28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Mata logo esse playboy

Publicado em 31/10/2018 12:00 - Rodrigo Amém

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Meu novo governador é Wilson Witzel, que fez campanha quebrando placa em homenagem a uma vereadora assassinada pela milícia. Em comum com o presidente eleito, Wilson tem esse complexo programa de governo de "acabar com isso tudo que tá aí, talquei".

Seu plano para lidar com a segurança pública no Rio de Janeiro: Drones e snipers para atirar na cabeça de traficante na favela.

Parece o plano perfeito, não é? Porque, quando pensamos em traficante de fuzil, vem a cabeça aquela figura da capa do disco do Rappa, usando uma camiseta como máscara, pele marrom, sem camisa, chinelo e fuzil na mão. Esse é o traficante que é "o problema da segurança no Rio". Mas o cara na capa do disco do Rappa não é o traficante. Ele é o peão.

O traficante de verdade, que é dono dos aeroportos clandestinos e dos helicópteros que trazem drogas e armas para os morros, não mora na favela. Não usa camiseta amarrada cobrindo o rosto. Ele está bem, obrigado, apoiando candidatos com doações financeiras generosas. Candidatos "comprometidos" com o combate ao tráfico.

Estatisticamente, a única solução para o tráfico de drogas passa pelo livre mercado, olha a ironia. A descriminalização das drogas tem levado cartéis à falência e poupado milhares de vidas nos países onde a maconha se tornou legal. Mas nem os novos liberais puristas, como o pessoal do Partido Novo, querem falar disso.

Enquanto o governo estiver executando pobres para dar a impressão de que está combatendo o tráfico, traficantes, políticos e opinião pública ficam satisfeitos. O verdadeiro dono da boca mantém seu monopólio sem pagar impostos, os políticos são financiados em seus projetos de poder e a opinião pública é saciada em seu desejo por sangue. Tragam os snipers.

É possível que aconteçam equívocos, claro. A PM costumeiramente confunde furadeira e guarda-chuva com fuzil, mas não fica na dúvida. Mata mesmo assim. Witzel diz que com sniper vai ser diferente. Vai ver ele viu no filme de Hollywood que sniper é super-herói e não comete erros. Mas o ponto não é esse. O ponto é que há tolerância para um determinado tipo de erro.

Tá tudo bem se o sniper confundir guarda-chuva com fuzil e arrebentar os miolos do morador da favela. Não tem problema se o drone fuzilar um ou outro policial à paisana na comunidade. Para a opinião pública que conta, aquela classe média na coleira do pessoal da cobertura, a palavra bandido não significa o mesmo que criminoso. Bandido, para eles, não é o que comete crime, necessariamente. Bandido é aquele que apresenta ameaça ao seu patrimônio.

Se o traficante, por exemplo, é filho de magistrada, não é "bandido bom, bandido morto". Não tem que morrer, nem ir pra cadeia. Tem que ser tratado, é doente. Não usa máscara de camiseta. A mamãe socorre.

Numa sociedade onde traficante favelado é bandido e traficante playboy é doente, a estratégia sniper/drone tem prazo de validade curto.

Porque é uma questão de tempo até o super-herói americano acertar a pessoa errada que importa. Basta um playboy da Zona Sul tirando onda com fuzil do parça. Basta um jogador de futebol, um filho de empresário ostentando em baile funk. Uma cabeça loira, miolos esparramados na quadra da escola de samba. Pronto: opinião pública se volta contra seus justiceiros. É uma história que se repete de tempos em tempos no Rio de Janeiro. O cidadão quer ver sangue de bandido. Mas tá bem combinado quem é o bandido.

A única questão é quantos "equívocos" acontecerão na favela antes do primeiro playboy perder a cabeça. Então, por uma questão de humanidade e/ou pragmatismo, eu peço ao meu novo governador: mata logo esse playboy, talkei?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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