem tanto. Jair Bolsonaro ganhou de forma avassaladora, no segundo turno, no Estado de Roraima (71,55% a 28,45%, votos válidos). Perdeu para Fernando Haddad apenas em três municípios – exatamente aqueles onde fica a Raposa Serra do Sol: Uiramutã (80,42% a 19,58%), Normandia (66,22% a 33,78%) e Pacaraima (51,59% a 48,41%), de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral.


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