16/04/2024 - Edição 540

Judiciário

Toffoli: vamos deixar de ser atacantes para a política retomar seu papel natural

Publicado em 04/12/2018 12:00 -

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Empenhado em manter uma boa relação com o futuro governo Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, aproveitou um seminário com intelectuais e juristas para reforçar seu discurso de que o Judiciário precisa ter uma atuação contida, deixando que a política retome seu papel natural para liderar o desenvolvimento do país.

Desde que assumiu o comando do Supremo em setembro, Toffoli vem defendendo que o Judiciário precisa se reformular. O ministro inclusive evitou colocar na pauta julgamentos polêmicos, numa clara tentativa de baixar a temperatura da Corte que enfrentou um de seus períodos internos mais conturbados e de maior divisão, especialmente na área penal.

“Eu diria que temos que deixar de querer marcar gol. Nós vamos ser zagueiros, vamos atuar para garantir o que está no livro”, disse o ministro durante palestra no Seminário Feiticeira, organizado pelos professores Tercio Sampaio Ferraz Jr. e Eurico de Santi em Ilhabela (SP).

“Vamos deixar de ser atacantes porque a política deve retomar seu papel natural e nós vamos continuar a defender os limites do coração da Constituição que são direitos e garantias individuais, que são cláusulas pétreas”, completou.

O presidente do STF afirmou que “não vamos ser omissos. Mas temos que voltar a dogmática, ao formalismo”. O ministro disse ainda que o Judiciário não pode ser maior que os outros poderes e do que a sociedade.

A fala foi cercada de cuidado por Toffoli que preferiu recorrer ao discurso escrito diante da sensibilidade. “Escolhido o novo Congresso, o novo presidente da República, é hora de se recolher. É preciso que a política u… – vou ser cuidadoso – esto dizendo que tenho que ter cuidado com as palavras porque elas têm força. É muito chato ler, mas aqui é importante ler. Escolhido o novo congresso, o novo presidente da República, é preciso que a política volte a liderar o desenvolvimento do país,  as perspectivas de ação e o projeto de nação”.

O ministro fez uma reflexão sobre as mudanças na configuração do Judiciário e avaliou que a Constituição de 1988 modificou significativamente o acesso à Justiça e ao Supremo, que passou a ter decisões com efeitos para além do caso concreto, não só garantindo efetividade para direitos e garantias individuais, mas também cuidando de perspectivas futuras.

“Se olhava para essa nova Constituição cheia de projetos, ideias, coisas boas e quem é que vai garantir esses direitos. Quem vai ser o garantidor? Nós temos que ter instrumentos de acesso à Justiça porque a Justiça vai ser acionada para fazer efetividade desses direitos”.

Diante dos riscos de não se cumprirem a Constituição, diz o ministro, os constituintes acabaram dando maior poder ao Ministério Público e aos partidos políticos para permitir, por exemplo, questionamentos sobre leis aprovadas. “Então, você judicializa a política”, o que é uma realidade concreta para Toffoli.

O magistrado propôs uma reflexão sobre a judicialização. “Uma reflexão que trago aqui é que  quando todos os conflitos da sociedade  e dos Podere vão parar no Judiciário é sinal de fracasso das instituições e da sociedade em resolver seu problemas. Não estamos discutindo o fracasso das outras instituições, poderes e sociedade em não resolver seus conflitos”, disse. E ressaltou: “não existe Judiciário capaz de resolver todos os conflitos. Vivemos hoje a judicialização de tudo. Até a boa fé. Não se presume mais a boa fé”.

Toffoli disse que o Supremo passou a ser o fio indutor da estabilidade no país e citou a criação do discurso do ódio nas eleições de 2014, a falta de legitimidade do governo Dilma reeleito em 2015, o processo de impeachment e subida ao Planalto de Michel Temer, as denúncias contra o emedebista, a condenação e prisão do ex-presidente Lula, além da eleição de Jair Bolsonaro e o índice de renovação do Congresso.

“Se olhar o panorama de 2013 até hoje, conseguimos ser um porto seguro de estabilidade entre os Poderes, arbitrando esses conflitos que não são pequenos ou médios, são enormes desafios, e fazer transição entre governo deslegitimado em 2015, assumindo um presidente denunciado e chegamos as eleições em 2018. A necessidade nos levou a isso e acho que não faltamos a sociedade”.

O presidente do STF ressaltou que não se pode criar o direito líquido. “A sociedade se liquefez, vamos permitir que o direito se fragmente? Não vou citar nomes, jurisprudências e decisões, mas essa liquefação do direito, na prática, está existindo”.

O ministro destacou que os magistrados precisam entender que a caneta do juiz é limitada pela democracia, pela Constituição e pelas leis.

“O Judiciário deve evitar excessos e investir no papel de Poder superior aos demais Poderes ou de mais alta instância moral da sociedade. Não podemos nos achar o superego da sociedade”.

De acordo com o magistrado, “segurança jurídica será consequência do nosso agir e não de relação de comando. A nossa ação no mundo de hoje é muito mais forte do que ideia de um comando”.

Força

Para Toffoli, o corporativismo existe no Brasil porque as corporações têm interesses nacionais comuns que os unem e dão força às suas pautas. Como exemplo disso, ele citou que as bancadas temáticas no Congresso têm mais integrantes do que os partidos. “Não é à tua que o futuro presidente da República está escolhendo ministros indicados, e isso é público, já anunciou isso, por bancadas setoriais”, afirmou.

O ministro ressaltou, porém, que é arriscado ter setores empoderados enquanto o “pobre do trabalhador está se lascando”.

“E realmente o que conversei com políticos que fizeram campanha em periferias é que a pobreza voltou em muitos casos a ser miséria e temos que nos preocupar com isso porque alguém tem que ser voz dessas pessoas. Ontem, na França, teve mais um movimento de rua. Se não houver a devida atenção, 2013 pode voltar. Não quero aqui alarmar, mas é sempre possível”.

Após uma pessoa fazer uma pergunta e classificar a Lava Jato como um “acidente”, o ministro Toffoli rebateu e disse que a operação não é “produto do acaso ou da fortuna”. Segundo o magistrado, a Lava Jato é resultado de uma política de Estado construída de maneira articulada e pensada nos últimos 15 anos. Como prova disso, disse que as investigações só foram possíveis por leis aprovadas pelo Congresso e citou a realização da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Encla).

“O ENCCLA já tem 16 anos. Participei do primeiro, em 2003, quando era subchefe dos Assuntos Jurídicos da Casa Civil. E o idealizador desse evento tem nome e sobrenome: chama-se Marcio Thomaz Bastos, pessoa admirável e que fez essa estratégia. E dela surgiram as leis, pactos republicanos que sem essas normas não seria possível ações judiciais, policiais e do Ministério Público. Não podemos trabalhar com a ideia de pessoas, mas da institucionalidade”, afirmou.

Pauta

Toffoli disse que divulgará a pauta de julgamentos do plenário da Corte semestralmente e que, a cada três sessões, a quarta não terá processo marcado para julgar o que sobrou ou apreciar liminares. Além disso, deixará as duas últimas semanas de junho em aberto.

“Fizemos uma programação para que a gente realmente cumpra aquela pauta. Se preenchermos todos os dias, aí vem liminar ad referendum do plenário que você tem que pautar e fica naquela disjuntiva: vou desorganizar toda minha programação e pautar ou não vou pautar? O que se optava no passado era não pautar. Mas como fazer a colegialidade? É pautando. Por isso vou organizar pauta de uma forma que tenha possibilidade. Óbvio que não dá para combinar com os russos, como dizia o Garrincha, e saber quantas causas se apresentarão desse tipo, então tem que fazer exercício de tentativa e erro”, disse.


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