26/04/2024 - Edição 540

Poder

Brasil registra declínio em índice de liberdade de expressão

Publicado em 07/12/2018 12:00 -

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O Brasil é o 2º país em que as garantias para a liberdade de expressão mais decaíram nos últimos três anos, diz o relatório Agenda de Expressão (Expression Agenda, ou XPA), elaborado pela organização não governamental Artigo 19.

Segundo o estudo, o nível de liberdade de expressão tem declinado no mundo há dez anos, mas teve sua queda acentuada nos últimos três, quando a imprensa mundial viu sua liberdade cada vez mais restrita. Hoje, segundo a Artigo 19, a liberdade de expressão está no seu nível mais baixo em uma década.

O Brasil registrou decadência mais acentuada na liberdade de expressão em ambientes online ou no espaço público comum, como em protestos ou manifestações.

A organização considera especialmente alarmantes os números de ataques a jornalistas em nível global: até agora 78 foram mortos, e 326, detidos (194 sob a acusação de terem enfrentado o Estado); Dos comunicadores presos, 97% trabalhavam em nível local; em média, 90% das agressões físicos contra jornalistas ficaram impunes.

No mundo, recentemente teve destaque a morte de um jornalista saudita na Turquia. No Brasil, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) registrou mais de 150 agressões a jornalistas no contexto eleitoral, entre ataques verbais e físicos. A Artigo 19 também compilou 22 assassinatos de blogueiros, radialistas e comunicadores no interior do Brasil, entre 2012 e 2016.

O relatório da ONG também menciona o cerceamento da imprensa por meio de decisões judiciais. O jornal Folha de SP por exemplo, teve uma entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetada e censurada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux. O processo ainda tramita na corte.

Nas palavras do estudo, o assédio judicial inviabiliza principalmente a existência de jornalismo no interior do país. Isto ocorre porque blogueiros, radialistas e comunicadores de pequenos veículos locais temem ter suas atividades interrompidas por processos, que podem miná-los economicamente. O resultado são os chamados desertos de notícia. São areas no país que não têm atividade de nenhum tipo de veículo jornalístico para fiscalizar oligarquias políticas locais.

Segundo Thomas Hughes, diretor executivo da Artigo 19, o fenômeno da queda de liberdade de expressão e de imprensa é global e não tem poupado nem países que tradicionalmente tinham esses direitos muito protegidos, como os Estados Unidos.

“Há uma ascensão muito clara ao poder de homens com um viés autoritário. Donald Trump tem funcionado como uma figura na qual muitos governantes se inspiram. É um movimento político que pode se tornar mais presente nas democracias do mundo”, disse.

Ofendido

A liberdade de expressão também está em baixa quando o assunto é o direito de expor uma opinião crítica ao poder. O advogado Cristiano Caiado de Acioli, 39, foi levado a prestar esclarecimentos à Polícia Federal no último dia 4 após criticar Ricardo Lewandowski, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), em um voo do qual eram passageiros. 

O advogado, ao ver o ministro a bordo do voo da Gol, que partiu de São Paulo rumo a Brasília às 10h45, afirmou, quando a aeronave ainda estava em solo: "Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês".

A fala foi filmada por ele próprio. O ministro responde e pede ao comissário de bordo que chame a PF para prender Acioli.  "Vem cá, você quer ser preso? Chama a Polícia Federal", diz Lewandowski. "Eu não posso me expressar? Chama a polícia federal então", rebate o advogado. 

Acioli é filho de Helenita Caiado de Acioli, subprocuradora-geral da República.

De fato, agentes da PF entraram no avião, mas decidiram não retirar Acioli do voo. Disseram a ele, segundo o advogado, que ali não era lugar de se manifestar. Acioli afirmou que não discutiu com os agentes e que tentou não atrasar o voo. 

Já após o pouso, o advogado fez uma fala, chamando atenção de todos passageiros, afirmando que Lewandowski estava no voo. Acioli também gravou a fala. "Eu, na minha liberdade constitucional de me manifestar, disse que tinha vergonha do STF e esse ministro me ameaçou de prisão. […] Eu enquanto cidadão gostaria de deixar a minha nota particular de desagravo, porque a gente ainda vive numa democracia", disse. 

"Eu não sou um presidiário tentando dar entrevista. Não sou uma presidenta que vocês estão querendo ou não dividir meus direitos políticos", continuou em referência a Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT), que tiveram casos relatados por Lewandowski. 

"Sou apenas um cidadão que me dirigi respeitosamente ao ministro Lewandowski para fazer uma crítica do que eu sinto e do que eu penso. Eu amo o Brasil, eu não admito o meu direito ser tolhido. […] É inadmissível. Uma pessoa que deveria ser a guardiã da Constituição. Quem está acima do Supremo? Quem vai responder pelos atos do ministro de ter me ameaçado de me prender?", continuou. 


Luís Roberto Barroso, ministro do STF, também estava no voo, mas só foi visto por Acioli no desembarque. "Tenho até simpatia pelas manifestações do ministro Barroso, ele não merecia ter ouvido aquela generalização", disse o advogado. 

Um servidor técnico judiciário entrou no avião e deteve Acioli na aeronave até que todos descessem. Segundo o advogado, Lewandowski lhe disse: "Você é muito corajoso, hein". 

Acioli, então, foi levado para a PF, onde prestou depoimento e foi liberado por volta das 17h, mas permaneceu no local aguardando o depoimento de uma passageira, que foi até a Polícia Federal testemunhar mesmo sem ter sido convocada, em apoio ao advogado. 

"Sem dúvida nenhuma, ele praticou um abuso de poder. É um absurdo, no Estado democrático de Direito, onde a pessoa que tem que proteger nossa Constituição, tem que proteger nossas garantias básicas. Ele fez exatamente o oposto a isso", disse Acioli.

O advogado afirmou que vai estudar quais medidas podem ser tomadas contra a conduta do ministro e não descarta protocolar um pedido de impeachment. "Um ministro do STF que age assim não age democraticamente. Esse ministro não tem a envergadura moral, não tem condições de estar ocupando a cadeira de ministro do STF. É inadmissível um ministro de corte que ameaça um cidadão", afirmou. 

Acioli disse que teve sua liberdade tolhida e que foi alvo de uma ameaça por parte do ministro. Segundo ele, apenas usou seu direito de se manifestar e de sentir vergonha do Supremo, mas que não foi desrespeitoso. 

"Estamos em 2018, numa democracia, e eu fiquei o dia inteiro na PF sem que eu tenha praticado nenhum crime. Me senti impotente. Se eu não cometi crime, por que fui para a delegacia? Não achei digno o que fizeram. A máquina do estado pesou em cima de mim", disse. 

O advogado afirmou estar baqueado, mas que recebeu muitas mensagens de apoio, inclusive do presidente da OAB-DF, Juliano Costa Couto, e viu que não está sozinho.

Eleitor de Jair Bolsonaro (PSL), Acioli disse que o episódio não deve ser levado para o lado político. "Não acho justo colocar isso em um contexto político. Já fui filiado ao PT, hoje sou mais alinhado com a direita. A minha bandeira verdadeira é o país."

O advogado disse ser a favor das minorias e defendeu a liberdade de expressão independentemente de cor, religião e sexualidade.  "Nenhum cidadão jamais deve passar o que eu passei. Brasileiros deveriam dar valor ao seu sagrado direito de poder pensar e se expressar, desde que seja de forma respeitosa, e que ninguém em situação nenhuma pode impedir a gente disso", disse Acioli. 

"Se isso acontece comigo, que sou um rapaz de boa família, com bons antecedentes, imagina o que não acontece com aquela pessoa menos favorecida", completou. 

A reportagem tentou contato com a assessoria do ministro Lewandowski, que ainda não se manifestou sobre o caso. 

Defesa

O ministro Ricardo Lewandowski afirma que só reagiu porque Acioli ofendia a corte. “Eu me senti na obrigação de defender a honra do Supremo”, afirmou o magistrado à coluna. “Se fosse ofensa ao meu trabalho, eu poderia até relevar, como já relevei em várias outras ocasiões”, afirma. “Eu aceito a crítica democrática. É um direito do cidadão. Mas a ofensa às instituições é um perigo para o Estado Democrático de Direito”, diz o magistrado.

Em 2012, por exemplo, quando era relator do mensalão e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Lewandowski foi hostilizado por uma eleitora e um mesário na seção eleitoral em que vota. E não reagiu.

O Sindicato dos Advogados de SP (SASP) divulgou uma nota de desagravo ao ministro. “Tal comportamento [do advogado que filmou o magistrado] não reflete a opinião da maior parte da advocacia e dos operadores de direito do país”, diz o texto, condenando a “incitação ao ódio”.

O presidente da entidade, Fábio Gaspar, diz que o sindicato “entendeu que a ofensa foi ao STF, através da figura do ministro. E logo ele, reconhecido defensor do Estado Democrático de Direito, e do contraditório, e que é alvo justamente por esse compromisso”.

O grupo Prerrogativas, que reúne alguns dos principais advogados do país, também se manifestou, classificando a conduta do colega de “achincalhe”. “O ministro Lewandowski sempre foi um defensor da advocacia e da democracia. Liberdade de expressão não se confunde com desrespeito”, afirma Marco Aurélio de Carvalho, integrante do grupo.

Providências

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, enviou ofício à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e ao ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, pedindo providências sobre “ofensas dirigidas” à corte.

“Ao tempo em que cumprimento Vossa Excelência, solicito que sejam adotadas as providências cabíveis quanto aos fatos narrados pela Secretaria de Segurança desta Corte e consistentes em ofensas dirigidas ao Supremo Tribunal Federal, ocorridos, na data de ontem, com o senhor ministro Ricardo Lewandowski, em voo comercial que partiu de São Paulo com destino a Brasília”, escreveu Toffoli nos ofícios.


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