19/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Problema da Intrusão Social

Publicado em 28/11/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Nenhum governo nesse país passou nem perto de ser perfeito. Todos são sacudidos por escândalos variados de corrupção e incompetência. Mas essa xexelência não é o único fator unificador na história de nossos presidentes. Também se pode dizer que cada mandatário que passou pelo Alvorada que tinha um “tema”, um subtexto que permeava suas decisões. A sua promessa espiritual de campanha, pode-se dizer.

Independente do grau de êxito na execução, sempre há um cerne temático de governo. FHC tinha a continuidade do plano Real. Lula tinha as políticas de assistência como combate à desigualdade. Figueiredo tinha, sei lá, o hipismo.

Qual será o tema motor do próximo governo?

Os eleitores escolheram “o combate a corrupção”. Não será. A começar pelos ministros, o governo de Bolsonaro já se escancarou à velha política. Réus confessos de caixa 2, envolvidos com narcotráfico, sobras do governo Temer, membros do Dem, do MDB, é uma festa do “mais do mesmo”.

Bolsonaro prometeu um ministério de especialistas técnicos. Não será. Junto com os safardanas de plantão, meia dúzia de generais e um ou dois paranoicos e sugestões de um Youtuber. Não lembro se foi o Felipe Neto ou a Kéfera. Em todos os casos, os escolhidos exultam desconhecimento completo sobre suas pastas e os assuntos pertinentes ao futuro emprego. Metade foi escolhida por esse pensamento mágico sobre oficiais das forças armadas. Singular categoria do funcionalismo público que mistura corporativismo, falta de transparência na administração pública e figurino de luxo, militares parecem estar acima do bem e do mal na visão do futuro presidente. Ou, pelo menos, acima da necessidade de capacitação. 

Guedes prometeu enxugamento da máquina e crescimento econômico. Não será.

Dá a impressão que Bolsonaro, em duas décadas sentado ao lado de Maluf, não prestou muita atenção em como a coisa funciona. A máquina não se enxuga porque ninguém quer a máquina enxuta. O que se quer é a máquinha à disposição da situação. A esquerda reclamava dos marajas e do empreguismo quando não estava no poder. Quando esteve, usou e abusou da máquina como mercado de favores. A direita reclamou da máquina enquanto esteve fora do poder. Criou até novas marcas liberais para vender a pretensão do “Estado Mínimo”. Veio Novo, veio MBL, veio o Frota. Bolsonaro ou não sabe disso ou mentiu. Por uma questão de boa vontade com o presidente, vou pressupor que ele não sabe que não pode enxugar a máquina. Pelo menos de modo que não seja puramente cosmético, como na redução de 22 ministérios para 18. E se o plano mágido do Guedes (que não dura seis meses no governo, outra hora eu falo disso) é fechar autarquias e privatizar Petrobrás, senta que lá vem crise.

A campanha prometeu “o Brasil acima de tudo”. Não será. Porque o mundo tá se lixando para as prioridades do Brasil. E se a gente quiser tirar o pé da lama, teremos que pedir muita benção, baixar muito a bola e nosso supremo líder ainda vai ter que  bater muita continência para estafeta de presidente americano.

Então, qual será o subtexto do novo governo? Minha teoria: ressentimento.

Todas as ações do próximo governo serão expressões dessa mágoa que a elite conservadora, neopentecostal e branca sente. Mágoa de um zeitgeist onde não são centrais a toda e qualquer política pública. Daí o desmantelamento da universidade pública. Daí o fim dos programas sociais. Na visão dessa patota, não existe inclusão social. Existe intrusão social. Gente que não devia estar no meu espaço deve se colocar no seu devido lugar. E essa promessa acho que o Bolsonaro vai conseguir cumprir. E, talvez até, se reeleger por isso.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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