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Artigo da Semana

Mortes em Campinas

Publicado em 12/12/2018 12:00 -

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O que leva uma pessoa a entrar com uma pistola 9mm e um revólver calibre 38 em uma igreja e atirar cerca de 20 vezes, matando quatro pessoas e, depois suicidando-se. A pergunta é retórica, claro, porque ela seria seguida naturalmente por milhares de páginas de explicações sobre distúrbios psiquiátricos, sobre a incapacidade de sentir empatia por um semelhante ou qualquer outra razão que não faça sentido.

Um homem de 49 anos identificado pela polícia como Euler Fernando Grandolpho, que morava em uma área nobre de Valinhos (SP), entrou na Catedral Metropolitana de Campinas, sentou-se entre os fiéis e cometeu a chacina logo após o final da missa na tarde da última terça (11). Não tinha ficha criminal, segundo o delegado.

A motivação do crime ainda é desconhecida, se é que existe. Atos de insanidade são atos de insanidade. A nossa sociedade, concordemos ou não, vai continuar produzindo situações como essa. Temos dificuldade de concordar com esse fato porque acreditamos que, criando regras e impondo normas, somos capazes de zerar o risco da morte – o que não é verdade. Jogamos, então, o imponderável para baixo do tapete porque, se pensarmos nele, nem levantamos da cama de manhã para ir trabalhar ou estudar com receio de morrer.

Sim, nossa sociedade gera aberrações por vários motivos e por motivo nenhum. Sim, existe a possibilidade de você cair nas mãos de um perturbado a qualquer momento. Como o ultradireitista Anders Behring Breivik que, em julho de 2011, matou 77 pessoas na Noruega – entre elas 69 que estavam em um acampamento para jovens. Ou como Wellington Menezes de Oliveira que assassinou 12 jovens, que tinham entre 12 e 14 anos, no que ficou conhecido como o Massacre do Realengo, no Rio de Janeiro, em abril do mesmo ano. Ao final, suicidou-se.

Para muita gente, explicar que elas podem ser presas se cometerem tais atos simplesmente não faz diferença. Não só Anders e Wellington, mas tantos outros não se importam com a vida alheia ou com a própria vida. E isso é assustador. Em momentos de emoção extrema, buscamos soluções para diminuir a perplexidade. Passamos milênios construindo deuses à nossa imagem e semelhança. E, não raro, matamos em nome deles e por conta deles. Ou, melhor dizendo, em nome de nós mesmos, usando-os como justificativa.

Os vizinhos de Euler, segundo apuração do jornal O Globo, afirmaram que ele era fechado, agressivo e tinha mania de perseguição. Amigos e familiares dizem que ele sofria de depressão, de acordo com matéria da Folha de S.Paulo. Mas quantas pessoas com as mesmas características não passam a vida inteira sem cometer um ato como esse?

Como já disse aqui antes, procuramos respostas para preencher a falta de sentido e tapar o buraco deixado por perdas dolorosas. O problema é que elas não são úteis para resolver nada, nem mesmo para contribuir com os processos simbólicos de luto. Mas são nos momentos de emoção extrema que nossa racionalidade é colocada à prova. Ou seja, que somos chamados a mostrar que deixamos de ser uma horda tresloucada que segue um único instinto, o medo. E não procurar soluções para problemas que dificilmente serão resolvidos.

Contudo, se não somos capazes de antever certos atos de insanidade, há coisas que conseguimos minimamente controlar. Por exemplo, evitar que o Estatuto do Desarmamento seja alterado para generalizar o porte de armas e tornar os critérios para a posse mais suaves, como é defendido pelo presidente eleito Jair Bolsonaro.

Não se sabe como Euler conseguiu as suas, mas um mercado mais restrito para armas legais significa menos delas em circulação (armas que, muitas vezes, são roubadas e caem no mercado ilegal) e menor possibilidade de mortes em massa.

Podemos não reduzir a ocorrência de tragédias, mas – ao menos – dá para diminuir o seu tamanho. Desde que não optemos por responder estupidez com mais estupidez.

Leonardo Sakamoto – É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


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