25/04/2024 - Edição 540

Poder

Sombra da corrupção ronda o clã Bolsonaro

Publicado em 14/12/2018 12:00 -

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“Agora vão começar a bater nos meus filhos". A frase do presidente eleito Jair Bolsonaro, durante um encontro com parlamentares no início de dezembro, pode ter soado vaga para os presentes na ocasião.

Mas o que ele quis dizer ficou claro logo depois, em 6 de dezembro, quando a imprensa brasileira noticiou sobre uma lista de 75 nomes de servidores e ex-servidores de membros Alerj, a casa legislativa do estado do Rio, com contas com movimentações suspeitas.

Na lista, elaborada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão ligado ao Ministério da Fazenda, aparecia o nome de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, o filho mais velho de Jair Bolsonaro eleito para o Senado em outubro com votação recorde.

Antes de tomar posse em janeiro, Flávio terá que se ocupar do primeiro escândalo envolvendo suspeita de corrupção a atingir o círculo mais próximo do presidente eleito desde a avassaladora vitória em outubro. A lista do Coaf é fruto da Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio que em dezembro levou à prisão de dez deputados da Alerj.

Bolsonaro e seus três filhos ativos na política centraram boa parte da campanha eleitoral no combate à corrupção. Venderam-se como "outsiders" e declararam o ex-presidente Lula e seu partido, o PT, como inimigos e responsáveis pelos males da corrupção no país. A retórica surtiu efeito entre os eleitores.

O relatório do Coaf cita nove assessores e ex-assessores que faziam depósitos na conta de Fabrício de Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro. A investigação aponta uma movimentação suspeita de 1,2 milhão de reais na conta dele entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, soma incompatível com seus ganhos.

Ao mesmo tempo, Queiroz fez sucessivos saques em dinheiro de sua conta – para quem, ainda não está claro. Certo é que um cheque de 24 mil reais foi depositado na conta de Michele, futura primeira-dama do Brasil. Segundo a família Bolsonaro, tratou-se do pagamento de uma dívida pessoal do policial militar com o presidente eleito.

Mesmo antes da posse, o escândalo já respinga em Jair Bolsonaro. Isso porque Queiroz não era só um "faz-tudo" de Flávio – ele aparece também em fotos ao lado do presidente eleito, pescando, por exemplo. Queiroz seria amigo da família há mais de 30 anos.

Essa não é, porém, a primeira mancha na imagem de anticorrupto que Bolsonaro vende. Ao longo do ano, o jornal Folha de S. Paulo publicou relatos sobre uma vendedora de açaí oficialmente empregada como assessora no gabinete parlamentar do futuro presidente. Porém, em vez de Brasília, a mulher vive no litoral fluminense, onde Bolsonaro possui uma casa de praia. O marido da mulher presta serviços de caseiro para Bolsonaro, de acordo com o diário.

Apesar de a vendedora de açaí ter admitido para a Folha que o emprego de servidora de Bolsonaro é apenas uma fachada, o futuro presidente vem insultando o jornal, chamando-o de "fake news". Os últimos acontecimentos, porém, reforçam a suspeita de que o clã Bolsonaro empregaria funcionários fantasmas. Uma artimanha popular na política brasileira, usada para tirar dinheiro do bolso do contribuinte. 

Políticos brasileiros gostam de empregar amigos ou parentes que, como agradecimento, precisam ceder parte de sua renda aos parlamentares por baixo do pano. Não está provado que isso aconteceu com os Bolsonaro. Mas é notório que duas filhas de Queiroz também foram contratadas do gabinete de Flávio Bolsonaro – assim como a esposa do ex-motorista, que trabalhou para Flávio durante nove anos antes de ser transferida para o gabinete parlamentar de Jair Bolsonaro em Brasília, trabalhando como secretária.

Na quarta-feira (12), o Jornal Nacional revelou que o relatório do Coaf cita Wellington Sérvulo Romano da Silva como um dos nove assessores e ex-assessores que faziam depósitos na conta de Queiroz. Segundo o programa, o tenente-coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro passou 248 dias em Portugal enquanto "trabalhou" como parlamentar na Alerj. Procurado pela equipe do jornal, Flávio Bolsonaro negou que Silva morasse na Europa.

No momento, o futuro presidente precisa responder diariamente a perguntas incômodas de repórteres sobre as misteriosas transferências. Entre seus ministros nomeados, os nervos também parecem estar à flor da pele. O futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, interrompeu abrupta e visivelmente irritado uma coletiva de imprensa quando os jornalistas começaram a fazer perguntas insistentes sobre a lista do Coaf.

O futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, se esquiva em silêncio. Assim como para Bolsonaro, há muito em jogo para Moro. Como juiz anticorrupção, ele condenou o ex-presidente Lula em 2017. Agora, Bolsonaro o nomeou ministro da Justiça com amplos poderes. Moro também deverá passar a controlar o Coaf. Será que ele terá de investigar o próprio chefe no futuro?

Na próxima semana, Queiroz deverá ser interrogado pelos investigadores. Ele e sua família seguem em silêncio. Com uma transmissão ao vivo no Facebook, o futuro presidente Bolsonaro já preparou seus apoiadores para mais más notícias. "Se tiver algo errado, que paguemos", afirmou. O caso "dói no coração", já que "o que tem de mais firme [no projeto do governo] é o combate à corrupção".

Moro não deve dar explicações, mas cobrá-las

Instado por repórteres a comentar o caso Coaf, Sergio Moro declarou: "Fui nomeado para ser ministro da Justiça, não cabe a mim dar explicações sobre isso." De fato, o futuro ministro não deve dar explicações, mas cobrá-las.

Moro acrescentou: "Acho que o que existia de ministro da Justiça opinando sobre casos concretos é inapropriado." Não deu nome aos bois, mas decerto referia-se a antecessores como Márcio Thomaz Bastos e José Eduardo Cardozo.

Seria realmente lamentável se Moro opinasse sobre um caso que encosta sua futura pasta na família Bolsonaro com ares de advogado de defesa —como por vezes fizeram Thomaz Bastos com Lula e Cardozo com Dilma Rousseff.

"O ministro da Justiça não é uma pessoa que deve ficar interferindo em casos concretos. E eu nem sou, ainda, ministro da Justiça", afirmou Moro. Ok, não é ministro. Mas a posse ocorrerá daqui a escassos 21 dias.

De resto, é, sim, papel do ministro interferir. Não para inibir, mas para vitaminar as apurações. Num momento em que Moro compõe o staff do novo Coaf, prometendo fortalecer o órgão, seria ótimo que usasse o "caso concreto" para iluminar intenções abstratas.

O fato de não ser, ainda, o titular da Justiça não impediu Moro de declarar: "Eu não assumiria um papel de ministro da Justiça com o risco de comprometer a minha biografia, o meu histórico."

Foi na condição de quase-futuro-ministro que Moro afirmou: "Eu defendo que, em caso de corrupção, se analisem as provas e se faça um juízo de consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de Justiça proferirem o julgamento."

Ora, alguém que disse coisas tão definitivas não deveria se incomodar com os pedidos para que que defina melhor as coisas. "Até vi que tem pessoas cobrando uma posição, mas são as pessoas que têm que prestar esclarecimentos. O presidente já prestou os dele."

Tomado pelas palavras, o ex-juiz parece ter considerado satisfatórios os "esclarecimentos" de Jair Bolsonaro. Submetidos ao padrão Lava Jato, tais "esclarecimentos" não seriam senão matéria-prima para o aprofundamento das investigações.

Por uma trapaça do destino, descobriu-se que R$ 24 mil saltaram da movimentação bancária "atípica" de R$ 1,2 milhão do ex-motorista do primeiro-filho Flávio Bolsonaro para a conta da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. O marido-presidente sustenta que se trata de pagamento de empréstimos não-contabilizados que fez ao tal ex-motorista.

Moro não precisa cometer a descortesia de desqualificar alegações preliminares de uma investigação incipiente. Mas pode deixar claro, desde logo, algo que sempre foi incontroverso: Quem tem calos não deveria se meter em apertos.


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