23/04/2024 - Edição 540

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Brasil desiste de sediar Conferência do Clima em 2019

Publicado em 29/11/2018 12:00 -

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Único candidato para sediar a 25° Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-25), em 2019, o Brasil desistiu de ser o país anfitrião. O governo brasileiro alegou restrições orçamentárias ao comunicar a retirada da candidatura à UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). 

"Tendo em vista as atuais restrições fiscais e orçamentárias, que deverão permanecer no futuro próximo, e o processo de transição para a recém-eleita administração, a ser iniciada em 1º de janeiro de 2019, o governo brasileiro viu-se obrigado a retirar sua oferta de sediar a COP-25", diz comunicado do Itamaraty enviado às Nações Unidas na terça-feira (27).

Na tarde de quarta 928), em Brasília, quando o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, dizia que o novo governo não teve nada a ver com a decisão do Itamaraty, foi interrompido por Bolsonaro. O presidente eleito declarou ter pedido que a Conferência do Clima não fosse sediada pelo país.

"Houve participação minha nessa decisão. Ao nosso futuro ministro [das Relações Exteriores, Ernesto Araújo], recomendei que se evitasse a realização desse evento aqui no Brasil", afirmou Bolsonaro.

"Até porque eu preciso que vocês nos ajudem. Está em jogo o Triplo A nesse acordo. É uma grande faixa que pega Andes, Amazônia e Atlântico, 136 milhões de hectares", disse.

Segundo o presidente eleito, a soberania nacional está ameaçada nessa faixa pelo Acordo de Paris. O pacto internacional do clima, no entanto, não faz referência alguma ao Triplo A. Em linha com o Itamaraty, Bolsonaro disse considerar os custos da COP-25 exagerados, tendo em vista o déficit do país.

Há pouco mais de um mês, o Itamaraty comemorava a candidatura do Brasil como sede da COP-25, destinada a negociar a implementação do Acordo de Paris, destacando o "o papel de liderança mundial do país em temas de desenvolvimento sustentável, em especial no que se refere à mudança do clima". 

Entidades reagem

Para o Observatório do Clima, coalização da sociedade civil formada por mais de 20 organizações, o motivo principal é a transição para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.

"O novo governo já deu todas as indicações de que não vai levar adiante como prioridade aquilo que é o maior desafio do século 21: combater as mudanças climáticas", criticou Carlos Rittl, secretário-executivo do observatório. 

Rittl lamentou o abandono do protagonismo internacional do Brasil. "Se tinha uma única área em que o país se destacava, era meio ambiente e mudanças climáticas. Vemos um governo – que nem assumiu ainda – já abrindo mão desse papel e tentando desmontar tudo o que foi construído." 

A UNFCCC, que organiza as conferências do clima e coordena as negociações internacionais para conter o avanço das mudanças climáticas, foi criada na Rio 92, encontro sediado pelo Brasil. Vinte anos depois do evento histórico, em que 179 países concordaram em levar mais a sério os problemas ambientais globais, o Rio de Janeiro recebeu a Rio+20, que elaborou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 

Para o Greenpeace, a retirada da candidatura demonstra que o próximo governo "vira as costas" para as mudanças climáticas, o que significa "virar as costas para as populações mais pobres". "São elas que sentirão primeiro os efeitos de um planeta mais quente, com consequências graves como a escassez de água e dificuldades para a produção de alimentos", comenta a organização.

“Voltar atrás na decisão de sediar a COP não é apenas uma perda de oportunidade de afirmar o Brasil como uma importante liderança na questão do clima. O gesto é uma clara demonstração da visão de política ambiental defendida pelo novo presidente, que revela ao mundo o que já havia dito aos brasileiros durante a campanha eleitoral; em seu governo, o meio ambiente não é bem-vindo“, afirma Fabiana Alves, especialista da campanha de Clima do Greenpeace Brasil.

Durante a corrida eleitoral, Bolsonaro já havia desfilado um vasto menu de ameaças ambientais. Entre eles, afirmou que sairia do Acordo de Paris. Ainda nesta agenda, destaque para a recente escolha de Ernesto Araújo como novo chefe do Itamaraty. O anunciado ministro acha que as mudanças climáticas não passam de uma espécie de grande conspiração internacional, algo que serviria como uma agenda de dominação global.

Já os mais de 190 países que assinam o Acordo de Paris e as centenas de cientistas de diversas nacionalidades que compõem o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) discordam dos achismos do novo ministro. De acordo com o último relatório publicado pelas Nações Unidas, que reuniu mais de 6.000 estudos, as mudanças climáticas são reais, representam um dos maiores desafios da humanidade, e temos muito pouco tempo para agir.

É do Acordo de Clima que saem as metas para conter as emissões de gases de efeito estufa. Na conta do Brasil, isso significa principalmente acabar com o desmatamento e promover energia limpa a fim de assegurar um país e um mundo em que a biodiversidade possa ser conservada, que eventos extremos não destruam vidas e que os direitos das pessoas sejam assegurados. Porém, a retirada da candidatura brasileira ocorre no momento em que a Amazônia registra alta de 14% na taxa de desmatamento.

No Brasil, o equilíbrio climático é fundamental principalmente para setores como a agricultura, que tem importante participação na economia. Assim, fazer mais pelo clima é uma questão de lógica estratégica para o país. Infelizmente, este campo parece não ser o forte do próximo governo.

Saia Justa

Fontes ligadas à administração federal disseram que a desistência provocou reações diferentes em Brasília. De um lado, teria livrado o país de uma "saia justa", já que a organização de uma COP, em que circulam mais de 20 mil pessoas, requer tempo.

Por outro lado, a desistência aumentou as críticas e a preocupação quanto ao cumprimento das metas nacionais assumidas no Acordo de Paris para redução dos gases de efeito estufa, principais causadores das mudanças climáticas.

Entre as principais metas estão o corte de emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030 com base nos níveis de 2005, além do fim do desmatamento ilegal até 2020. A destruição da Floresta Amazônica, uma das maiores fontes de gases do efeito estufa do país, voltou a subir e atingiu em 2018 o patamar mais alto da última década, com uma área de 7.900 km2 de devastação.

A candidatura do Brasil como anfitrião da COP em 2019 fora anunciada por Sarney Filho, então ministro de Meio Ambiente, na última Conferência do Clima, realizada em Bonn, na Alemanha no ano passado. À época, os comentários nos bastidores eram de que a proposta não havia sido negociada entre os ministérios e que chegou a pegar alguns setores de surpresa. 

Segundo a prática da UNFCCC, as sedes das COPs se alternam numa rotação de regiões do globo. Depois da Polônia, onde a COP-24 se inicia no próximo dia 2 de dezembro, na cidade de Katowice, caberia a um país da América Latina e do Caribe sediar o próximo fórum.  

O imbróglio terá agora que ser resolvido pelo Grupo de Países Latino-americanos e Caribenhos (Grulac), que havia endossado a candidatura do Brasil junto à UNFCCC. Por enquanto, a sede da COP em 2019 está indefinida. 

O presidente em exercício do Grulac, o senador argentino Rodolfo Urtubey, disse que ficou decepcionado com a reviravolta. Para ele, é muito estranho que o Brasil tenha mudado de ideia menos de dois meses após o grupo ter comunicado oficialmente à UNFCCC a intenção do país de sediar o evento. 

Urtubey vai procurar a União Interparlamentar (UIP), a qual integra, para encontrar uma saída para o impasse. A organização internacional trabalha em estreita colaboração com a ONU.

"Acho que a discussão de mudanças climáticas deve acontecer numa nação em desenvolvimento. A agenda de desenvolvimento não é incompatível com a luta contra as mudanças climáticas. Ainda queremos que a COP seja sediada na América Latina ou Caribe para mostrar que também temos esse compromisso com o desenvolvimento sustentável", disse.


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